28 de Junho, 2013 - 10:10 ( Brasília )
Violência de protestos surpreende ABIN
Maíra Magro
O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Wilson Roberto Trezza,
diz que a agência produziu mais de 110 relatórios sobre a Copa das
Confederações e já havia detectado a possibilidade de manifestações no
país meses antes dos jogos. Para cuidar dos grandes eventos, a ABIN
criou Centros de Inteligência Regional em cada cidade sede, comandados
por um Centro de Inteligência Nacional em Brasília. Segundo Trezza,
todos os relatórios foram repassados aos governos estaduais e ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
O tamanho dos protestos, porém, não foi
dimensionado com antecedência, nem o grau de violência. "Inteligência
não é adivinhação nem exercício de futurologia", justifica o chefe da
ABIN. Ele diz não saber se a presidente foi pessoalmente prevenida dos
protestos, pois a agência só se reporta diretamente GSI, por meio de seu
ministro-chefe, o general José Elito Siqueira. "Não despacho com a
presidenta."
Valor: A ABIN antecipou que haveria manifestações?
Wilson Roberto Trezza: Por ocasião das
avaliações de risco já havíamos detectado, há meses, a possibilidade de
manifestações. Tempos atrás nós alertávamos que haveria a possibilidade
de manifestações desse grupo "Copa pra Quem?". Em todos os lugares do
mundo onde se realizou um grande evento aconteceram manifestações, não é
privilégio do Brasil.
Valor: Outros grupos já tinham sido identificados?
Trezza: Que poderiam participar de
manifestações, sim. Mas essa grande manifestação surgiu principalmente
de um crescimento absolutamente inexplicável e inesperado do Movimento
Passe Livre. Se você me perguntasse no primeiro dia, em que 200 pessoas
se reuniram, se eu seria capaz de dizer que, uma semana depois, teríamos
300 mil pessoas na Candelária [no Centro do Rio de Janeiro], ninguém
seria capaz de dizer. Inteligência não é adivinhação nem exercício de
futurologia, é uma atividade técnica. Você trabalha com base em dados
disponíveis.
Valor: O risco de manifestações nessa proporção e com atos de violência e vandalismo chegou a ser comunicado ao governo federal?
Trezza: Não chegou a ser comunicado ou
estimado com meses ou anos de antecedência, mas à medida que começou a
acontecer o primeiro evento, a inteligência começou a perceber o
potencial de crescimento.
Valor: Alguma informação foi passada à Presidência da República?
Trezza: Nós temos inteligência para
uso tático e operacional, e temos a inteligência estratégica, de
Estado. Esta interessa ao grande processo decisório. No nível
estratégico, elaboramos relatórios de inteligência. Os dados são
encaminhados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência
da República, a quem somos subordinados.
Valor: Como o GSI trata esses dados?
Trezza: O GSI difunde os dados para as
áreas que têm responsabilidade sobre esses assuntos. Determinado assunto
pode ser de interesse de um ou outro ministério, da Casa Civil, da
Presidência da República... Vai depender da avaliação do GSI.
Valor: Como essas manifestações representam um risco político, não seriam objeto de interesse da Presidência?
Trezza: Eu posso encaminhar o relatório
de inteligência para o ministro-chefe do GSI e ele entender que não
precisa necessariamente entregar o relatório, ou ele pode reportar o
fato à presidenta da República. Agora, se me perguntar quais dos cento e
poucos relatórios que produzimos foram encaminhados ou se sentaram pra
conversar, não sei dizer.
Valor: O senhor não sabe se a presidente estava a par dessa situação de dimensões inesperadas?
Trezza: Ainda que a presidenta não
recebesse nosso relatório, se quatro ou cinco ministros envolvidos na
questão receberem, isso será objeto de deliberação. Essas informações
foram trocadas com todas as estruturas envolvidas com os grandes
eventos.
Valor: Como é essa estrutura?
Trezza: Hoje temos três grandes estruturas envolvidas com os grandes eventos: a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, que cuida de todos os aspectos voltados para a segurança pública, além das áreas estaduais e federais de segurança. Eles criaram Centros Integrais de Comando e Controle, um nacional e centros regionais para cada cidade sede.
A Defesa criou Centros de Comando de Defesa de Área, nas cidades sede, em que participam Exército, Marinha e Aeronáutica. Nós criamos um modelo semelhante, um Centro de Inteligência Nacional, na Abin, em Brasília, em que estão todos os representantes do Sistema Brasileiro de Inteligência, composto por 35 órgãos representantes de 15 ministérios, e também temos a presença de órgãos da segurança e da defesa. E criamos em cada cidade sede um Centro de Inteligência Regional, para o qual convidamos inclusive o município, como a área de trânsito, a guarda municipal...
Trezza: Hoje temos três grandes estruturas envolvidas com os grandes eventos: a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, que cuida de todos os aspectos voltados para a segurança pública, além das áreas estaduais e federais de segurança. Eles criaram Centros Integrais de Comando e Controle, um nacional e centros regionais para cada cidade sede.
A Defesa criou Centros de Comando de Defesa de Área, nas cidades sede, em que participam Exército, Marinha e Aeronáutica. Nós criamos um modelo semelhante, um Centro de Inteligência Nacional, na Abin, em Brasília, em que estão todos os representantes do Sistema Brasileiro de Inteligência, composto por 35 órgãos representantes de 15 ministérios, e também temos a presença de órgãos da segurança e da defesa. E criamos em cada cidade sede um Centro de Inteligência Regional, para o qual convidamos inclusive o município, como a área de trânsito, a guarda municipal...
Valor: A Copa das Confederações
transformou-se em vitrine para os protestos. O que a Abin já produziu em
relação à Copa das Confederações?
Trezza: Já produzimos mais de 110
documentos. A inteligência é sempre a primeira que começa a funcionar.
Instalamos nossos centros no dia 15 de maio deste ano. A partir de 10 de
junho, começamos a trabalhar 24 horas por dia. Durante o evento fazemos
avaliação de risco "a quente".
Valor: Como foram usados esses relatórios?
Trezza: A ABIN difundiu todos os
relatórios para todas as áreas de segurança e defesa. Uma das
competências em relação à Copa das Confederações é elaborarmos uma
avaliação de risco. De 2011 pra cá, fizemos uma média de oito para cada
cidade-sede. As avaliações de risco que fizemos um ano atrás, seis meses
atrás, foram encaminhadas, e em alguns casos eu estive pessoalmente com
o ministro-chefe do GSI, e entregamos nas mãos dos governadores de
Estado. A ABIN tem uma superintendência em cada Estado e os órgãos dos
Estados foram convidados a trabalhar conosco.
"As grandes manifestações surgiram de um crescimento absolutamente inexplicado e inesperado do Passe Livre"
Valor: Que tipo de risco foi identificado?
Trezza: Temos dificuldade, por exemplo, com vias de acesso, em eventual necessidade de evacuação do estádio. De maneira geral, os estádios no Brasil não foram concebidos para os grandes eventos, alguns ficam no centro da cidade.
O que fazemos é prever todas as situações que poderiam configurar risco ou dificuldade, e sugerimos soluções para mitigar ou eliminar o risco. Levantamos potenciais vulnerabilidades das infraestruturas estratégicas, na rede hoteleira, nos trajetos percorridos pelas delegações, nos centros de treinamento, nos estádios.
Trezza: Temos dificuldade, por exemplo, com vias de acesso, em eventual necessidade de evacuação do estádio. De maneira geral, os estádios no Brasil não foram concebidos para os grandes eventos, alguns ficam no centro da cidade.
O que fazemos é prever todas as situações que poderiam configurar risco ou dificuldade, e sugerimos soluções para mitigar ou eliminar o risco. Levantamos potenciais vulnerabilidades das infraestruturas estratégicas, na rede hoteleira, nos trajetos percorridos pelas delegações, nos centros de treinamento, nos estádios.
Valor: Havia alguma previsão da possibilidade de vaia à presidente Dilma na abertura da Copa das Confederações, em Brasília?
Trezza: Havia. Isso aconteceu no
Panamericano, já virou praxe. Mas eu acho que as pessoas estão dando uma
importância muito grande para a vaia. Eu estava no estádio, o público
vaiou até a seleção brasileira. Qualquer pessoa que estivesse
responsável pela abertura do evento possivelmente seria vaiada.
Valor: Essa previsão foi comunicada diretamente à presidente?
Trezza: Eu não despacho com a presidente da República.
Valor: O senhor comunicou ao GSI?
Trezza: Sim, nós conversamos sobre esses assuntos durante reuniões, todo dia temos reuniões. Certamente deve ter chegado.
Valor: Há relatos de que a presidente estaria descontente com os órgãos de inteligência e de segurança.
Trezza: Eu li isso nos jornais e logicamente tentei me inteirar. Nunca me reportaram isso e ninguém nunca confirmou.
Valor: Não há desgaste?
Trezza: Quero acreditar que não. Nunca fui comunicado de qualquer tipo de desgaste.
Valor: O fato de o GSI não
ter sido chamado para discutir respostas do governo às manifestações foi
interpretado como sinal de descrédito, de que a inteligência do governo
não funcionou.
Trezza: O que eu percebo é que a presidenta não quer envolver o gabinete pessoal nessas questões. O GSI faz a segurança pessoal, não se envolve na segurança das manifestações ao redor dos estádios. Independentemente dessa decisão tomada em nível político, o GSI é um gabinete técnico, ele não deveria necessariamente estar lá. É uma decisão da presidenta, só ela poderia dizer, mas interpreto dessa maneira.
Trezza: O que eu percebo é que a presidenta não quer envolver o gabinete pessoal nessas questões. O GSI faz a segurança pessoal, não se envolve na segurança das manifestações ao redor dos estádios. Independentemente dessa decisão tomada em nível político, o GSI é um gabinete técnico, ele não deveria necessariamente estar lá. É uma decisão da presidenta, só ela poderia dizer, mas interpreto dessa maneira.
Valor: Como a Abin monitora as manifestações?
Trezza: Temos profissionais colhendo
dados por uma série de formas. Saindo à rua, através do que acontece nas
redes sociais, pelo sistema [de inteligência], ou informantes. Também
recebemos denúncias, até anônimas.
Valor: A Abin criou um grupo para monitorar as redes sociais por causa das manifestações?
Trezza: Que nós tivemos que montar às pressas um grupo para monitorar redes sociais? Não tem nada disso.
Valor: Tem um grupo de monitoramento permanente?
Trezza: Não temos uma área
específica na Abin que passa o dia inteiro na frente do computador
fazendo isso. Em cada área de inteligência, se o profissional tiver a
necessidade de consultar informações nas redes sociais, ele vai lá e faz
essa observação, volta e continua seu trabalho.
Valor: E-mails e comunicações privadas são monitoradas?
Trezza: A rede social se tornou
hoje um espaço público de divulgação. Se olhar o que está sendo
veiculado na rede é monitoramento, digo que nós fazemos. É diferente de
entrar no seu e-mail, Facebook, isso nós não fazemos.
Valor: As manifestações continuarão ocorrendo?
Trezza: Pelos dados que temos hoje,
continuarão. Mas amanhã, dependendo das medidas adotadas pelo Congresso
e pelo Executivo, isso pode não ser mais verdadeiro. Temos previsões de
grandes paralisações do início de julho até o dia 10 a 13.
Valor: O pacto anunciado pela presidente ajuda?
Trezza: Quando a presidente recebeu os,
em tese, representantes dos movimentos, você percebeu que já no dia
seguinte as manifestações não foram tão intensas. Mas o que não cai de
intensidade, porque não depende de atender ou não os anseios da
sociedade, é aquele grupo que comparece para fazer vandalismo, cometer
atos de ilegalidade.
"Pelos dados que temos hoje, as manifestações continuarão. Temos previsões de grandes paralisações até 10 a 13 de julho"
Valor: Há infiltração de grupos criminosos organizados nesses protestos?
Valor: Há infiltração de grupos criminosos organizados nesses protestos?
Trezza: Existem alguns informes, nos
quais o grau de certeza não é absoluto, de que facções também querem se
aproveitar desses movimentos para desenvolver suas ações... No Rio, a
própria área de segurança e defesa percebe que a criminalidade
organizada, milícias, se aproveitaram desses movimentos para desenvolver
algumas atividades, atos de vandalismo, saques... Em São Paulo também.
Mas se me perguntar se isso se confirmou, não posso garantir. Nosso
papel é alertar sobre a possibilidade.
Valor: Qual a estrutura e o orçamento da Abin hoje?
Trezza: O efetivo é uma informação
estratégica. O orçamento beira R$ 600 milhões por ano, está publicado no
"Diário Oficial da União". Retirando despesas com pessoal, sobram pouco
mais de R$ 50 milhões. Se você dividir por 12 meses, 26
superintendências e mais as pessoas no exterior, vê a mágica que temos
que fazer.
Valor: A estrutura é insuficiente?
Trezza: Precisaríamos de uma estrutura
melhor. Já trabalhei em várias áreas de governo e na iniciativa privada,
e todo mundo luta para ter mais efetivo. Agora, o Brasil é o único país
no mundo onde o recrutamento para a inteligência é feito por concurso
público.
Valor: É um problema?
Trezza: Acho que realizamos o sonho de
qualquer serviço de inteligência, o de infiltrar alguém no serviço do
outro, mesmo os amigos. Como aqui trabalhamos com concurso público,
basta você recrutar alguém aí fora com boa formação acadêmica e pedir
que faça o concurso da ABIN.
Valor: Então há agentes estrangeiros infiltrados na Abin?
Trezza: Não estou dizendo isso. Temos uma
área de contraespionagem. Toda vez que fazemos um concurso público,
temos que fazer um acompanhamento, e no nosso edital está prevista uma
investigação social antes da pessoa entrar. Já tivemos indícios de
tentativa de aproximação de serviços de inteligência de outros países a
candidatos ao concurso da Abin, mas identificamos com antecedência e não
se concretizou.
Valor: A nomeação de outros funcionários do governo federal passa pela ABIN?
Trezza: As nomeações para cargos
públicos, a partir do DAS-4, passam por aqui. A Casa Civil submete os
nomes e fazemos [a checagem]. Mas ela não é obrigada a mandar.
Valor: Que tipo de investigação é feita, exatamente?
Trezza: Levantamos dados disponíveis sobre a pessoa, como a existência de processos administrativos ou judiciais, além de informações do Sistema Brasileiro de Inteligência.
Trezza: Levantamos dados disponíveis sobre a pessoa, como a existência de processos administrativos ou judiciais, além de informações do Sistema Brasileiro de Inteligência.
Valor: Nos Estados Unidos, fazem um "background check" em que entrevistam até vizinhos...
Trezza: Se necessário, podemos fazer entrevistas. Mas a Abin não barra nenhuma nomeação, somente coleta os dados.
Valor: A ABIN tem quantas subunidades no país?
Trezza: Já chegamos a ter 12 e hoje
estamos com cinco, em municípios considerados estratégicos: Tabatinga
(AM), na Amazônia; Foz do Iguaçu (PR), por causa da tríplice fronteira;
Campinas (SP), porque é um polo de desenvolvimento de indústria,
tecnologia. Temos ainda uma em São Gabriel da Cachoeira (AM), uma região
de fronteira; e outra em Marabá (PA), criada na época de grandes
problemas com o garimpo. Há preocupações com o tráfico de entorpecentes,
de armamentos, a entrada de estrangeiros, desmatamento, garimpo em
terra indígena ou em outras áreas, contrabando de pedras...
Valor: E a hidrelétrica de Belo Monte?
Trezza: Todas as obras do PAC são de
interesse do Estado brasileiro, e se pudermos contribuir com informações
sobre algo que ameace a concretização dessas obras, produzimos
relatórios de inteligência.
Valor: Os que protestam contra essas obras são monitorados, como os índios?
Trezza: Nós não fazemos monitoramento de
pessoas, a não ser que esteja fazendo algo ilegal. Se eu tiver que dizer
que você participou ou está promovendo uma manifestação contra a
construção da hidrelétrica de Tapajós, eu vou dizer. Agora, para isso
não preciso acompanhar sua vida, monitorar seu telefone, sua internet,
fazer alguém se passar por outra pessoa para se aproximar de você. Às
vezes, a informação é importante até pra saber com quem se comunicar,
quem chamar para um diálogo.
Valor: A ABIN tem equipamentos para grampos telefônicos, como o Guardião?
Trezza: Não. Por lei, somos proibidos de
fazer interceptação de comunicações e escuta ambiental. Tenho
equipamento de varredura, inclusive para a própria defesa.
Valor: Como foi a operação da
ABIN no porto de Suape, em Pernambuco, que teria identificado que um
movimento sindical ligado ao governador Eduardo Campos (PSB) poderia
fazer uma greve geral?
Trezza: É uma coisa absolutamente fantasiosa. Quem está te falando é o diretor-geral da Abin e isso não aconteceu.
Valor: Quatro agentes da Abin foram presos?
Trezza: Os quatro agentes nem estiveram no porto no dia 11 de abril. Tanto o GSI quanto a Abin emitiram notas públicas a respeito do fato. Nós temos uma postura e um valor. A atividade de inteligência, por definição, tem que ser apolítica e apartidária. Nós não temos a inteligência do PT, como não tínhamos a do PSDB, nós temos a inteligência de Estado, que está à disposição dos sucessivos governos. Fazemos questão absoluta de não ter envolvimento político.
Trezza: Os quatro agentes nem estiveram no porto no dia 11 de abril. Tanto o GSI quanto a Abin emitiram notas públicas a respeito do fato. Nós temos uma postura e um valor. A atividade de inteligência, por definição, tem que ser apolítica e apartidária. Nós não temos a inteligência do PT, como não tínhamos a do PSDB, nós temos a inteligência de Estado, que está à disposição dos sucessivos governos. Fazemos questão absoluta de não ter envolvimento político.
Valor: Mas esses agentes foram ao porto de Suape alguma vez?
Trezza: Sim, já foram. Mas eles nunca estiveram no porto os quatro de uma só vez.
Valor: O que eles foram fazer?
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