segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Bandidos de farda

Veja 29 agosto 2011
Os bandidos de farda


Até há pouco uma ameaça restrita às favelas do Rio de Janeiro, as milícias agora se espalham pelo Brasil


Vieram com assinatura as balas que mataram a juíza Patrícia Acioli, 47 anos, no ultimo dia 12, no Rio. Calibre 40, elas pertenciam a um lote comprado pela Polícia Militar e distribuído entre vários batalhões, incluindo o de São Gonçalo, onde atuava a magistrada. Nessa região, viceja uma praga que Patrícia se dedicava a combater com especial empenho: as chamadas milícia, quadrilhas que, nascidas das fileiras da polícia com propósito vagamente bem-intencionados, se convertem rapidamente em bandos de matadores a soldo dos próprios interesses ou de quem pagar melhor. Até há pouco tempo, esse cancro estava restrito ao Rio de Janeiro. Agora, alastra-se pelo, território nacional.
Levantamento realizado por VEJA junto à Polícia Federal e polícias estaduais mostra que, com maior ou menor grau de organização, as milícias estão presentes em pelo menos nove estados brasileiros, além do Rio: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Há desde células pequenas, com não mais do que dez integrantes, até organizações que comportam mais de uma centena de membros. A absoluta maioria desses grupos é formada por policiais e ex-policiais civis e militares, mas há os que incluem também egressos da Polícia Federal, do Exército e da Aeronáutica. O traço comum é o uso da violência e a sensação de pairar acima da lei. Seus integrantes, quando não abandonam as corporações a que pertencem para se dedicar em tempo integral à delinquência, fazem pior: usam a farda para, sob a proteção do estado, extorquir, ameaçar e matar.
"As milícias se transformaram em um negócio. O que elas querem é ganhar dinheiro, não importa como. Matam por encomenda, extorquem e exterminam quem se recusa a pagar. Incluem de soldados a oficiais", declarou a VEJA o homem cujo retrato estampa as páginas que abrem esta reportagem. Hoje convertidos em informante da polícia do estado da Paraíba, ele foi por cinco anos integrante de uma milícia que espalhou o terror nas favelas de Taipa e Mandacaru, na periferia de João Pessoa. O grupo era formado por policiais militares. Quem ousasse contestar sua autoridade não sobrevivia por muito tempo. Só em 2009, o bando matou noventa pessoas, segundo estimativas da Secretaria de Segurança do governo da Paraíba.
A milícia de João Pessoa seguiu o roteiro-padrão: começou com um grupo de policiais decididos a matar bandidos a pretexto de "impor a ordem" em uma região. O faro de dispor de treinamento, armas e munição facilitou a tarefa e fez com que, em pouco tempo, ele passasse a ser temido e respeitado pela bandidagem local. Ultrapassada a fronteira que separa o crime da lei, o próximo passo foi cobrar pelo "serviço". A pistolagem de aluguel para bandos de traficantes interessados em eliminar uma facção rival mostrou-se um negócio lucrativo. "Conheço major que ficou rico", diz o miliciano arrependido.
Estruturada, a quadrilha de João Pessoa evoluiu para um terceiro estágio. Ao perceber que poderia eliminar não apenas uma, mas todas as facções de bandidos da área em que atuava, decidiu assumir o controle de todo o território. Passou a cobrar uma "taxa de segurança" dos moradores para manter os antigos bandidos afastados. Foi a mesma seqüência observada do Rio de Janeiro, espécie de laboratório desse tipo de banditismo. Lá, a primeira área controlada pelas milícias foi a favela Rio das Pedras. em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade. Depois de expulsarem traficantes, os milicianos começaram a cobrar por segurança. Em seguida, partiram para a cobrança de pedágio" para todos os serviços que considerassem "tributáveis" - incluídos aí a venda de bujões de gás, a operação de serviços informais de mototáxi e as ligações clandestinas de TV por assinatura. Tudo passou a requerer a "contribuição da milícia". Com base nesse tipo de expediente, um grupo do bairro da Taquara, também em Jacarepaguá, chegou a arrecadar 200 000 reais por mês. Ele foi desbaratado neste ano, durante uma operação da Policia Civil. Em 2005, um estudo do Núcleo de Pesquisa das Violências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) detectou a existência de milícias em 10% das favelas cariocas. Hoje, estima-se que esses bandidos de farda controlem 41% delas.
Pelo país, a praga das milícias disseminou-se de tal forma que nem os índios da Amazônia escaparam. O grupo que se intitula Piasol - Polícia Indígena do Alto Solimões - é formado por índios que serviram no Exército. Seu alvo, inicialmente, eram índios embriagados. Quem fosse pego nessa condição apanhava e passava 24 horas preso em celas improvisadas, como chegou a registrar um fotógrafo do jornal. A Crítica, de Manaus, em 2009 (como pode ser visto na foto acima). Não demorou para que a milícia indígena cedesse à mesma tentação que afeta os seus congêneres: hoje, a Piasol já cobra "taxas" sobre o comércio de produtos nas aldeias sob sua influência. No ano passado, um dos chefes do bando, Adir Ticuna, foi candidato a deputado estadual pelo PT.
Países como o México e a Colômbia também convivem com milícias, mas o caso brasileiro tem contornos únicos. "Nesses países, as milícias atuam de forma centralizada. Já no Brasil, os grupos são absolutamente pulverizados. Não há nenhum contato entre as quadrilhas", explica o sociólogo Ignácio Cano, da Uerj. Só o que une os grupos brasileiros é o uso deturpado que fazem do termo que os batiza. "O termo" milícia" remete a um exército popular, organizado para defender os interesses da população. Esses bandidos se apropriaram dele para dar legitimidade aos crimes que cometem", afirma Cano. Nos últimos dois anos, um grupo formado pelo Ministério Público, pela Policia Federal e pela Agência Brasileira de Inteligência se reuniu para preparar um diagnóstico da atuação das milícias no país. Poucos governadores, no entanto. aceitaram repassar informações. "Há forte resistência de muitos estados em reconhecer a presença dessas quadrilhas", diz o promotor Francisco de Assis, do Rio, que coordenou o grupo. A resistência dos governos a encarar o problema é proporcional à responsabilidade que eles têm na sua formação. É nos lugares em que o estado está ausente que qualquer coisa organizada viceja - ainda que seja o crime. A juíza Patrícia Acioli lutou contra essa equação perversa. Sua morte é uma derrota para o país.

domingo, 28 de agosto de 2011

Ausência de política de segurança

O Globo 28 agosto 2011.
'País ainda não tem política de segurança'


REGINA MIKI


Secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki admite lacunas nos registros de segurança e adianta detalhes do sistema de criminalidade anunciado pelo ministro José Eduardo Cardozo.
Como será o índice de criminalidade anunciado pelo ministro?
REGINA MIKI: Estamos planejando um sistema nacional, com dados de todos os estados. A primeira dificuldade é padronizar os registros de ocorrência, porque cada estado faz de um modo. Por que usamos dados de 2008 no Mapa da Violência? Porque os dados padronizados que temos são do SUS, então pegamos emprestado dele. Mas você acaba fazendo uma política hoje com dados de 2008, é gravíssimo. A segunda dificuldade é o gerenciamento: o dado não é nosso, a gente depende de cada estado. Por isso, estamos desenvolvendo um software captador de dados, para que ele busque nos sistemas de cada estado os dados que nos interessam, em vez de criarmos mais um cadastro para o policial de cada estado preencher.
Quando o software começa a operar?
REGINA: Isso ainda está em gestação. Mas sem dúvida toda a base de tecnologia da rede InfoSeg seria aproveitada. Queremos que o software esteja em teste até o fim deste ano.
Se os estados não são obrigados a mandar dados para a InfoSeg, como garantir que se integrarão ao novo sistema?
REGINA: Realmente não há essa obrigação, e é a razão pela qual ainda temos lacunas na alimentação de informações. Na InfoSeg, há estados que deixaram de alimentar (a rede) por um ano. Mas é preciso se criar um mecanismo de indução, para que os estados tenham de mandar esses dados. Os estados têm de entender que os queremos como parceiros; que queremos os dados não para criar um ranking de locais mais violentos que os prejudique, e, sim, para saber para onde é mais necessário enviar recursos, para que o estado atinja determinada meta de combate à violência.
Como seria essa "indução" aos estados?
REGINA: Condicionando o recebimento de repasses federais ao envio, pelo estado, desses dados. Pode ser repasse do Fundo Nacional de Segurança Pública, do Pronasci... Estamos articulando isso.
Hoje não há lista nacional de foragidos ou desaparecidos. Como fazer segurança assim?
REGINA: Respondo com outra pergunta: como está a criminalidade no Brasil? É só você ver. É por essas lacunas que o país ainda não tem uma política de Estado de segurança.

sábado, 27 de agosto de 2011

Distorções

O Globo 27 de agosto de 2011.


Distorções

Merval Pereira


Antes mesmo de se discutir uma reforma que dê mais sentido ao nosso sistema político, é preciso considerar que, no presidencialismo, o presidente é o chefe do Executivo, e a "direção" do país é indicada pelo Congresso. É possível dizer que o presidencialismo é o "inventor", ou o melhor tradutor, do princípio da independência entre os Poderes, base do sistema de pesos e contrapesos da democracia.
A Constituição não prescreve o emprego de membros do Legislativo como auxiliares do Executivo; essa prática exacerbada em nosso "presidencialismo de coalizão" é um desvio de finalidade, e os efeitos estão à vista de todos.
Está faltando a nossos políticos a noção de que o Executivo presidencialista ter de nomear deputados e senadores como seus ministros é, como diz um amigo meu, uma "novidade tropical", e como tal só pode redundar em distorções da função pública, tornada o mais das vezes em função que atende a interesses privados.
A briga no Congresso por vagas no Ministério, da maneira como se dá, é uma deturpação dos valores do presidencialismo, sintoma de tendência ao patrimonialismo e ao fisiologismo.
Um parlamentar que vai para o Ministério abre mão de exercer seu mandato como membro de um dos Poderes da República para aceitar papel secundário em outro poder, a maioria das vezes com interesses subalternos, como está se revelando rotineiramente nesses primeiros meses de governo Dilma.
Não é que não houvesse essa deturpação em governos anteriores, mas desestruturação cada vez maior dos partidos políticos, e a sempre ampliada base governista, formam um agrupamento que não faz liga programática e levam a que a composição ministerial obedeça cada vez mais a interesses esparsos e pessoais - e os políticos se tornem posseiros de "feudos" onde reinam, soberanos, não para implementar projetos, mas para se beneficiar, e aos seus apaniguados.
O próprio aumento do número de ministérios colaborou para a redução da importância deles, que se transformaram em grande parte em fontes de negociatas.
Como não estamos no parlamentarismo, onde os programas de governo são defendidos pelos partidos que ganharam a eleição, a maneira como os partidos aqui negociam seus pedaços de poder os transforma em atores que não desejam opinar nas diretrizes que vierem a ser adotadas pelo governo a que aderiram por mero desfrute.
Todos os políticos que se digladiam por uma vaga na Esplanada dos Ministérios deveriam, em teoria, renunciar aos mandatos, não podem servir ao Poder Executivo no exercício do cargo para o qual foram eleitos.
Mas apenas se licenciam, e têm a prerrogativa de retornar ao Congresso quando deixam o Ministério, além de continuar a receber o salário de parlamentar, maior que o de ministros, como aconteceu recentemente com o senador Alfredo Nascimento, saído dos Transportes e devolvido sem honra ao plenário do Senado.
O sistema presidencialista oferece ao chefe do Poder Executivo muitas alternativas legais para contornar o Legislativo, e os presidentes têm mais flexibilidade para montar seus ministérios.
Enquanto no parlamentarismo os governos são organizados essencialmente pelos componentes dos partidos que formam sua base parlamentar, no presidencialismo é possível escolher ministros de acordo com critérios próprios, e até mesmo levando em conta apenas as relações pessoais.
Na teoria, uma das virtudes que devem ser evitadas ao se montar uma boa equipe de governo é, paradoxalmente, a lealdade do escolhido, o que leva inevitavelmente a que pessoas não qualificadas, mas leais ao presidente da República, assumam postos importantes nos governo com o único compromisso de que não se voltarão contra quem os escolheu.
Há quem defina o hiperpresidencialismo como uma ditadura disfarçada, cuja fronteira para a ditadura de fato é a liberdade de imprensa, que geralmente não existe em países que já adotam esse sistema de governo, como a Venezuela e a Rússia.
A partir do caso da Rússia, os estudiosos dos sistemas de governo dizem que a fragmentação partidária pode levar a que o Executivo estimule uma maioria circunstancial que favoreça a aprovação de sistemas autoritários.
Seria o mesmo fenômeno que acontece na América Latina, com governos se utilizando dos mecanismos democráticos para aprovar leis que lhes conferem superpoderes, colocando o Executivo acima dos outros Poderes, fazendo com que o sistema democrático perca sua característica de contrapesos.
Nós ainda estamos em um estágio anterior, em que essa desagregação dos partidos facilita apenas o predomínio do Executivo sobre o Legislativo às custas de vantagens fisiológicas que estão sendo reveladas quase que cotidianamente.
É o que chamo de uma "maioria defensiva", que só serve mesmo para evitar a convocação de ministros, a realização de CPIs e, no limite, processos de impeachment.
E, mesmo quando o Legislativo decide "mostrar a sua força", o faz quase sempre na base da chantagem política, e não na defesa de uma posição ideológica ou programática.
No presidencialismo, deputados e senadores eleitos governam o país no Parlamento, no Congresso, como parte principal de um dos Poderes da República.
Abrindo mão do mandato, passam a exercer papel secundário do Poder Executivo, mais secundário ainda quanto mais forte for o presidente da República.
Mas raros são os que têm essa percepção ou essa visão da política para rejeitar essa submissão. A maioria, infelizmente, quer usufruir as vantagens que a "lealdade" ao poder central lhe garante.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O Globo 25 agosto 2011.

Vitória sobre militares em 61 iludiu esquerda


LEGALIDADE, 50 ANOS
Apoio popular ao movimento liderado por Brizola para garantir posse de Jango não se repetiu três anos depois
Agência Estado/30-08-1961
Chico Otavio

Na história política do país, foi a única vez que um movimento liderado por civis peitou um golpe militar e derrotou os golpistas. Paradoxalmente, foi também a campanha que criou a ilusão de que os golpistas poderiam ser derrotados mais uma vez. Mas a história não se repetiu.
Está completando 50 anos a Cadeia da Legalidade — movimento desencadeado pelo então governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul para garantir a posse do conterrâneo João Goulart na Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto. Tudo começou dois dias depois, quando Brizola, entrincheirado no Palácio Piratini, sede do governo estadual, liderou uma cadeia nacional de rádio defendendo o cumprimento da Constituição.
— As esquerdas chamaram a sociedade e ela atendeu, como voltaria a fazer em 1963, no plebiscito que restaurou o presidencialismo. Isso deu a ilusão de que, se a população fosse convocada outra vez, acataria. Mas 1964 era diferente. Não se tratava mais de defender a Constituição, a legalidade, mas as reformas na lei ou na marra, e o lema não mobilizou — avalia o historiador Jorge Ferreira (UFF), autor de “João Goulart, uma biografia”, lançado recentemente.
Meio século após a vitória popular sobre os generais de Brasília, a novidade sobre o episódio é o distanciamento histórico. Sem as paixões políticas que turvavam o entendimento sobre as crises do período, especialistas como Jorge Ferreira apresentam novas visões sobre a semana em que o Brasil mais se aproximou da guerra civil.
Palácio virou um bunker
Do bunker do Piratini, Brizola avisou que não daria o primeiro tiro, mas revidaria com o segundo, o terceiro e o quarto se os golpistas tentassem atacá-lo. Se alguém na ocasião desmereceu a ameaça, fez mal. Para Jorge Ferreira, a força bélica da Legalidade, depois da adesão do III Exército, tinha condições de vencer o restante das forças do país:
— O III Exército (Região Sul) era o mais poderoso dos quatro existentes na época. Havia grande concentração de tropas na fronteira porque os militares não duvidavam que, mais cedo ou mais tarde, a Argentina invadiria o Brasil — explicou Ferreira.
Após dez anos de pesquisa para escrever “João Goulart”, que tem um capítulo dedicado à Rede da Legalidade, o historiador ainda se emociona ao citar uma cena decisiva. Aconteceu em 28 de agosto, quando o comandante do III Exército, general José Machado Lopes, desembarcou com o seu estado-maior em frente ao Palácio Piratini. A tensão era grande pela desconfiança de que o oficial estaria ali para dar voz de prisão a Brizola.
— Comunicações do Exército, interceptadas por aliados de Brizola, davam conta de que a missão de Machado Lopes era essa. Mas quando ele chegou, as cem mil pessoas que lotavam a Praça da Matriz, em frente ao palácio, começaram a cantar o Hino Nacional. E o general, ao subir as escadarias, se virou para a multidão e, mão no peito, passou a também cantar, acompanhado de seus oficias — conta.
Até então, a resistência de Brizola, além da força de suas palavras, se resumia às tropas da Brigada Militar (a PM gaúcha), com suas metralhadoras velhas, armas portáteis e barricadas de sacos de areia.
Antes de continuar, algumas pinceladas de história para facilitar o entendimento. João Goulart, do PTB, estava em visita à China quando Jânio pediu as contas. Em seu lugar, assumiria provisoriamente o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, mas uma junta formada pelos três ministros militares — general Odílio Denys, brigadeiro Grum Moss e almirante Sílvio Heck — não queria Jango de volta. Defendia o rompimento da ordem jurídica, com o impedimento da posse e a convocação de eleições.
Os oficiais chegaram a dizer que, se o vice-presidente pisasse em solo brasileiro, seria preso. Porém, para que uma posição tão radical se impusesse, seria necessária a mais completa unidade no interior das forças armadas. E, graças a Machado Lopes, isso não aconteceu. Depois do episódio do Hino, ele se reuniu com Brizola para anunciar que, entre a ruptura e a legalidade, ficaria com a Constituição.
É um equívoco, porém, pensar que o general se encantou com o discurso de Brizola, que incendiava as rádios.
— Nunca aderi ao governador Brizola, nem mesmo permiti que sua influência sobre João Goulart perturbasse a solução pacífica da crise política pelo Congresso, quando lembrei ao senhor Goulart a sua palavra, de respeitar as decisões soberanas do Congresso — recordou-se o general, em livro de memórias escrito em 1980.
A imagem de Brizola, de terno e carregando uma metralhadora pelos corredores do Piratini, faz lembrar o presidente chileno Salvador Allende, de capacete e fuzil, resistindo no La Moneda aos ataques das tropas do general Pinochet no golpe de 1973.
A diferença é que o governador gaúcho sairia vitorioso. Isso não apenas lhe deu um inédito protagonismo no PTB, cacifando os setores mais radicais do partido em oposição à liderança histórica de Jango, como o encorajou a ir além.
— Contrário a uma solução negociada, com o aprovação do parlamentarismo, Brizola queria marchar com Jango e o III Exército até Brasília, para fechar o Congresso e convocar uma Constituinte — destaca Jorge Ferreira.
O professor não tem dúvidas do que ocorreria, caso a ideia fosse acolhida:
— A guerra civil.
Mas Jango, que já reduzira a tensão adiando a volta ao Brasil, concordou com a proposta de parlamentarismo, do PSD de Tancredo Neves, e abortou o plano. Quando subiu a rampa do Palácio do Planalto, para a posse em 7 de setembro, a Rede da Legalidade já estava desfeita, envolta numa espécie de anticlimax, sem ter dado um disparo.
 

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Latin American: A toxic trade


Latin America: A toxic trade

By John Paul Rathbone and Adam Thomson

Latin America: While many of the region’s economies are booming, the battle against illegal drugs cartels is placing severe strain on resources and institutions, write John Paul Rathbone and Adam Thomson

Financial Times

http://www.ft.com/intl/cms/s/0/fd055994-ca8f-11e0-94d0-00144feabdc0.html#axzz1VZc5C6sJ

Amid the dizzying rise in commodities prices of the past decade, there are two notable exceptions: heroin and cocaine.
Both products have defied inflation in ways only computer microprocessors can match: narcotics are cheaper in real terms than they were 20 years ago.

This is just one illustration of a global failure to restrict the supply of illegal drugs. Though the fight has cost billions of dollars and thousands of lives, the trade – and its effects on those who take the products – has barely been dented. Production has increased, and global consumption with it. Of an estimated 272m users of illegal drugs worldwide, about 250,000 consumers lose their lives every year.

America remains the world’s largest drug market, and Europe is catching up fast. It is increasingly accepted that the prohibition policy known as the war on drugs launched 40 years ago by US president Richard Nixon “has failed” – as a recent report by the Global Commission on Drug Policy (endorsed by three former Latin American presidents, a former UN chief and a former US Federal Reserve head) bluntly put it.

This is prompting hand-wringing in Washington and other western capitals. But in Latin America, the biggest production and trading centre, the consequences of this failure continue to mount in ways barely appreciated elsewhere.

About 40,000 people have been killed in Mexico, mostly by cartels, since president Felipe Calderón launched an assault on organised drug crime four and a half years ago. In Central America levels of violence, by some estimates, are worse than in Afghanistan or Iraq.

Social and political peace are under threat. “A drug-trafficking tsunami has befallen the region,” says Kevin Casas-Zamora, a former vice-president of Costa Rica and now an analyst at Brookings, a Washington-based think-tank. General Douglas Fraser, head of US Southern Command, has called organised crime fuelled by drug trafficking Central America’s gravest threat.

Few suggest the region is about to become a collection of narco-states where governments are usurped by cartels, though that must be a risk for Guatemala, Honduras and El Salvador, the worst afflicted Central American countries. Most of the economies of a continent once associated with sovereign default and hyper-inflation are booming. While developed countries are mired in high borrowings and slow growth, Latin America has become a motor of the world economy better known for its booming economies than the cocaine trade.

Even so, most Latin American democracies are young. Mexico, Latin America’s second biggest economy, made its democratic transition just 10 years ago; Brazil, the biggest, barely 25. This makes such nations especially vulnerable to corruption and violence.
At least the days when the US “certified” countries on the basis of their ability to curb drug production are gone. Marijuana is now California’s largest cash crop, with estimated sales of $14bn a year. Most of the 10,000 illegal methamphetamine laboratories seized worldwide in 2009 were also in the US.

Even so, the west continues to im­pose considerable pressure on the region. Latin Americans have compelling reasons of their own to strengthen the rule of law. The economic and political benefits “would be huge”, says Agustin Cars­tens, head of Mexico’s central bank. The World Bank estimates that crime and violence cost Central America 8 per cent of its gross domestic product.
But many in the region have grown weary of the traditional approach, which focuses on criminalisation and repression but has little to show for it. Indeed, local drug consumption is rising; Latin American cocaine use is now almost equal to European levels, although still half the US rate.
For one, the intensity of the violence that always shadows the trade and attempts to curb it is grotesque: beheading, dismembering and the random slaughter of innocents. El Salvador, the region’s bloodiest country, suffered 71 homicides per 100,000 in 2010, according to national statistics; Brazil, 25. By comparison, the US homicide rate was less than six; Europe less than two.
Second, fighting traffickers puts a strain on countries lacking resources the developed world takes for granted. The continent remains one of the world’s most unequal regions. Even in Mexico, a member of the Organisation for Economic Co-operation and Development, the club of rich nations, the government defines its poverty rate at 46 per cent.

Third, it strains law enforcement institutions beyond their ability to cope. Mexico’s police service has been effectively balkanised by the constitution so that there are separate forces for the country’s 32 states, and for each of its 2,300 municipalities. In some Central American forces, officers have to buy bullets out of their own pockets.

Many institutions in wealthier nations would struggle when pitted against a highly sophisticated and ruthless transnational industry that, according to UN estimates, generates $85bn of profits annually from cocaine alone – equivalent to six times Coca-Cola’s pre-tax earnings last year.

“Fighting corruption and drugs is akin to using an Indian rubber eraser,” says Malcolm Deas of Oxford university, a historian of Colombia who has advised the country’s presidents. “The eraser always gets dirty, and some of it rubs off.”

Worldwide, recognition is dawning that the prohibitionist policies of the past century have not worked – and, as long as the drugs people want to consume are illegal and therefore supplied by criminal entrepreneurs, they are unlikely to work.

Even the presence of 100,000 of the best-trained soldiers with the most sophisticated weapons has done little to help staunch the flow of opiates from Afghanistan, which accounts for about two-thirds of global heroin production. Bad weather and plant disease did more to reduce supplies last year than any efforts by Nato-led troops or Afghan police.

As for Latin America, the only success story so far is Colombia, and only when judged by falling homicide rates rather than the export of illegal drugs. Furthermore, Bogotá’s success was thanks to conditions unrepeatable elsewhere.

First, there was a large flow of funds from the US. The $6bn spent on the ongoing Plan Colombia anti-narcotics and insurgency aid programme amounts to about 6 per cent of Colombia’s GDP for 2000 (the year the scheme began). By contrast, America’s equivalent initiative in Mexico is worth $1.4bn, less than 0.2 per cent of Mexico’s GDP for 2010.

Second, in the past 20 years Bogotá has made a sustained and near-superhuman effort at the cost of the lives of high numbers of police officers and judges. It has benefited from having a unified police force when it began to tackle seriously the problem of organised crime – something lacking in many other countries. “If your police forces are scattered, the narcos simply pick you off,” points out General Oscar Naranjo, head of Colombia’s police.

Third, the US and Europe provided on-the-ground training and intelligence in Colombia, which would be unworkable in most of Latin America. When Alvaro Uribe, then Colombia’s president, agreed in 2009 to let the US military use the country’s air bases to help local forces hunt down traffickers, it triggered protests across the region about “Yanqui” imperialism. Mexico’s constitution prohibits foreign troops from operating in the country, although a handful of retired US army personnel have recently been deployed there to get round such laws, according to The New York Times.

Finally, even when a crackdown is successful it simply pushes the mayhem into other countries. “The more success we have with interdiction, the more organised crime goes elsewhere,” says Laura Chinchilla, president of Costa Rica.

More and more people, and not just libertarians and hippies, are calling for a radical rethink of drug policy. The US, for example, was able to ignore the worst effects of its problem for many years. In practice the attitude was that, so long as there were not bombs going off or bullets flying in Washington, New York or Los Angeles, the violence did not matter. But in a more globalised world, and with bullets being sprayed around in neighbouring Mexico, Washington increasingly finds itself on the back foot, and confronting the possibility of violence spilling over the border.

What action it should take is unclear. Devoting more money to the problem is hardly likely, given the state of US finances. Drug use prevention campaigns also have a poor record, despite persistently high expectations. They are “cost-effective but not very effective”, points out UCLA professor Mark Kleiman, author of the recently published Drugs and Drug Policy: What Everyone Needs to Know. The legalisation debate is bogged down by legitimate fears about the risk of increased addiction rates; it will take years of study before this is better understood.

One promising, and cheap, alternative would be to slow the flow of arms south from the US. Colombian president Juan Manuel Santos recently lamented the fact that disassembled hand guns can be dispatched by Federal Express to his country, where they are pieced back together. In Mexico, as much as 70 per cent of guns seized come from America.

Yet this debate never gets off the ground because of the sensitivity of the issue for many Americans who assert their constitutional right to bear arms. As President Calderón said on a March visit to Washington: “I respect the Second Amendment, but we are requesting: don’t sell weapons to Mexican criminals.”

Some in the region believe that, while they take steps to deal with the problem, the west appears less willing to make sacrifices. Mexico, for example, has embarked on police reforms that will require constitutional change to come into effect, while a US ban on domestic sales of semi-automatic rifles that expired in 2004 is yet to be reinstated. Many believe the west has also failed to tackle money laundering. As Carlos Slim, the Mexican telecoms magnate who is the world’s richest man, has observed: “It is unfair that the drug-producing countries get to keep all the problems, and the consumer nations all of the profits”.

There is no silver bullet that can solve the drugs problem. But many in the region feel that the longer western consumer countries fail to take a meaningful role in reducing the extreme violence associated with attempts to curb their citizens’ desire to take illicit drugs, the more it will become apparent that they have blood on their hands. Security forces and traffickers have become embroiled in a kind of “arms race”, as the GCDP report put it. “Break the taboo on debate and reform. The time for action is now.”


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Primeira visita presidencial à cerimonia desde 2007


O Globo 21 agosto de 2011

Dilma: Exército tem compromisso com democracia
Presidente quebra protocolo e desce para cumprimentar público
Chico Otavio chico@oglobo.com.br

Saudada com 21 tiros de canhão ao chegar à Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, a presidente Dilma Rousseff participou na manhã de ontem da cerimônia de entrega de espadins a 441 cadetes do Exército. Depois de quebrar o protocolo e descer do palanque para cumprimentar o público, Dilma exortou no discurso os futuros oficiais a dedicar a vida aos valores democráticos.
De blazer verde-oliva sobre um vestido preto, ela disse que a sociedade brasileira reconhece o profissionalismo e a dedicação dos soldados na defesa da pátria, na proteção das fronteiras e na participação em forças de paz e no auxilio às comunidades atingidas por catástrofes.
— Lembrem-se sempre do compromisso reafirmado hoje de dedicar suas vidas à defesa da pátria brasileira e aos valores democráticos que ela representa, consagrados na Constituição — pediu.

Primeira visita presidencial à cerimônia desde 2007
Desde 2007, quando Lula esteve em Resende, a tradicional solenidade de entrega de espadins (réplicas reduzidas da espada de Caxias) aos cadetes do primeiro ano não era prestigiada por um presidente.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

antes tarde do que mais tarde...


Fsp 19 agosto 2011.

Após nove meses, Justiça publica acórdão que liberou papéis de Dilma

DE BRASÍLIA - O "Diário da Justiça" publicou anteontem a íntegra da decisão do STM (Superior Tribunal Militar) dando à Folha acesso ao processo que levou à prisão da presidente Dilma Rousseff durante a ditadura (1964-1985).
A divulgação do acórdão ocorreu cerca de nove meses após a sessão de novembro do ano passado, em que os ministros da Corte, por maioria, permitiram ao jornal consultar e copiar os autos da ação.
Antes da decisão, desde março de 2010, o processo estava trancado em um cofre, por ordem do então presidente do STM, Carlos Alberto Soares.
Ele argumentava que o processo poderia ser usado politicamente durante a campanha eleitoral à Presidência.
Com acesso ao processo, a Folha revelou que Dilma zelava, junto com outros militantes, pelo arsenal da VAR-Palmares, uma das organizações comunistas em que ela militou no regime.
Além disso, mostrou que, nessas organizações, a presidente atuava na coordenação operária e dava aulas de política a trabalhadores.
"O STM confirmou o histórico de liberalidade que teve nos momentos mais difíceis pelos quais o país passou", disse a advogada da Folha, Taís Gasparian, sobre a decisão de 2010.
Segundo os ministros William de Oliveira Barros e Renaldo Quintas Magioli, a ação contra Dilma "é pública [e] foi alvo de consultas diversas".




quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Estado acorvadado?

Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 2011.

Estado acovardado?

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO



O crime organizado reage às leis e à Justiça -e aqui me penitencio pela aridez da expressão- engendrando "cadáveres excelentes"


Covardia é, segundo os léxicos, tibieza, fraqueza de ânimo. Se Hobbes tratara do "Estado-leviatã" em meados do século 17, supondo-o forte e absorvente pela renúncia de liberdade dos concidadãos a reboque do contrato social, talvez hoje estejamos diante de um fenômeno político reverso: o nascimento de um Estado fraco, reticente, talvez acovardado.
De fato, um Estado "oficial", mas que admite coexistir com ordens paralelas, quiçá protossoberanas, dentro de seu próprio território.
Porque, oficial, consente com seu alter e não o rechaça com o vigor esperado. E porque, sem maiores cerimônias, deixa os seus agentes "oficiais" ao alcance e à mercê de sua nefasta concorrência.
No dia 11 de agosto de 2011-ironicamente, o "Dia da Justiça" (quando se comemora a fundação dos cursos jurídicos no Brasil)- faleceu em Niterói, assassinada, a juíza Patrícia Lourival Acioli, 47. A magistrada era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo e fora responsável pela prisão de vários réus acusados de participação em crimes de milícia. Seu nome já constava de lista com doze "alvos marcados" que a polícia fluminense apreendera em janeiro.
O Estado-juiz foi ferido. Seu agente foi eliminado. Como há muito advertia Leonardo Sciacia, estudioso das máfias italianas, o crime organizado reage às leis e à Justiça -e me penitencio pela aridez da expressão- engendrando "cadáveres excelentes".
Patrícia não foi a primeira perda sentida nos quadros da magistratura e do Ministério Público. Infelizmente, não será a última.
Oficialmente, temos hoje cerca de 90 juízes ameaçados de morte no país.
Associações de juízes supõem números bem mais alentados. E, no mundo do dever-ser, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional reza, em seu artigo 35, ser dever do magistrado cumprir e fazer cumprir as disposições legais e os atos de ofício, com "independência, serenidade e exatidão". Mas que serenidade se pode esperar de juízes que pagam com a vida pelo exercício das funções? Que independência?
Já tarda a hora em que os Poderes constituídos discutirão com seriedade uma política consistente de segurança judiciária.
Ela precisa considerar inclusive efetivos compromissos de rubrica orçamentária e esforços palpáveis de renovação legislativa (quiçá com a criação de uma genuína polícia judiciária, não apenas para a instrução criminal pré-processual -função já afeta às polícias civis estaduais e federal-, mas para a proteção da atividade, dos agentes e do patrimônio do Judiciário).
As polícias militares já não conseguem cumprir esse papel diante da crescente necessidade de contingente para resguardar a segurança dos cidadãos em geral, fora da esfera pública.
Quando o Estado brasileiro já não conseguir garantir a integridade física e a tranquilidade psicológica dos agentes que o representam na aplicação concreta da lei, não haverá juiz independente. Não haverá Poder Judiciário forte. Não haverá, propriamente, Estado.

GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO, juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, é presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho e professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP.

domingo, 14 de agosto de 2011

Folha de S. Paulo, 14 de agosto de 2011-- editorial.

Freios para o Executivo

Avança no Congresso Nacional, ainda que um tanto diluída, a proposta de emenda constitucional (PEC) que visa impor algum limite ao abuso na edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo.
A proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado depois que seu relator, Aécio Neves (PSDB-MG), atendeu demandas do governo. Como está, o projeto ainda é aceitável. Novas concessões, contudo, arriscam esvaziar seu propósito.
O cerne do problema está em criar algum tipo de filtro para verificar se a medida provisória satisfaz os critérios constitucionais de urgência e relevância. Atualmente, boa parte das MPs não preenche esses requisitos, tratando de temas os mais banais e adiáveis.
Aécio Neves abriu mão da criação de uma comissão exclusiva, formada por 24 congressistas, para fazer essa análise. Ficou acertado, entre opositores e governistas, que a avaliação será realizada pelas Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado.
As CCJs têm, como regra, amplo domínio da maioria governista. O abrandamento da proposta para limitar a proliferação das MPs só vem confirmar essa realidade. Ainda assim, algum controle é melhor que controle nenhum.
Tampouco vingou o mecanismo que permitia a entrada em vigor da MP somente após análise da adequação pelo Legislativo.
Ao menos está mantida, por ora, a regra que restringe a apenas um assunto específico o teor de cada medida. Acabaria, assim, o lamentável "contrabando" de temas, em que assuntos desconexos são reunidos em medidas provisórias do tipo "árvore de Natal".
A medida provisória representa um poderoso mecanismo para os governantes, pois lhes confere o direito de legislar no lugar do Congresso, que só analisa a posteriori o conteúdo do texto legal.
O uso indiscriminado das MPs vem de longa data e foi duramente criticado pela oposição tanto no governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva quanto no do tucano Fernando Henrique Cardoso. Os excessos prosseguem na administração de Dilma Rousseff.
A PEC ainda precisa ser aprovada no plenário do Senado e depois passar na Câmara dos Deputados.
Se for, como se espera, aprovada, a proposta representará um inegável avanço. É fundamental, todavia, que não se enfraqueçam ainda mais seus controles, sob risco de a inovação resultar inócua.

sábado, 13 de agosto de 2011

Juiza é assassinada

Folha de S. Paulo, 13 de agosto de 2011.

Juíza que puniu policiais é morta com 21 tiros no Rio

Patrícia Lourival Acioli, 47, foi assassinada em emboscada em Niterói

Nome da magistrada, que estava sem escolta, constava de lista de pessoas marcadas para morrer, diz a polícia


DO RIO

Conhecida por seu rigor ao condenar policiais, a juíza Patrícia Lourival Acioli, 47, foi assassinada em frente de sua casa com 21 tiros, anteontem à noite, em Niterói (RJ). Ameaçada havia ao menos nove anos, ela não tinha escolta na hora do crime.
A polícia não descarta a participação de milícias, grupos de extermínio, agiotas, máfias de vans nem a hipótese de crime passional.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, pediu o apoio da Polícia Federal na investigação, mas a Secretaria de Segurança do Rio recusou a ajuda.
A lista de condenados pela juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo inclui bicheiros, membros de milícias e agiotas -a maioria policiais.
Segundo a polícia, as armas utilizadas pelos assassinos são de calibres .40 e .45, ambas de uso restrito da polícia e das Forças Armadas.
No mesmo dia do crime, a juíza decretou a prisão de oito policiais militares de São Gonçalo, acusados de homicídio e fraude processual.
No início do ano, a juíza figurava em uma lista de 12 pessoas marcadas para morrer, segundo a polícia.
A relação foi encontrada com Wanderson Silva Tavares, 34, preso em Guarapari (ES) por ordem de Acioli. Ele foi condenado por integrar um grupo de extermínio.
Apesar das ameaças, Acioli não tinha escolta policial desde 2007. O Tribunal de Justiça do Rio diz que ela dispensou a proteção. Familiares dizem que ela havia pedido segurança recentemente.

OS TIROS
Mais de dez testemunhas já foram ouvidas, entre vigias, vizinhos e o namorado da juíza, o policial militar Marcelo Poubel, 37 -o depoimento dele durou mais de seis horas.
De acordo com a investigação inicial, Acioli chegava em casa por volta das 23h45 quando foi fechada por homens em duas motos e ao menos um carro. Testemunhas, porém, disseram ter visto apenas uma moto.
A juíza foi atingida por 21 tiros em seu Fiat Idea. A polícia irá analisar as imagens de câmeras de segurança de uma rua próxima em busca de mais informações.
Na casa da juíza estavam seus três filhos, uma amiga identificada como Bernadete e o filho dela. Ela disse à Folha que notou movimentação na casa ao lado, cerca de meia hora antes de a juíza ser morta. A casa vizinha está vaga para ser alugada.
(CIRILO JUNIOR, DIANA BRITO, GUSTAVO ALVES, ITALO NOGUEIRA e MARCO ANTÔNIO MARTINS)



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vantagens e desvantagens

O Globo 11 de agosto de 2011
Vantagens e desvantagens


Merval Pereira
A possibilidade de um mesmo grupo partidário nomear a maioria ou, no limite, até mesmo a totalidade dos membros do Supremo Tribunal Federal faz com que o caso brasileiro se diferencie de seu modelo, que é a Suprema Corte dos Estados Unidos. Nos EUA, os presidentes nomeiam os ministros também, mas lá o Congresso, sempre equilibrado pelos partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou.
Mas o mais importante é que, lá, o cargo de ministro é vitalício, o que faz abrir pouquíssimas vagas nos oito anos de mandato de um presidente que se reelege. Aqui, a idade limite de 70 anos e o sistema de aposentadoria pública estimulam a aposentadoria precoce, casos da ministra Ellen Gracie e de Nelson Jobim, entre outros.
Outra diferença fundamental é que na Corte Suprema a presidência é vitalícia, e seu ocupante é escolhido pelo presidente da República.
O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, considera que a excessiva rotatividade da presidência do STF "gera descontinuidade, quase insegurança jurídica e administrativa".
Aqui, o presidente tem "o poder de pauta, que é muito grande. Lá, ele é um paciente formulador de consensos, a médio prazo", diz Falcão. "O presidente, em qualquer dos casos, conduz as prioridades do Supremo, mas, aqui, a pauta do ministro Jobim era uma; a da ministra Ellen Gracie, outra; a do ministro Gilmar Mendes, outra".
Mais ainda, ressalta Joaquim Falcão. "O presidente do STF, sendo presidente do Conselho Nacional de Justiça, também faz com que a rotatividade estimule uma descontinuidade de políticas administrativas".
Gilmar Mendes, por exemplo, era a favor de que os julgamentos dos juízes fossem públicos. Já o ministro Cezar Peluso, atual presidente, quer que sejam todos sob segredo de Justiça.
Jobim priorizou o combate ao nepotismo e o teto salarial, que não foram prioridades dos sucessores. "Sem continuidade, essas políticas perdem eficiência e se diluem no tempo diante da oposição dos magistrados contrários", diz Falcão. Por essas razões, ele advoga que uma reforma do STF e da gestão dos tribunais deveria contemplar um mandato de pelo menos cinco anos para o presidente.
Quanto à vitaliciedade, princípio para assegurar a independência do juiz, Falcão acha que ela estaria plenamente assegurada também por mandato fixo mais longo, combinado com uma aposentadoria razoável.
"Embora a legitimidade do Supremo não venha da representação eleitoral, ela vem da sintonia com os cidadãos para construir um difícil equilíbrio entre manter os princípios do pacto constitucional e ao mesmo tempo atualizá-los pelas permanentes mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas. Mandatos mais curtos permitem a renovação de maior sintonia com a evolução social a que estamos todos condenados", defende Joaquim Falcão.
O também jurista Luís Roberto Barroso, professor de Direito da Uerj, lembra que há dois grandes modelos de cortes supremas, ou de cortes constitucionais no mundo: um, representado pela Suprema Corte americana, na qual nos inspiramos; outro, pela Corte Constitucional alemã, que é o modelo que prevalece na Europa e foi seguido por democracias novas, como a da África do Sul.
Na Alemanha, os juízes constitucionais são nomeados pelo Legislativo, com exigência de maioria absoluta, e servem por um mandato de 12 anos, sem possibilidade de recondução.
Os partidos, diz Barroso, veem-se na contingência de convergirem para um nome de consenso, que normalmente será um professor ou acadêmico respeitável. Nos EUA, a importância do papel do Senado se manifesta, sobretudo, no cuidado com que o presidente escolhe o nome que vai indicar, para não correr o risco de rejeição, embora os casos de rejeição efetiva sejam muito poucos.
O fato de não existir aposentadoria compulsória, analisa Barroso, traz vantagens e desvantagens em cada modelo. "No caso da Suprema Corte americana, os ministros servem por 20, 30 e até 40 anos. Isso descola o tribunal, mais intensamente, do processo político majoritário, isto é, da política eleitoral".
Um ministro que atravessa diversos períodos presidenciais torna mais fácil que a Corte, em certas conjunturas, desempenhe o que se chama de papel "contra-majoritário"", o que pode ser bom, mas às vezes é ruim, ressalta, citando exemplos de casos em que, como no governo Roosevelt, o Supremo, mais conservador, interferiu na execução do "New Deal".
Na Alemanha, a politização e o ativismo são bem menores. Mas a Corte Constitucional tem influência política igual ou maior do que a Suprema Corte americana. "Pessoalmente, não vejo problema -- e até acho bom que alguns ministros não fiquem além de 10 anos e outros fiquem por 20 ou 25. Isso faz com que uns tenham mais sintonia política com o momento contemporâneo, outros menos", diz Barroso.
No Brasil, houve um caso de permanência longa (cerca de 25 anos) que teve influência histórica, recorda Barroso, o do ministro Moreira Alves. "Homem de formação jurídica sólida, seriedade e argumentação combativa", Moreira Alves foi nomeado no regime militar e nutria pouca simpatia pela Constituição de 88. "Enquanto ele esteve na Corte, sua liderança manteve a interpretação constitucional, sob a Constituição de 88, quase idêntica à que vigorava no período militar".
A partir da aposentadoria de Moreira Alves, conta Barroso, ministros como Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e, mais à frente, Gilmar Mendes, começaram a desenhar uma Suprema Corte com participação política mais relevante. Esse processo se aprofundou na era Lula.
"Embora haja riscos democráticos envolvidos em uma expansão excessiva de qualquer corte de Justiça", até aqui Barroso considera que o STF "serviu muito bem à democracia brasileira".

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Transição e homicídios

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Transição democrática e os homicídios no Brasil

Por José Maria Nóbrega – Professor do CDSA/UFCG


O Brasil teve iniciada sua transição da ditadura para a democracia com o mecanismo que ficou conhecido como “descompressão” política, no governo do General Ernesto Geisel. No mesmo período, meados da década de setenta, a terceira via, ou onda, democrática iniciava-se em países como a Espanha e Portugal e na maioria dos países da América Latina. Rumo à democracia, os teóricos da Ciência Política americana (do sul, do centro e do norte), acreditavam que a implementação de mecanismos instrumentais da democracia liberal – teoricamente dentro dos preceitos de Dahl e Schumpeter - seria condição suficiente para o avanço dos regimes políticos dos países inseridos naquelas transições. Contudo, a teoria não foi comprovada empiricamente. Alguns países consolidaram suas democracias, outros mantiveram fortes entraves autoritários em seus regimes políticos.

Em 1985 os militares saíram do governo e, depois de vinte anos de regime de exceção, um civil assumiu o cargo de chefe de estado/governo no Brasil. Em 1988, a Constituição Federal foi promulgada e constituída como sendo a Carta Magna cidadã. Não obstante, encontramos entraves autoritários em alguns de seus artigos. Até 1999 não existia um Ministério da Defesa, este foi criado no governo de Fernando Henrique Cardoso. Até hoje há problemas no controle civil sobre os militares neste órgão ministerial. Lá, prevalece a vontade dos castrenses. Dentro do conceito mínimo de democracia contemporânea, além da falta de controle civil sobre os militares brasileiros, os direitos civis são fartamente negligenciados pelas instituições políticas/públicas do Brasil.

O conceito mínimo de democracia (consolidada) abrange alguns critérios fundamentais, segundo Mainwaring et alli (2001:645-6):

  • A democracia é um regime político: (a) que promove eleições competitivas livres e limpas para o Legislativo e o Executivo; (b) que pressupõe uma cidadania adulta abrangente; (c) que protege as liberdades civis e os direitos políticos; (d) no qual os governos eleitos de fato governam e os militares estão sob controle civil.
No que tange aos critérios (a) e (b) da definição de regime político democrático acima citada, o Brasil parece ter avançado em termos democráticos. Eleições com tais características e um acesso inegável ao sufrágio universal são pontos que encontramos na democracia brasileira e poucos a isto contesta. Todavia, são nos critérios (c) e (d) que aparecem os maiores problemas em termos de comprovação empírica a definição exposta por Mainwaring. De fato, há proteção as liberdades civis e aos direitos políticos no Brasil? Há controle efetivo dos civis sobre os militares brasileiros? Neste espaço vou me deter numa parte do critério (c), ou seja, a democracia brasileira de fato protege as liberdades civis dos cidadãos brasileiros?

Entendo liberdade civil dentro de um conceito liberal mais amplo de propriedade privada. Partindo das premissas liberais do filósofo John Locke, o conceito de propriedade privada insere três ingredientes fundamentais: o primeiro são os bens do indivíduo, o segundo a sua liberdade garantida pelas instituições e o terceiro e mais importante dos três, o direito à vida, sem a qual não há como se ter bens, nem liberdade. Daí ser fundamental o direito à vida pelo estado democrático de direito. Como medir, então, o nível de garantia às liberdades civis inserido neste conceito mais amplo de propriedade privada? Enxergo na utilização de uma variável fundamental essa fórmula para resolver o problema no raciocínio aqui exposto. Esta variável seria as taxas de homicídios.

Se não há liberdade civil sem direito à vida, quando as taxas de homicídios crescem descontroladamente, e a liberdade civil é uma condição para a consolidação de um regime efetivamente democrático, a democracia está ameaçada de tornar-se inócua.

Desde a redemocratização brasileira, em 1985, que as taxas de homicídios crescem no país. Naquele ano a taxa de homicídios foi de 15/100.000 habitantes. Em 2003, depois de quatro eleições com as características do critério (a) de Mainwaring, essa taxa foi de 28,8/100.000. O número total de assassinatos em 1980 foi pouco mais de 14.000 assassinatos em todo o país. Em 2009, só na região Nordeste houve mais de 17 mil homicídios. Ou seja, enquanto a democracia eleitoral (Poliarquia para Dahl) instrumental e procedimentalista avançou, a capacidade do regime político de proteger as liberdades civis retrocedeu-se a cada ano. Visualizando desta forma, a democracia não levou à consolidação de um regime político que garantisse a integridade física dos cidadãos brasileiros.

Para Mainwaring et alli (2001) quando há graves violações nos critérios (c) e (d), no máximo o que um regime político pode ser é semidemocrático. Ou seja, uma situação híbrida, onde há características democráticas em meio a instituições políticas/públicas autoritárias. Se as Nações Unidas colocam como nível de tolerância as taxas de homicídios em 10/100.000 e um país ultrapassa esta margem, tem-se graves violações aos direitos civis e humanos. No Brasil esta taxa é quase três vezes maior que o tolerável. Então, um país que não consegue proteger as liberdades civis de seus cidadãos não pode ser uma democracia consolidada.

O Brasil é uma semidemocracia por que não protege as liberdades civis de boa parte de seus cidadãos e suas instituições políticas/públicas não respondem de forma satisfatória às agressões sofridas por eles.

A título de exemplo, e como forma de fornecer alguma sustentação empírica a esta afirmação, analiso o fluxo dos homicídios no sistema de justiça criminal de Pernambuco. No ano de 2007 ocorreram mais de 4.500 assassinatos no estado. No mesmo ano - verificando uma série temporal de 1997 a 2007, onde há uma média de 4.300 assassinatos no período -, foram denunciados 246 casos de homicídios em Pernambuco, não chegando a 6% dos números absolutos de homicídios. Mais de noventa por cento dos casos não foram denunciados ao Ministério Público de Pernambuco.

Outro exemplo é a falta de confiança da maioria da população nas polícias. Em pesquisa realizada na região metropolitana do Recife, o Instituto Maurício de Nassau* demonstrou que a maior parte da população desta região não confia nas instituições policiais, sendo o principal argumento a falta de capacidade destas instituições em resolverem os conflitos. Quando a sociedade desconfia de suas instituições, o Capital Social enfraquece, gerando déficits de controle social e civil. A falta de confiança nas polícias dificulta o trabalho de investigação e a implantação de autoria nos casos, dificultando, também, a abertura de denúncias e posterior processo na justiça.

Em suma, as taxas de homicídios crescentes é resultado da baixa eficácia – ou accountability – das instituições de administração de conflitos, ou coercitivas. Sendo assim, quando tais instituições não conseguem proteger as liberdades civis – principalmente garantindo a vida das pessoas e levando à punição aqueles que cometem homicídios – a democracia não avança para a solidez necessária, conforme os critérios mínimos elencados por Mainwaring (letra ‘c’). Não há democracia quando as taxas de homicídios são crescentes. No Brasil, suas altas taxas de homicídios deixam o país numa condição semidemocrática, com alto risco de retrocesso, pois levam os indivíduos a não respeitarem as regras do jogo democrático, desrespeitando princípios fundamentais dos direitos civis, princípios estes vitais para uma democracia consolidada.


Referência citada:

MAINWARING Scott, BRINKS Daniel e PÉREZ-LIÑÁN Aníbal (2001), “Classificando Regimes Políticos na América Latina, 1945-1999” in DADOS—Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 4, 2001, pp. 645 a 687.

domingo, 7 de agosto de 2011

Demssão anunciada


Demissão anunciada

MARIA CELINA D’ARAUJO*

06 de agosto de 2011 | 16h 55

O Estado de São Paulo

http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,demissao-anunciada,755072,0.htm


Analistas avaliam a saída de Nelson Jobim da Defesa como mais um indício de "crise" no governo de Dilma Rousseff. Crise: adoramos essa palavra.

Essa foi uma demissão anunciada desde a posse da presidente. Cada governo precisa imprimir sua marca, formar seu grupo. Jobim não era "gente de Lula", muito menos de Dilma, mas acabou na pasta por injunções que fogem da lógica partidária e parlamentar que tanto prezamos. Não foi trocado no início do ano porque essa pasta não era cobiçada e porque fazia um bom trabalho numa área em que o governo sempre pisou leve.

Ele foi de fato o primeiro ministro da Defesa de Lula. Lá chegou porque tem autoridade e conhecimento jurídico para lidar com a questão militar. Lula queria evitar a repetição das desastrosas experiências dos antecessores, muitas vezes desautorizados pelos subordinados e pelo próprio presidente.

Desde a redemocratização os temas militares permaneceram um cluster. Fernando Henrique quebrou o tabu ao criar o Ministério da Defesa, mas empenho, ou oportunidade, não houve para que a pasta se tornasse efetiva no controle civil democrático sobre as Forças Armadas. Os militares continuaram se autorregulando.

Durante o governo Lula quatro circunstâncias explicitaram isso. A demissão do ministro José Viegas em 2004, devido às reações militares contrárias à abertura dos arquivos da ditadura. À revelia de seu superior, o comandante do Exército lançou manifesto defendendo o golpe de 1964 e a ação repressiva da Forças Armadas. Lula não quis se indispor com os quartéis e não considerou a possibilidade de demitir o comandante. Desautorizado em sua função, Viegas saiu da pasta. Foi substituído pelo vice-presidente José Alencar, uma demonstração do prestígio que o presidente dava à corporação.

O segundo se deu em duas tragédias aéreas: os acidentes com o avião da Gol em setembro de 2006 e com o da TAM em julho de 2007, em meio ao movimento salarial dos controladores de voo. Nessas negociações, o então ministro da Defesa, Valdir Pires, foi o grande ausente. O assunto ficou restrito ao manejo do comandante militar.

O terceiro caso ocorreu em 2008 quando o então ministro da Justiça, Tarso Genro, anunciou ser favorável à revisão da Lei de Anistia. A declaração provocou intensa reação oficias da reserva e da ativa, entre eles o comandante militar do Leste e o chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército. Lula proibiu seus ministros de voltarem a tocar no assunto, e o ministro da Defesa, já então Jobim, garantiu que não haveria sanções para os indisciplinados. Assunto encerrado para efeito do "público externo", reafirmando a capacidade da corporação de continuar atuando como ator com poder de veto nos temas relativos aos crimes da ditadura.

O quarto ocorreu quando o governo anunciou o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009. Os três comandantes militares reagiram contrariamente às cláusulas que propunham rever abusos contra os direitos humanos durante a ditadura e colocaram seus cargos à disposição. O Plano foi revisado em maio de 2010, para incorporar as demandas militares.

Essa situação começa a se reverter em agosto de 2010, quando Nelson Jobim anunciou medidas legais e administrativas denominadas Nova Defesa. Entre elas: a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, a quem caberá determinar o emprego militar das Forças Armadas; a delegação ao ministro da Defesa para tratar do orçamento das Forças; a criação do Livro Branco da Defesa, cuja elaboração começou em inícios de 2011; e a criação da Carreira Civil de Defesa, o que levaria a um porcentual paritário entre civis e militares no ministério.

Outra importante contribuição do ministro Jobim foi a elaboração da Estratégia Nacional de Defesa, documento polêmico, definido por três eixos: reorganização e reorientação das Forças Armadas; indústria de defesa; e Serviço Militar Obrigatório. Da mesma forma, Jobim teve importante papel na criação do Conselho de Defesa Sul-Americano.

O ministro que sai é um quadro do PMDB, com simpatias tucanas - e é bem-humorado. Com momentos às vezes confusos, avançou na institucionalização do Ministério da Defesa e na ampliação do debate sobre o papel, o custo e o tamanho das Forças Armadas. A pasta deve ser cobiçada, por razões não muito nobres. O importante é o País continuar com uma consistente política de debate nos assuntos da defesa, com o reforço acadêmico de projetos como o do Pró-Defesa.

Forças Armadas custam muito caro em todos os países e também entre nós. Representam o terceiro orçamento ministerial, depois da Saúde e da Educação. Apesar disso, estão sucateadas. É preciso discutir mais e melhor como maximizar esses recursos. Que defesa queremos e precisamos para proteger o povo e o Estado brasileiros. Esse assunto nunca mobilizou os partidos, nunca deu votos. O Congresso nunca se interessou por isso. O Ministério não foi disputado no início do governo, podia esperar substituto. Só que ali há balas e canhões que nem sempre foram bem utilizados. E há os que ali querem bomba atômica. Não deve por isso ser um espaço a serviço de ideologias toscas.

* MARIA CELINA D'ARAUJO, CIENTISTA POLÍTICA, É PROFESSORA DA PUC-RIO


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Redução da desigualdade ainda é frágil

Folha de S. Paulo, 05 de agosto de 2011.

Redução da desigualdade ainda é frágil, diz Ipea

Estudo aponta uma concentração de novos empregos em faixa de baixa remuneração

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

A redução da pobreza e da desigualdade no Brasil ainda se assenta sobre bases frágeis, pois foi puxada pela oferta de empregos de baixa remuneração no setor de serviços e comércio, aponta estudo divulgado ontem pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Segundo o estudo do órgão federal, dos 2,1 milhões de novos postos de trabalho criados por ano na década de 2000, 95% pagavam até 1,5 salário mínimo (R$ 817,5). Enquanto isso, a cada ano foram eliminadas 397 mil vagas com salário de três mínimos ou mais.
O fenômeno está ligado à mudança na estrutura da produção, afirma o presidente do Ipea, Marcio Pochmann. "Não é mais a indústria que comanda, são os setores de serviços."
Na década, esses setores geraram 2,3 empregos para cada vaga na indústria -a relação era de 1,3 nos anos 1970. Serviços e comércio respondem agora por 57,6% da ocupação, contra 42,6% nos anos 1980. A proporção da indústria e da construção civil (24%) não mudou.
"A sustentação dos êxitos recentes não depende só da qualificação da mão de obra. Para o longo prazo, é preciso ampliar a oferta de empregos que sejam de maior remuneração", diz Pochmann.
O estudo destaca que, em boa parte devido a aumentos reais do mínimo, o crescimento do emprego concentrado na base salarial contribuiu para reduzir a fatia de pobres na população ativa, de 37,2% em 1995 para 7,2% em 2009.
Na classificação do instituto, a maior parte do contingente de novos assalariados foi engrossar o "nível inferior" da população ativa: "Não é mais pobre, mas tampouco de classe média".
Enquanto isso, a parcela que o Ipea classifica como de "nível médio" (combinando renda a fatores como escolaridade, consumo e moradia) se manteve em 32,2%. Os que vivem de "rendas da propriedade" (lucro, juros, terras e aluguéis) passaram de 3,9% para 14,3%.
O Ipea vê uma "polarização" entre as "duas pontas" com maior crescimento relativo na pirâmide social: "os trabalhadores na base e os detentores de renda derivada da propriedade". Hoje, só 16,4% dos brasileiros empregados ganham três mínimos ou mais, contra 28,7% em 2000 e 25,9% em 1990.
Para Pochmann, a estagnação do "nível médio" explica parte da redução no grau de desigualdade da distribuição da renda do trabalho, que foi de 10,4% entre 2004 e 2010-índice inédito desde os anos 1960.
"A questão é como sustentar esse padrão. Se o mínimo não mantiver trajetória de crescimento, podemos ter postos com remuneração muito baixa, e com isso não termos capacidade de reduzir mais a desigualdade."

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

"contrabando" nas MPs

O Estado de S. Paulo, 3 de agosto de 2011.

Planalto barra mudança no rito das MPs

Projeto do senador Aécio Neves foi derrotado com a participação decisiva do PT, conforme orientação da presidente Dilma


Sintonizado com o Palácio do Planalto, o PT impediu ontem, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) do senador Aécio Neves (PSDB-MG) que altera o rito de votação das medidas provisórias (MPs) .
Hoje, o Senado praticamente não discute as medidas de iniciativa da presidente da República, Dilma Rousseff. Todo o tempo de tramitação é consumido na Câmara dos Deputados, que apenas na reta final da vigência das MPs as envia aa Senado.
Nos últimos meses, restou aos senadores a função de apenas "carimbar" as MPs, recebidas da Câmara, nos últimos dias de validade.
Coube ao senador petista Aníbal Diniz (AC), suplente de Tião Viana, que foi eleito governador do Acre, agir pelo partido, pedindo vista da proposta, mesma depois de negociado um acordo com o líder do governo, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), para avançar a votação da proposta.
Para Aécio Neves, a bancada do PT mostrou que esta "confortável com a situação de hoje, em que o Senado age como um poder subalterno que aceita todas as subordinações do Poder Executivo e que abdica de sua prerrogativa fundamental de discutir as matérias".
Cobrança. "As lideranças do PT terão de dizer se querem ajudar a restabelecer as prerrogativas do Congresso ou se continuarão aceitando o Congresso como poder subalterno que vai apenas cumprir as ordens da senhora presidente da República", afirmou o senador tucano.
Aécio Neves destaca como principais pontos da proposta, negociada com senadores da oposição e da base aliada, a fixação dos prazos de 60 e 45 dias para o debate da medida, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado; a proibição de introduzir contrabando no texto, como é chamada a inclusão de medidas totalmente alheias à proposta original; e a obrigatoriedade de as comissões de Constituição e Justiça das duas Casas examinarem a admissibilidade da medida provisória e, com isso, impedir que o Congresso continue aprovando medidas provisórias de assuntos sem urgência nem relevância./Rosa Costa

Bandeira

Um dos nomes mais cotados para disputar as eleições em 2014, o senador Aécio Neves fez da alteração do rito de votação das MPs uma de suas bandeiras neste início de mandato.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Mortes de jornalistas

Folha de S. Paulo, 02 de agosto de 2011.


Brasil é o 2º país com mais mortes de jornalistas na América Latina


DE SÃO PAULO - O Brasil está em segundo lugar, empatado com Honduras, no ranking de jornalistas assassinados na América Latina neste ano, divulgado pela SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa).
A cinco meses do fim do ano, 2011 tem mais mortes de jornalistas no continente em duas décadas, diz a SIP. Foram 19 nesse período.
Os quatro jornalistas brasileiros citados no relatório são Luciano Leitão Pedrosa (morto em Pernambuco, em abril), Valério Nascimento (interior do Rio, em maio), Edinaldo Filgueira (Rio Grande do Norte, em junho) e Auro Ida (Mato Grosso, no mês passado).
Os números levam em conta só os crimes ligados ao exercício da atividade jornalística.
O líder na lista de homicídios é o México, onde houve cinco assassinatos de jornalistas neste ano em meio a violentos conflitos nas regiões dominadas pelo tráfico.
Em entrevista em Miami (EUA), os diretores da SIP expressaram "estado de alerta e preocupação" pelas mortes. A entidade criticou a "perseguição judicial" aos jornalistas e citou o Brasil como um dos países em que a prática ocorre.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Entrevista de Jobim no Roda Viva

Entrevista com o Ministro Nelson Jobim no Roda Viva de 01 de agosto de 2011

http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/#vplayer

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O que segura Jobim no governo

O que segura Jobim no governo
Mon, 01 Aug 2011 07:57:57 -0300
Brasil
Por que as declarações polêmicas do ministro da Defesa, como o voto declarado em Serra, não chegam a comprometer seu cargo
Claudio Dantas Sequeira
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, sempre correu em raia própria. Filiado ao PMDB gaúcho, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e mantém uma relação histórica com o tucano José Serra, com quem dividiu apartamento em Brasília nos tempos da Constituinte. Também goza da confiança de Lula, especialmente depois que, ao assumir a Defesa em 2007, conseguiu debelar a crise do setor aéreo e pacificar a relação com os militares, que até então resistiam a um comando civil. O êxito em sua missão foi essencial para que a presidente Dilma Rousseff o mantivesse no cargo, embora não cultive grande simpatia por ele. Incomoda a Dilma o jeito falastrão de Jobim, que volta e meia faz declarações deselegantes como na quarta-feira 27, quando disse que votou em Serra. Novamente, o ministro criou um mal-estar desnecessário, dando razão aos radicais do PT que não veem a hora de pôr as mãos numa pasta com orçamento bilionário. Diante de tanta pressão, é de se perguntar o que afinal segura o ministro no governo.
A força de Jobim, em parte, reside no apoio que o peemedebista tem na caserna. Em quatro anos, ele conquistou, como nenhum antecessor, o respeito da tropa ao recolocar a questão militar na lista de prioridades do governo. Jobim mostrou firmeza ao defender reajustes salariais e a modernização das Forças Armadas, com a compra de material bélico associada à transferência de tecnologia. Fechou o contrato para a construção de um submarino de propulsão nuclear e tem insistido na compra dos 36 jatos de combate. Esses e outros projetos reaproximaram generais e empresários, numa relação que retirou a indústria bélica nacional do ostracismo. Jobim também tomou a frente das articulações para a criação da Comissão da Verdade e convenceu a caserna de que é hora de apurar os crimes da ditadura, por questões históricas, garantindo que não haverá abertura de processos penais contra militares. Essa, aliás, é uma questão de honra para o ministro. “Ele só deixará o ministério quando instalar a comissão”, diz uma fonte do Palácio do Planalto. As declarações de Jobim, segundo a mesma fonte, não terão maiores consequências. “Dilma sabe que Jobim é assim mesmo”, afirma.
Os desafetos do ministro, como o secretário de Comunicação do PT, André Vargas, afirmam que Jobim acredita que é insubstituível. “Ele deve se achar a última bolacha do pacotinho”, disse. Há um mês, como se sabe, durante evento em homenagem a FHC, Jobim elogiou o estilo “conciliador” do ex-presidente e afirmou estar cercado de “idiotas” que precisa tolerar atualmente. A frase foi interpretada como crítica ao corte no orçamento militar e à perda de espaço no governo, já que Dilma não costuma consultá-lo com regularidade, como Lula fazia. “Aparentemente, Jobim está querendo sair”, avalia o senador Humberto Costa (PT/PE), líder do governo. Pode ser, mas até que isso aconteça, Jobim, com respaldo na caserna, ainda produzirá outras pérolas.