segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Só no Brasil há uma Polícia Civil e outra Militar em uma mesma unidade geográfica

www.blogdojamildo.com.br   28 fevereiro 2011

Convocação

PMs reclamam de inflexibildade do governo e marcam nova assembleia geral para esta terça-feira

POSTADO ÀS 17:08 EM 28 DE Fevereiro DE 2011



De acordo com o movimento por melhores salários, 'sem nenhum posicionamento do Governo do Estado até o exato momento', as entidades representativas de policiais e bombeiros militares realizam nesta terça-feira (01/03), a partir das 15 horas, mais uma Assembléia Geral Unificada.
Praças e oficiais, ativos e inativos, estarão reunidos na Praça do Memorial de Medicina (ao lAdo do Quartel do Derby) e deverão sair em caminhada rumo ao Palácio do Governo.
 

E a Emenda da reeleição de FHC?

Jornal do Brasil 28 fevereiro 2011

“Dilma manteve a promiscuidade com o Congresso”
Mon, 28 Feb 2011 07:40:55 -0300

Em entrevista, líder da oposição no Senado diz que a reforma política depende do governo
Ana Paula Siqueira

O senador Alvaro Dias (PSDB-PR), líder da oposição no Senado, não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff. Ele nega o rótulo de “elitista” do seu partido e afirma que o PSDB se afastou dos movimentos populares graças ao PT, que segundo ele, teria “cooptado” setores com a distribuição de recursos públicos. O senador reconhece “não ser simpático” defender uma janela para troca de partido, mas afirma que é preciso corrigir distorções.
A oposição insistiu pelo salário mínimo de R$ 600, mas segundo o senador Roberto Requião (PMDB-PR), apenas dois dos cinco estados governados pelo PSDB estipularam esse valor. Como o senhor analisa a postura do partido?
– Certamente os estados estavam aguardando a definição do mínimo nacional para depois discutir o salário mínimo regional. As centrais sindicais me informaram que iniciarão as negociações no Paraná para definir o valor do reajuste. Vamos aguardar para saber como será o procedimento dos estados.
Como vê o tratamento que o governo deu à questão?
– Mudou o presidente, mas o modelo é o mesmo. A relação com o Congresso é promíscua. A pressão sobre a bancada governista envolve ocupação de espaço no Executivo, distribuição de recursos. O rolo compressor acelera o processo para reduzir o espaço do debate. Há um viés autoritário, e a votação foi um teste. O governo foi bem sucedido.
Com a instalação da comissão da reforma política, o senhor acredita que o Congresso conseguirá avançar no tema e votar a reforma este ano?
– Reforma política que confira ao país um modelo novo só ocorrerá se houver vontade política da Presidência da República. Quem comanda o processo legislativo é o Executivo. Não há nenhuma novidade nesse processo. As propostas tramitam há anos. Muitas foram aprovadas pelo Senado, e a Câmara não deu continuidade. Essa comissão é uma forma de pressão.
Quais aspectos considera essenciais na reforma?
– A questão das coligações.É preciso evitar a comercialização do tempo de TV e rádio, que é um estímulo à corrupção eleitoral. Para isso, estamos propondo que o partido que esteja coligado não some o tempo de televisão, a menos que seja o vice na chapa. E a cláusula de barreira, exatamente para evitar essa pulverização que tumultua o processo e desfigura a representação popular.
O senhor é favorável a uma janela para a troca de partido?
– Há que se estabelecer um curto período – e único – para uma acomodação definitiva. Não é simpático defender essa tese, mas a constatação exige uma reacomodação. Convivemos com contradições absurdas, pessoas da extrema direita se filiam a partidos comunistas. Talvez seja um ônus que tenha que se pagar em razão dos antecedentes.
A sociedade tem dado mostras de que não concorda com o voto proporciona.
Acredita que os parlamentares cortarão na própria carne e impedirão que os chamados puxadores de voto ajudem a eleger políticos sem expressão e votos? – A tese tem força e pode vingar. Haverá pressão dos interessados. Por isso, a reforma política tem que ouvir forças alheias ao parlamento.
Há algum ponto pacífico sobre a reforma dentro do PSDB?
– O partido está organizando uma comissão formada por deputados e senadores para tentar unificar o discurso.
Que mudanças o senhor considera necessárias para que o PSDB melhore seu desempenho nas urnas nas próximas eleições?
– É preciso revitalizar o partido nos estados e municípios e estabelecer como objetivo o lançamento de candidatos próprios nas principais cidades brasileiras. Eleição municipal dá visibilidade à legenda.
É possível mudar esse perfil tido por muitos como elitista e se aproximar mais dos movimentos populares, como os sindicatos?
– Acho esse rótulo um pouco precipitado. O PSDB, tanto quanto o PT ou outro partido, tem quadros originários da classe trabalhadora. O partido se afastou um pouco devido às circunstâncias. O PT cooptou setores dos movimentos sociais, inclusive com recursos públicos. Mas a nossa meta é restabelecer esses vínculos aproveitando temas em debate no Congresso. A votação do salário mínimo foi um exemplo.
Muitos governadores têm pressionado o governo pela volta da CPMF – proposta que conta com o apoio de alguns tucanos. Como o PSDB tratará a questão?
– Isso é uma manobra esperta do governo ao transferir para os governadores o que é de seu desejo. O problema da saúde no Brasil é de corrupção, falta de planejamento e incompetência de gerenciamento. Não é dinheiro.

Código Penal acima da Constituição

http://www.conjur.com.br/2011-fev-26/ainda-espirito-inquisitorio-processo-afirma-desembargador

"Ainda há um espírito inquisitório no processo"


Em um encontro com um grupo de juízes canadenses, realizado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o desembargador Paulo Rangel não poupou críticas à maneira como os operadores do Direito ainda resistem em colocar a Constituição da República acima do Código de Processo Penal. O CPP é de 1941 e não abarca uma série de garantias previstas no texto constitucional.
Com a Constituição de 1988, a estrutura passou a ser acusatória. “O titular exclusivo da Ação Penal no Brasil é o Ministério Público”, disse. Com isso, a Constituição afastou o juiz da fase pré-processual. “A Constituição normatiza garantias e direitos fundamentais. Mas o tribunal, através de suas decisões, ainda não os efetivou.”
Segundo Rangel, ainda há um espírito inquisitório no processo. Ele afirmou que o tribunal tem mantido a desclassificação de crimes que altera o objeto do processo. “O réu é acusado de um fato e condenado por outro”, diz. O desembargador também disse que há uma ideia errônea de que a Constituição trouxe muitos direitos para bandidos. A defesa do direito do outro, lembrou, é a defesa do seu próprio direito.
“Nós nos preocupamos demais com coisa de menos”, constata. Rangel afirmou que o tribunal ainda discute se cabe regime aberto para condenado por tráfico. “O Supremo Tribunal Federal, nossa Corte Constitucional, diz que abacaxi é fruta. O juiz, por não concordar, diz que é legume”, exemplificou de forma didática. A consequência disso, observa o desembargador, é que quem tem condições financeiras para recorrer aos tribunais superiores, recorre; quem não tem, continua preso.
Se existe uma hierarquia, diz, mesmo que não se concorde com o entendimento pacificado nas cortes superiores, não tem sentido decidir em sentido oposto. Isso cria uma Justiça de classe: uma para ricos e outra para pobres, afirma.
Outra crítica é a perda de tempo em discussões infrutíferas, como o de pena-multa. “Ninguém paga pena-multa”, diz. Se são 60 ou 65, tanto faz. Mas, às vezes, são jogados fora 30 minutos de discussão para chegar à conclusão.
Rangel também falou da reforma do Código de Processo Penal, em gestação no Congresso, que prevê acordo entre acusação e acusado. Ele entende que as pessoas passarão a aceitar o acordo para não ter de enfrentar todo o processo. O resultado será pessoas inocentes cumprindo pena na cadeia. Ele esclareceu não ser contra a acordos. Mas para Rangel é preciso equilíbrio, inclusive, do órgão de onde ele mesmo veio: o Ministério Público.
O MP, disse, tem uma postura muito “xiita” quando o assunto envolve matéria penal. Querem exercer a função punitiva e, ainda, há operadores que acreditam que vão encontrar “a verdade” no processo. Também criticou o fato de o juiz ir atrás das provas, papel que cabe ao Ministério Público.
“O réu não é o juiz, não é o promotor. Mas, quando o réu é um de nós, o referencial muda”, disse o desembargador, chamando atenção para a mudança de mentalidade quando a pessoa passa, por algum motivo, a sentir na pele a situação de réu. “Não advogo a impunidade. Eu defendo a efetivação das garantias, não importa de quem.”
 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O ciclo vicioso da impunidade

http://www.conjur.com.br/2011-fev-24/coluna-lfg-70-crimes-nao-sao-comunicados-policia

70% dos crimes não são informados para a Polícia


As vítimas dos delitos, que normalmente reagem emocionalmente contra eles pedindo mais rigor penal, não “denunciam” (não notificam a Polícia) cerca de 70% deles, de acordo com as pesquisas de vitimização desenvolvidas pelo Insper em 2003 e 2008, Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República em 2001 e Fundação do Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (citadas pelo jornal O Estado de S. Paulo; cf. o site da Agência Estado, 16.07.10). O índice de notificação dos crimes está entre 27% e 30%. Menos de um terço dos crimes ocorridos são comunicados para a Polícia!
A própria vítima, como se vê, contribui (consideravelmente) para a impunidade. No âmbito dos crimes de furto, por exemplo, poucas são as vítimas que noticiam os fatos à autoridade policial. De acordo com o estudo realizado pelo Pnad/2009, do universo de 162,8 milhões de pessoas com 10 (dez) anos ou mais de idade, entre as vítimas de furto, o percentual que não procurou a Polícia foi de 62,3%.
Os principais motivos apontados por essas vítimas foram: “falta de provas” (26,7%) e “não considerar importante” (24,4%), conforme ilustra o gráfico abaixo. Em suma, muitos delitos não conseguem ultrapassar a barreira da notícia oficial.
TABELA Roubo-Furto ocorrência - Pnad/2009 - Jeferson Heroico
Os números que acabamos de destacar corrobora a “Teoria dos filtros da impunidade de Pilgram” (cf. blogdolfg.com.br). Mais precisamente, está em jogo o filtro da “denúncia” (notificação) dos crimes para a Polícia (tecnicamente falando: filtro da notitia criminis).
A lógica de Pilgran é a seguinte: de todos os crimes ocorridos poucos são os notificados para a Polícia, dos notificados poucos são os investigados, dos investigados poucos são os efetivamente apurados, dos apurados nem todos são processados etc. No final de toda essa cadeia de filtros da impunidade, pouca gente resta para ir para a cadeia (prisão).
Por que quase 70% dos crimes não são notificados para a (ou registrados na) Polícia? Há vários motivos para isso: sentimento de descrença na Justiça, alto índice de vitimização secundária (vitimização pelo mau funcionamento do sistema penal), falta de expectativas reais, desestímulo, risco de perder dias de trabalho etc.
Todos esses fatores, isolada ou conjugadamente, contribuem para que a vítima não registre a ocorrência na Delegacia de Polícia. Nesse caso, como se vê, o fato não passa sequer do filtro da notificação do crime. A conclusão, estarrecedora, não pode ser outra: para a impunidade também concorre a vítima do próprio delito.
Mas a mais chocante incongruência é a seguinte: as vítimas vivem pedindo mais leis penais, mais rigor penal etc. A mídia dramatiza e faz eco a essas reivindicações apaixonadas. O Legislativo faz ressonância a tudo isso e aprova mais leis, mais rigor etc. Depois de tudo é a própria vítima que não procura a Polícia para registrar o crime.
* Roberta Calix Coelho Costa fez a pesquisa necessária para este artigo.

Unicameralismo já!

Jornal do Brasil 25 fevereiro 2011.

Reforma política necessária


Dalmo Dallari
O Brasil necessita urgentemente de uma reforma política, o que implica a revisão das instituições políticas fundamentais, de sua organização, de suas atribuições e das disposições que regulamentam o seu funcionamento. O que ninguém razoavelmente esclarecido ignora é que existem beneficiários dos vícios e falhas que hoje impedem ou dificultam a implantação e a prática das normas e dos princípios característicos do Estado democrático de direito. Esses beneficiários estão ocupando postos no setor público, ou atuam no setor privado mas interferindo no desempenho das instituições e muitas vezes prejudicando o interesse público para assegurar benefícios e vantagens para indivíduos ou grupos sociais privilegiados. Por tudo isso, faz-se necessária uma reforma política substancial, que deve ser feita mediante o debate público, amplo, sereno e objetivo, livre de qualquer espécie de coação ou de restrição, das propostas de mudança. Nessa discussão deverão ser considerados os aspectos éticos, políticos e jurídicos, buscando-se a implantação de uma sociedade justa, livre e democrática. Isso não significa ignorar a história e os valores consagrados pela tradição, mas também não deve implicar a recusa de eliminar vícios antigos e tradicionais, protetores de privilégios e injustiças, só por respeito à antiguidade.
Um exemplo da necessidade de substancial mudança política é o Senado da República, que por sua organização e composição e por seu funcionamento apresenta falhas, vícios e desvios que devem ser apontados e discutidos com serenidade, objetividade e sem preconceitos ou temores, para o aperfeiçoamento da instituição e das políticas brasileiras. O Senado, como existe desde o século 18, foi uma criação dos representantes das 13 ex-colônias inglesas da América do Norte, quando, em 1787, inventaram a Constituição escrita, documento político-jurídico fundamental, no qual, entre outros pontos básicos, definiram a organização do poder governamental, buscando um governo forte mas sem o risco de totalitarismo. Para tanto adotaram a separação dos Poderes, com Legislativo, Executivo e Judiciário e, como informo em meu livro A Constituição na vida dos povos, os delegados dos Estados da região Sul, cuja economia se baseava fortemente no trabalho escravo, exigiram a criação de uma segunda Casa Legislativa, que impedisse o que foi expressamente referido como “excessos democratizantes” dos deputados. Um projeto só teria a força de lei depois de aprovado nas duas Casas. Para isso foi criado o Senado, e graças a esse artifício a escravidão foi mantida por mais 80 anos nos Estados Unidos.
Tudo isso deve ser lembrado quando se começa a discussão sobre a reforma política no Brasil. O Senado tem sido, tradicionalmente, um reduto de oligarcas, embora com exceções, havendo regras de composição e funcionamento que ocultam seus aspectos negativos. Assim, por exemplo, junto com cada senador é eleito um suplente vinculado a ele, e, no entanto, os eleitores, na sua ampla maioria, não têm a mínima ideia de quem seja o suplente para o qual estão dando o seu voto. E este, como já tem sido revelado pela imprensa, é, com muita frequência, um financiador da campanha eleitoral do candidato a senador ou um familiar deste. E já se tem noticiado a existência de acordos para que o senador se licencie por algum tempo para dar ao suplente a oportunidade de assumir e exercer o mandato, além de que a simples condição de suplente de senador já abre a possibilidade de influência sobre as decisões do Executivo, que são de interesse pessoal do suplente ou de suas empresas.
As notícias e os comentários enfocando a recente decisão do Senado sobre o novo salário mínimo deixaram patentes alguns vícios. A começar do fato de que a votação de uma proposta que poderia ter influência no resultado final não foi nominal, não sendo do conhecimento da imprensa nem do povo a posição de cada senador na votação da matéria. E isso já aconteceu muitas vezes, ocultando-se do povo um dado de grande importância, que é a posição do senador em relação a determinada matéria de interesse público. Isso é de importância fundamental para que seja avaliada a fidelidade do representante a suas promessas eleitorais e ao programa do partido a que está filiado.
 

Lei internacional é válida no Brasil?


Folha de S. Paulo 25 fevereiro 2011

OAB pede que presidente cumpra decisão de corte sobre ditadura

DE BRASÍLIA - A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) encaminhou ontem ofício à presidente Dilma Rousseff pedindo que ela cumpra integral e imediatamente a condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil que determinou a investigação de crimes na ditadura.
Em novembro de 2010, o Brasil foi condenado pela falta de investigação sobre o desaparecimento de pessoas na Guerrilha do Araguaia.
A entidade pede a "punição dos perpetradores de torturas, homicídios, desaparecimentos forçados e demais crimes contra a humanidade, a identificação e entrega dos restos mortais dos desaparecidos aos familiares, a instituição da Comissão Nacional da Verdade e demais medidas fixadas".
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, afirma que, se o Estado brasileiro não cumprir a sentença, estará "sinalizando que desrespeita a autoridade da corte e do sistema regional e internacional de proteção aos direitos humanos".
O Palácio do Planalto disse que, por enquanto, não irá se manifestar sobre o caso.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Pensão vira verba de representação...

Correio Braziliense 24 fevereiro 2011


Os benefícios da vergonha
Wed, 23 Feb 2011 07:02:02 -0300


Ophir Cavalcante
Presidente nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB)
As oito Ações Diretas de Inconstitucionalidade já enviadas ao Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil questionando o pagamento de subsídios a ex-governadores representam apenas uma parte do que parece ter se tornado norma nos estados da Federação. Há notícias de que em pelo menos 15 deles, portanto a maioria, o dinheiro público sustenta verdadeiras aberrações criadas dentro da administração pública, em total desacordo com a Constituição Federal.
Em 2007, diante de um caso semelhante, o STF considerou que o sistema feria a Constituição; o benefício foi cassado e esperava-se um ponto final neste assunto. Porém, assim como existem aquelas leis que não “pegam”, decisões importantes, mesmo exaradas na mais alta Corte de Justiça, às vezes são ignoradas por usos e costumes de séculos de privilégios, necessitando de reforço pedagógico até serem assimiladas. É o caso atual.
O que há de comum nas constituições do Pará, Rio Grande do Sul, Sergipe, Paraná, Amazonas, Acre, Piauí e Paraíba, todas questionadas pela OAB, é a desavergonhada tentativa, que mais se assemelha a um ardil, de nomear o benefício pago aos ex-governadores ou às suas viúvas como sendo verba de representação. Uma afronta à inteligência jurídica e uma chacota ao cidadão contribuinte, que afinal é quem paga a fatura.
Verba de representação atende a situações mais complexas, envolvendo previsão orçamentária e comprovação de despesas pelo beneficiário, não é o caso dos ex-governadores, que nem sequer desempenham mais funções públicas. Estes, na verdade, estão sendo escandalosamente premiados, não importando quantos anos, meses, dias e horas permaneceram no cargo, por uma pensão vitalícia equivalente ao vencimento de um desembargador estadual.
Daí decorrem situações no mínimo esdrúxulas, por exemplo, de um governador no exercício do mandato ter remuneração inferior ao do “ex”, que se equipara ao vencimento máximo de desembargador estadual. Mais esdrúxula ainda quando o referido “ex” esteve à frente do cargo numa interinidade medida por alguns dias apenas. E, se quisermos avançar um pouco mais, quando o “ex” acumula várias pensões por serviços prestados “ao público”.
A situação choca, envergonha, denigre a administração pública ante a situação do trabalhador anônimo, aquele que, à custa de muito suor e privações, cede uma parte de seu salário por longos 35 anos à Previdência Social para dispor de algo que o ajude a sobreviver lá pela casa dos 65 anos em diante. Se nada fizermos, como poderemos dizer a este cidadão, ou cidadã, que lutamos por um País digno e pugnamos por uma justiça em que não haja distinção de classes?
A Ordem dos Advogados tem evitado individualizar cada uma dessas situações por reconhecer os relevantes serviços que muitos ex-governadores prestaram aos seus respectivos estados e à democracia, mas entende o exercício da política como uma missão a ser enfrentada em prol da coletividade, e não de si mesmo. O político não recebe um emprego de vereador, prefeito, deputado, senador ou governador. Nem mesmo de Presidente da República. Eleito, recebe a missão e a confiança do povo, a quem representa.
A iniciativa da OAB de levar adiante esses questionamentos junto ao STF é sustentada em dois princípios: primeiro, o da soberania da Constituição Federal promulgada em 1988 e sob a qual repousam as demais leis. O poder constituinte do estado-membro retira a sua força da Constituição e não de si próprio. Vale dizer, o pacto federativo resulta de uma autonomia que não é absoluta para os estados, na medida em que toda legislação só se legitima quando subordinada à Lei maior.
O segundo princípio, que de fato resulta do primeiro, diz respeito à moralidade, impessoalidade e igualdade entre os brasileiros. Da mesma forma como não se pode admitir uma pensão vitalícia decorrente de um eventual mandato político, ninguém pode receber pagamento sem a devida contraprestação dos serviços que presta ou prestou.
O tribuno e heroi romano Valério Corvo, contam os historiadores, depois de ocupar 21 cargos públicos, retornou a suas terras para viver da agricultura tão pobre quanto veio, sem requerer benefícios. Ora, direis, mas isto foi há 370 antes de Cristo. Não importa, se considerarmos que desta fonte se originam os modelos de república e os ideais de justiça perpetuados em nosso arcabouço legal até os dias atuais. Uma lei contra fraude eleitoral foi votada em 432 a. C, mas ainda hoje somos impelidos a mobilizar a população nas ruas para dar consistência ao voto. Nunca iremos parar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

STM, de novo...

Folha de S. Paulo 22 fevereiro de 2011.
Advogado luta para liberar gravações de tribunal militar
Fernando Fernandes busca acesso ao arquivo integral de julgamentos no Superior Tribunal Militar há 14 anos


Corte afirma que faltam condições materiais para acesso a arquivo e que não há registros de proibição a pesquisador

RODRIGO RÖTZSCH
DO RIO

O advogado Fernando Augusto Fernandes retomará nos próximos dias uma batalha judicial de 14 anos para ter total acesso a arquivos sonoros de julgamentos do STM (Superior Tribunal Militar) nos anos 70.
Embora decisão do Supremo Tribunal Federal garanta acesso aos arquivos desde 2006, Fernandes está impedido de acessá-los desde o ano seguinte, quando o STM alegou "falta de condições materiais" para que ele pudesse prosseguir com sua pesquisa, iniciada em 1997.
Naquele ano, Fernandes era estudante de direito e fazia uma pesquisa pessoal no STM sobre defesas de presos políticos. A inspiração veio da história de seu pai, Fernando Tristão Fernandes, que desempenhou os dois papéis na ditadura militar.
Em meio a suas pesquisas, Fernandes se deparou com um arquivo com 940 fitas de rolo, com registros de julgamentos no STM a partir de 1975, ano em que o tribunal se instalou em Brasília.
Após três dias pesquisando, ele teve o acesso barrado pelo tribunal, sob a alegação de que o material era secreto.
O STM chegou a informá-lo de que o arquivo seria destruído, mas ele conseguiu impedir a iniciativa após mobilização de notáveis como o jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000).
Só em março de 2006, o então ministro do STF Nelson Jobim ordenou que o STM liberasse o acesso. Em três meses, o advogado conseguiu copiar as fitas de 85 sessões de 1976 e 1977.
O material foi usado na sua tese de doutorado, recém-concluída na Universidade Federal Fluminense.
O tribunal militar, porém, criou mais empecilhos às pesquisas, como alegar "falta de condições materiais" -já que um funcionário do STM tem que acompanhar o manuseio do arquivo.
Questionada pela Folha sobre o impedimento, a assessoria do STM disse não ter registro da proibição e afirmou que, se Fernandes não teve acesso ao arquivo, foi "porque ele não procurou mais [o tribunal]".

DESCOBERTAS
O material já descoberto e catalogado ajuda a contar a história do tribunal.
Um dos julgamentos gravados é o do recurso de cinco estudantes do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) contra suas condenações por ter instalado uma suposta célula do Partido Comunista.
O então presidente do STM, ministro Hélio Leite, vota contra a sentença com o argumento de que "tratavam-se de estudantes sem vinculação com o Partido Comunista que, se presos por dois anos, estarão sob influências reais de elementos subversivos".
Leite acabou derrotado, e a condenação foi mantida.
Fernandes diz que, nos últimos anos, teve de se dedicar a terminar a tese de doutorado, em vez de se concentrar na disputa judicial para obter acesso às outras fitas.
A parte já copiada foi doada à universidade. "Não teria sentido nenhum lutar pela abertura dos arquivos e mantê-los trancados numa biblioteca particular", afirma.
Para ter acesso ao restante do material, ele tentará primeiro novo requerimento ao presidente do STM.
Caso não tenha êxito, fará uma reclamação ao Supremo de que a decisão de Jobim está sendo descumprida. Caberá à ministra Cármen Lúcia, sucessora do hoje ministro da Defesa, resolver a causa.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

corrupção sistêmica

Folha de S. Paulo 21 fevereiro 2011.

Perguntas sem resposta
Mon, 21 Feb 2011 08:41:18 -0200


RIO DE JANEIRO - Dez dias após a deflagração da Operação Guilhotina, que prendeu policiais civis e militares envolvidos com crimes graves, como desvio de armas e drogas, envolvimento em milícias, participação em grupos de extermínio e vazamento de informações sobre ações policiais, ainda há uma série de perguntas sem resposta.
Por que o ex-subchefe Operacional da Polícia Civil, delegado Carlos Oliveira, exonerado do cargo em outubro do ano passado quando, segundo a PF, já existiam suspeitas de envolvimento com milícias, assumiu em janeiro a subsecretaria da Secretaria Especial de Ordem Pública da Prefeitura do Rio?
Seria de se imaginar que a tão alardeada boa relação entre as administrações estadual e municipal permitisse que informações fossem repassadas a fim de evitar que o prefeito Eduardo Paes passasse pelo constrangimento de exonerar Oliveira um mês depois da posse.
Existem de fato indícios de irregularidades na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, cujo titular, Claudio Ferraz, participou ativamente ao lado da PF das investigações que levaram à Operação Guilhotina?
Dois dias após a prisão de policiais civis e militares, o delegado Allan Turnowski, ainda na chefia da Polícia Civil, determinou que a delegacia fosse lacrada. Policiais ligados a ele vasculharam o lugar, mas uma semana depois ainda não se tem ideia do que encontraram.
Se havia indícios suficientes contra o delegado Allan Turnowski, por que no dia da deflagração da Operação Guilhotina ele foi ouvido pela PF como testemunha?
Só uma semana depois ele foi indiciado sob suspeita de violação de sigilo profissional. A base do indiciamento foi um grampo no qual Turnowski supostamente alertaria um inspetor da ação da PF. Qual o motivo da espera, se os investigadores já tinham a gravação? Será que um dia teremos as respostas?

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Ministro e as entidades de fachada

O Estado de S. Paulo 20 fevereiro 2011

Cercado por fraudes, Segundo Tempo turbina caixa e políticos do PC do B
Sun, 20 Feb 2011 07:37:04 -0200

Projeto do Ministério do Esporte só em 2010 distribuiu R$ 30 milhões a ONGs de dirigentes e aliados do partido; ‘Estado’ percorreu núcleos esportivos no DF, GO, PI, SP e SC e flagrou convênios com entidades de fachada, situações precárias e de abandono
Leandro Colon, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Principal programa do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, o Segundo Tempo, além de gerar dividendos eleitorais, transformou-se num instrumento financeiro do Partido Comunista do Brasil (PC do B), legenda à qual é filiado o ministro.
A reportagem do Estado foi conhecer os núcleos do Segundo Tempo no Distrito Federal, em Goiás, Piauí, São Paulo e Santa Catarina. A amostra, na capital e região do entorno, no Nordeste mais pobre ou no Sul e no Sudeste com melhores indicadores socioeconômicos, flagrou o mesmo quadro: entidades de fachada recebendo o dinheiro do projeto, núcleos esportivos fantasmas, abandonados ou em condições precárias.
As crianças ficam expostas ao mato alto e a detritos nos terrenos onde deveriam existir quadras esportivas. Alguns espaços são precariamente improvisados, faltam uniformes e calçados, os salários estão atrasados e a merenda é desviada ou entregue com prazo de validade vencido.
No site do ministério, o Segundo Tempo é descrito como um programa de "inclusão social" e "desenvolvimento integral do homem". Tem como prioridade atuar em áreas "de risco e vulnerabilidade social", criando núcleos esportivos para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias.
Conferidas de perto, pode-se constatar que as diretrizes do projeto, que falam em "democratização da gestão" foram substituídas pelo aparelhamento partidário. A reportagem mostra, a partir deste domingo, 20, como o ministro Orlando Silva, sem licitação, entregou o programa ao PC do B.
O Segundo Tempo está, majoritariamente, nas mãos de entidades dirigidas pelo partido e virou arma política e eleitoral. Só em 2010, ano eleitoral, os contratos com essas entidades somaram R$ 30 milhões.
O Ministério do Esporte afirma que "cabe à entidades parceira promover a estruturação do projeto". Questionado sobre as situações constatadas pelo Estado e pelo controle partidário do programa, o ministério defendeu o critério de escolha das entidades sob o argumento que é feita uma seleção técnica dos parceiros.
Terreno vazio. O dinheiro deveria ser usado para criar 590 núcleos e beneficiar 60 mil crianças carentes. Na procura por um núcleo cadastrado na cidade do Novo Gama (GO), por exemplo, a reportagem encontrou um terreno baldio onde deveria funcionar um campo de futebol. Cerca de 2,2 mil crianças foram iludidas na cidade por uma entidade sem fins lucrativos fantasma.
No Novo Gama, o programa Segundo Tempo é só promessa, mas, na última campanha eleitoral, foi usado como realidade pelo vice-presidente do PC do B do DF, Apolinário Rebelo. O mesmo ocorreu na Ceilândia (DF).
Em Teresina (PI), no lugar de uma quadra poliesportiva os jovens usam um matagal, onde improvisam tijolos e bambus para jogar futebol e vôlei. Do lado de fora, no muro do terreno, a logomarca do Segundo Tempo anuncia que ali existiria um núcleo do programa. O local é um dos espaços cadastrados por uma entidade que já recebeu R$ 4,2 milhões para cuidar do projeto. Seus dirigentes são do PC do B.
Lideranças de comunidades carentes de Santa Catarina criticaram a intermediação do Instituto Contato, dirigido pelo PC do B, no Segundo Tempo e anunciaram que abriram mão do projeto. Aulas de tênis são dadas na calçada, com raquetes de plástico. Em Florianópolis, a reportagem encontrou um lote de suco de groselha com validade vencida num núcleo do programa.
A campeã de recursos do governo é a ONG Bola Pra Frente, dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora de Jaguariúna (SP) pelo PC do B - R$ 28 milhões foram repassado à entidade desde 2004.
Prestação de contas
O Ministério do Esporte afirma, em seu site, que todos os convênios do programa Segundo Tempo devem fornecer "descrição detalhada dos materiais, bens ou serviços adquiridos"
Para entender
O Programa Segundo Tempo foi criado no começo do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na teoria, o objetivo é oferecer a crianças e jovens carentes oportunidade de prática esportiva após o turno escolar e nas férias.
O Ministério do Esporte fecha parcerias com entidades sem fins lucrativos, que assumem a tarefa de botar em prática o Segundo Tempo. Prefeituras também fazem convênio com o governo. A ideia é criar núcleos esportivos e contratar professores. Segundo o ministério, o Segundo Tempo deve "oferecer práticas esportivas educacionais, estimulando crianças e adolescentes a manter uma interação efetiva que contribua para o seu desenvolvimento integral".
 

sábado, 19 de fevereiro de 2011

interessante caso de criminalidade endógena

Folha de S. Paulo 19 fevereiro de 2011.

Quadrilha planejou carreira de delegado, afirma Promotoria

Justiça aceitou ontem denúncia do Ministério Público e 44 suspeitos da Operação Guilhotina são réus em ação

Investigação conclui que ascensão de Carlos Oliveira na polícia daria acesso às operações policiais contra o tráfico

ITALO NOGUEIRA
HUDSON CORRÊA
DO RIO

O Ministério Público concluiu que a suposta quadrilha formada pelo ex-subchefe de P olícia Civil do Rio Carlos Oliveira planejou a ascensão do delegado na estrutura da instituição para ter mais acesso às operações policiais e se apropriar de armas e munição de traficantes.
Ontem, 44 pessoas investigadas pela Operação Guilhotina foram denunciadas e passaram a ser rés.
Oliveira foi subchefe operacional da Polícia Civil e era braço direito do delegado Allan Turnowski, indiciado pela PF sob suspeita de violação de sigilo profissional.
O advogado do delegado Oliveira, Ary Bergher, só irá falar sobre o caso depois que tiver acesso ao processo.
Segundo os promotores, a quadrilha era composta por 20 pessoas, 11 delas policiais. Um trio era o responsável por cooptar moradores de favelas dominadas pelo tráfico para que se tornassem informantes do grupo.
Esses moradores teriam como função avisar sobre movimentações de traficantes e outras ilegalidades.
Com base nessas informações, a quadrilha organizaria operaç� �es policiais comandadas por Oliveira -dessa forma, dizem os procuradores, o delegado criaria uma imagem de bom profissional, que o levaria a cargos mais altos na corporação.

ESCUTASDepois de colocar Oliveira em um alto cargo, na avaliação dos promotores, a quadrilha teria mais condições de "se apropriar de armas, munições e de bens dos próprios traficantes". As informações surgiram a partir de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.
Segundo a denúncia, durante ação policial nos morros de São Carlos e Mineira em 2008, o grupo desviou quatro fuzis, 15 pistolas e munição. Os fuzis teriam sido revendidos a um homem chamado Ribeiro, que seria chefe da segurança da Igreja Universal do Reino de Deus.
A assessoria da denominação religiosa não respondeu aos contatos da reportagem.
Outra quadrilha apontada pela Promotoria, formada por policiais da Dcod (Delegacia de Combate às Drogas), repassava armas do C omando Vermelho, apreendidas em ações oficiais, à rival ADA (Amigos dos Amigos).

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O quanto de corrupção uma democracia tolera?


O Estado de S. Paulo 18 fev 2011

Complexo do Alemão, Serra Pelada

Fernando Gabeira
A tomada do Complexo do Alemão foi uma grande vitória da polícia do Rio de Janeiro contra traficantes de droga. Ela representou uma libertação para os moradores que viviam sob o jugo do crime. E foi conquistada sem carnificina. Dados inegáveis.
Existem uma operação real e uma narrativa. Sem questionar o mérito da operação real, tentamos colocar algumas perguntas no momento da euforia vitoriosa. A história mostra que momentos como esse são péssimos para quem tem o hábito de perguntar. A pessoa aparece como se fosse negativa, ou mesmo invejosa, diante da trajetória resplandecente dos triunfantes. Recomenda-se, nessas ocasiões, a tática oriental contida no exemplo do pequeno arbusto que se curva para que a ventania passe. A ventania passou e é hora de questionar não a tomada do Complexo do Alemão, mas a narrativa que a apresentou como uma vitória da civilização contra a barbárie.
Três das quatro mais importantes quadrilhas da polícia do Rio participaram da tomada do Alemão. A pilhagem dos bens dos traficantes e de moradores foi tão espetacular que um dos policiais bandidos, grampeado pela Polícia Federal, comparou o Complexo do Alemão à Serra Pelada, onde milhares de garimpeiros cavavam o solo em busca de uma pepita de ouro.
A Serra Pelada que conhecemos pessoalmente, ou através das fotos em preto e branco de Sebastião Salgado, não sugere uma operação de rapina, mas a saga de uma parte da população maltrapilha e seminua tentando mudar seu destino.
No Complexo do Alemão ocorreu apenas uma grande operação de rapina. Dezenas de repórteres e cinegrafistas estavam lá, mas isso escapou de seu raio de observação. Era uma operação de guerra, como no Iraque, em que os repórteres, por se escolherem como uma extensão da força ocupante, perdem o potencial crítico. Foi tudo lindo e maravilhoso na narrativa, enquanto no terreno real a pilhagem se desenvolvia na sombra.
Um policial contou-me que em certos momentos teve de apontar o fuzil para deter a fuga de colegas com um caminhão cheio de objetos dos barracos do Complexo.
A própria imprensa se deu conta disso, antes de surgir a imagem de Serra Pelada. O pastor Ronai de Almeida Braga Júnior denunciou que foi assaltado pelos policiais. Sua denúncia demorou a ganhar espaço, sob o argumento de que um caso era estatisticamente desprezível. Mas depois que ele falou surgiram vários outros.
O Exército procurou punir com rapidez um oficial que participou de saques. Mas a instituição é a responsável por manter a ordem no Complexo. Depois da ocupação surgiram artistas, fotógrafos, modelos, inúmeros talentos no Alemão. Até um cinema com filmes em três dimensões foi inaugurado. Mas ainda é difícil, hoje, convencer muitos no Complexo de que foi um triunfo do bem contra o mal.
A narrativa começou falseando as causas da sequência de atentados que culminou com a decisão de ocupar o Complexo. Segundo ela, os carros estavam sendo incendiados porque traficantes não se conformavam com o êxito das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), redutoras de seu espaço. Na época, levantei uma singela pergunta: Se os traficantes queriam questionar as UPPs, por que não o fizeram no momento eleitoral, quando o governo estava mais vulnerável?
Semanas depois da ocupação, uma autoridade me confessou as razões dos atentados. Com as informações obtidas nos presídios de segurança, concluiu-se que os atentados eram uma represália contra ação da polícia entre as famílias dos presos. Desde o princípio do ano passado começou uma operação, comandada pelo chefe da Polícia, Allan Turnowski, para recuperar o dinheiro do tráfico que estava com as famílias. Operação necessária, que usaria o clássico método de comparação entre bens e rendimentos. Segundo os presos, a operação extrapolou seus objetivos legais e virou uma fonte de confisco. Foi esse o estopim.
O que foi revelado até agora é apenas uma parte da história da tomada do Complexo do Alemão. Foram vistos carros de polícia vindos do interior nas vielas do morro. Todos os setores corruptos da instituição entenderam a mensagem. A importância da missão policial e o entusiasmo da imprensa eram uma liga que garantia um metal simbólico para a poderosa blindagem.
Crianças mergulhando nas piscinas dos traficantes eram uma ótima imagem de libertação. Mostravam o contraste entre o conforto dos donos do morro e as dificuldades da vida cotidiana dos moradores. Sugeriam uma socialização, indicavam que aqueles bens agora seriam públicos.
Acontece que esse processo de passagem dos bens dos traficantes para a sociedade depende de um ritual, está previsto em lei, origina inventários. O que ocorreu na verdade, segundo os grampos, foi uma invasão de policiais de todos os batalhões, tentando a sorte: um aparelho de televisão, um lote de pares de tênis, um fuzil. E o garimpo não se detinha nos bens que, legalmente, devem ficar com o governo. O garimpo envolveu o saque de várias casas de cidadãos comuns, perplexos com a fúria e a ganância de seus salvadores.
A operação que desvendou esse lado da tomada do Complexo do Alemão ilumina uma outra narrativa que fascinou os jornalistas: o chamado Choque de Ordem. O delegado Carlos Antônio de Oliveira, um dos principais acusados, caiu para cima: ele deixou a polícia e foi dirigir o Choque de Ordem, carro chefe da propaganda oficial.
O Choque de Ordem, como a tomada do Alemão, era necessário. Deveria, no entanto, ter sido acompanhado de algumas obras de infraestrutura e um trabalho pedagógico. Investido de uma cobertura favorável, foi blindado, apesar de sua intensidade contra os pobres e elegância com os ricos. Foi outra mina de ouro.
Comemorar a libertação do Alemão como a de Paris na 2.ª Guerra Mundial, festejar a prisão de algumas pessoas fazendo pipi na rua como a tomada de Monte Castelo só é possível quando a paixão sequestra o senso crítico. Aves de rapina agradecem.
JORNALISTA

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

crime organizado endógeno

Folha de S. Paulo 17 fevereiro 2011

JANIO DE FREITAS

O feito das polícias



A percepção da insegurança só pode ser muito localizada; a noção de que crimes violentos e corrupção avançam pelo país fica nebulosa


ENQUANTO A TOMADA do Complexo do Alemão empolgava o país com as glorificações disseminadas pela TV e pela imprensa, muitos dos louvados ocupantes policiais e militares do Exército, sabe-se ou confirma-se agora, tratavam de saquear e assaltar casas e moradores invadidos.
A constatação foi poupada das repercussões merecidas, mas tal fraqueza jornalística teve efeito positivo, ainda que não previsto: evitou que perdessem a confiança da opinião pública as operações de bastante êxito técnico e social, como as realizadas em várias favelas e no Alemão mesmo.
Para complementar o efeito positivo, um adendo contraditório pôs as coisas nos termos devidos: àquela informação negativa, segue-se uma semana que vale como exposição da criminalidade policial, situando o drama da insegurança pública onde de fato está.
No Rio, 30 policiais civis e PMs são presos em uma operação, ainda inconcluída, que precisou da Polícia Federal para efetivar-se; pegou policiais ocupantes de altos cargos na administração pública e, apesar disso, simultaneamente chefões de bandos criminosos; derrubou o próprio chefe de Polícia Civil, e deixou um ambiente muito instável.
Em São Paulo, a par dos assaltos que inquietam, por sua persistente e fácil repetição em centros de comércio e moradias de padrão alto, verifica-se o êxito com que a polícia aderiu ao empreendedorismo que é moda paulista: os melhores preços de máquinas de caça-níqueis e outros jogos, dessas proibidas que a polícia apreende, são oferecidos em uma delegacia de Osasco.
Máquinas usadas, sim, porque apreendidas, mas em ótimo estado, depois de revisadas e reparadas bem junto da delegacia. E vendidas ao preço médio e módico de R$ 400, em lotes, se assim quiser o contraventor. Máquinas expostas para os interessados na própria delegacia.
Em Goiás, a Polícia Federal prendeu o próprio subcomandante da PM, um tenente-coronel e 18 policiais, acusados de integrar um dos mais ferozes grupos de matadores na região de Brasília, inclusive de mulheres sem envolvimento criminal e de crianças.
Visados pela mesma investigação estão ainda dois ex-secretários de Segurança, um deles, Ernesto Roller, ex-candidato a vice-governador e atual procurador-geral de Goiás.
Em Minas, foi identificado um esquadrão da morte composto por policiais. Na Bahia, bem, no Brasil todo, pronto, o dia a dia é o mesmo. Todos os dias. Mas ninguém no Brasil tem ideia do que é esse Brasil, por falta de notícia. Só os casos com alguma peculiaridade, como aqueles acima, tornam-se notícias, e nem sempre. Sem aquela ideia básica, porém, a percepção da insegurança só pode ser muito localizada. A noção de que os crimes violentos e a corrupção avançam pelo país todo fica nebulosa.
E, com isso, tanto as reivindicações como as providências contra a criminalidade violenta e contra a corrupção limitam-se ao circunstancial, episódios localizados respondendo a episódios que, de fato, não são episódicos: são a parte momentaneamente exibida de um todo nacional.
E a verdade é que ninguém sabe o que fazer contra essa realidade vulcânica, por falta até de conhecê-la.

Enclave autoritário civil


Agente da PF pode ser demitido por publicar artigo

O agente da Polícia Federal Josias Fernandes Alves corre o risco de ser demitido por ter expressado sua opinião em um artigo e por participar de atividades sindicais da classe dos policiais. Ele responde a dois processos administrativos disciplinares. Há um processo aberto em Varginha (MG), cidade onde atua, em que é acusado de transgredir o regimento ao participar da assembleia do sindicato. O que tramita na Corregedoria da PF, em Brasília, questiona um artigo publicado.
No primeiro PAD, aberto em Brasília, o agente foi acusado de ofender, através do artigo, a Academia da PF. O texto questiona o critério de seleção usado no "Curso de Especialização (lato sensu) em Ciência Policial e Investigação Criminal" da Academia da PF. Na publicação, o agente diz que a prova foi direcionada para aceitar apenas policiais formados em Direito, o que seria desnecessário. Segundo o agente, outros integrantes da Polícia Federal de formação diferente também poderiam fazer o curso.
No processo mais recente, aberto na cidade onde atua, a acusação surgiu depois de ele ter participado da assembleia promovida pelo sindicato. Segundo o agente, ele pediu autorização para se ausentar no período, mas a diretoria negou. Ele foi do mesmo jeito e agora é acusado de cometer transgressões previstas também na Lei 4.878/65, o regimento das polícias. Nesse processo, Alves é acusado de "insuflar servidores, além de promover manifestações de desapreço em relação à chefia".
A reportagem da ConJur entrou em contato com o superintendente da Polícia Federal em Minas Gerais e autor do PAD contra Alves, Jerry Antunes de Oliveira. Ele afirmou que não vai se pronunciar sobre o caso porque os processos administrativos não são públicos. Disse também que o cargo de dirigente não permite falar sobre o agente para não expô-lo, mas que o PAD tramita com o devido processo legal e os princípios constitucionais.
O artigo publicado desdobrou, ainda, em uma ação de indenização movida pelo delegado Célio Jacinto dos Santos, que se sentiu ofendido e decidiu cobrar danos morais, no valor de R$ 20 mil. A ação pede também que o artigo seja retirado do site da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). O delegado se sentiu lesado com as críticas do artigo porque pertencia à Academia na ocasião do curso, embora seu nome não tenha sido citado.
Para o agente Josias Fernandes Alves, a Conveção 151 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada em abril de 2010, através do Decreto Legislativo 206, permite que o servidor público expresse sua opinião. Segundo ele, a Portaria Interministerial 2 de Direitos Humanos do Policial também assegura o direito de opinião e a liberdade de expressão do profissional de segurança pública.
O advogado da Fenapef, Celso Luiz Braga de Lemos que defende o agente nos processos, afirma que o artigo publicado fez críticas em "termos urbanos" sem ofensas. O problema pode estar no regimento, que data da época da Ditadura Militar, "duro e desatualizado", segundo Lemos. "A Lei 4.878/65, que está sendo aplicada, é mais dura e mais desatualizada do que nunca, mas hoje vivemos no Estado Democrático de Direito", completa.
Lemos diz também que o período que começou em 2003 até o final da gestão do ex-diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Correa, foi marcado por exacerbado números de PADs.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

crime organizado endógeno

O Estado de S. Paulo 15 fevereiro 2011


Milicianos têm rede de informantes em delegacias

Pedro Dantas


De acordo com as investigações, quatro estruturas criminosas foram descobertas. Uma delas é a Milícia do Afonsinho, que seria liderada por Ricardo Afonso Fernandes, policial militar da reserva e parente do inspetor Christiano Gaspar Fernandes, até ontem chefe de investigação da 22.ª Delegacia da Penha, bairro onde fica uma das favelas controladas pela milícia, a Kelson"s. A delegada titular da DP, Márcia Beck, foi detida ontem depois de flagrada informando Christiano sobre a operação. Ambos foram agraciados com medalhas pelo chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski .
Além de policiais civis, a quadrilha contava com policiais militares que eram "adidos" em delegacias distritais e especializadas e informantes. Entre eles, Magno Carmo Pereira, que atuava como informante da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod). Ele foi testemunha-chave para revelar a atuação multifacetada das quadrilhas, que atuavam em favelas com milícias, vendiam a traficantes informações sobre operações policiais e o chamado espólio de guerra - armas, drogas e munições apreendidas em operações policiais -, além de atuarem como segurança de pontos de jogos clandestino. "Os adidos eram uma distorção do sistema para suprir a falta de policiais", disse o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame.
Entre os integrantes da quadrilha que tiveram a prisão decretada ontem está o inspetor da Polícia Civil Leonardo da Silva Torres, o Torres Trovão, fotografado fumando charuto durante a megaoperação do Complexo do Alemão, em 2007, que resultou na morte de 19 traficantes. Laudos apontaram suspeita de execuções.


mensaleiros do DEM impunes

IstoÉ 15 fevereiro 2011

A boa vida dos mensaleiros do DEM

Brasil

Compras em Nova York, academias de luxo, tranquilidade em mansões: autores do crime mais documentado do País continuam livres, leves e soltos em seus pequenos paraísos particulares
Hugo Marques

Em novembro de 2009, a Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal expôs em Brasília um dos mais bem comprovados esquemas de corrupção da história do País: o mensalão do DEM. Nas imagens gravadas, políticos e empresários da capital federal, sem o mínimo pudor, guardavam dinheiro nas meias, bolsas e até na cueca. Apesar das evidências e dos flagrantes, o caso está empacado na Justiça. Até hoje a Procuradoria-Geral da República não apresentou a denúncia. Enquanto isso, os principais envolvidos no esquema desfrutam de vida privilegiada. Um dos exemplos é o ex-governador do DF José Roberto Arruda. Flagrado embolsando um maço de cédulas com R$ 50 mil, ele passou Natal e Réveillon fazendo compras em Nova York. No mês passado, bronzeou-se na praia de Morro de São Paulo, na Bahia. Depois, foi descansar em Fortaleza. Em sua rotina em Brasília, o ex-governador frequenta uma sofisticada academia de ginástica no setor sudoeste, onde malha três vezes por semana. “Sou ficha limpa, sou virgem”, comenta Arruda com seus amigos.
Mesmo com a corrupção documentada e exibida em rede nacional de tevê, Arruda ainda está longe de se transformar em réu. Apontado como chefe da organização criminosa, o ex-governador do DF virou testemunha de acusação contra desafetos políticos. Ele prestou depoimento à Procuradoria Regional da República, em Brasília, sustentando que a promotora Deborah Guerner dissera a ele ter recebido R$ 2,4 milhões do ex-governador Joaquim Roriz. O objetivo da suposta propina era para que Roriz não fosse denunciado pelo Ministério Público. Nas conversas com ex-colegas de partido, Arruda se vangloria também de possuir hoje 200 mil votos em Brasília, com os quais poderia ficar entre os deputados federais mais votados. “O Arruda ainda tem 6% do eleitorado”, diz um ex-correligionário. Arruda mora no requintado Setor de Mansões Park Way, um dos bairros mais caros da capital. O ex-governador gosta de caminhar pela manhã com sua jovem esposa, Flávia, no Parque Águas Claras, ao lado da residência oficial do governador do DF.
Alguns personagens do mensalão do DEM adotaram um providencial anonimato, mas continuam a operar nos bastidores. Flagrado embolsando dinheiro e ainda fazendo a “oração da propina”, o ex-deputado distrital Júnior Brunelli recolheu-se à igreja de sua família, a Casa da Benção. Tentou eleger a irmã Lilian Brunelli deputada distrital, sem sucesso. Ela obteve apenas 7,2 mil votos. O ex-deputado Leonardo Prudente, que enchia as meias com o dinheiro do mensalão do DEM e também participava da “oração da propina”, retomou a administração de suas empresas. Os dois ex-deputados distritais renunciaram ao mandato para fugir da cassação. “Que crimes o Brunelli e o Prudente cometeram? A Justiça terá de dizer qual é o crime”, diz o advogado dos ex-distritais, Herman Barbosa. “Nenhum dos dois foi indiciado e não responde a processo. Caixa 2 de campanha é ilícito administrativo.” A ex-deputada distrital Eurides Brito, filmada enchendo a bolsa com dinheiro do esquema, foi cassada. Ela tentou emplacar na Câmara Distrital seu apadrinhado, o ex-secretário de Educação José Luiz Valente, também sem sucesso. Ele recebeu somente 1,4 mil votos. Eurides passa os dias dentro de sua casa no Lago Sul, bairro nobre da capital. De lá, só sai para viajar.
Vários outros personagens investigados por envolvimento com o mensalão retomaram seus antigos negócios. O ex-vice-governador Paulo Octávio, que renunciou ao cargo de governador após 11 dias na cadeira, voltou a comandar suas 16 empresas na área da construção civil e incorporação imobiliária, nas quais emprega cinco mil funcionários. Em entrevista à ISTOÉ, ele diz que deixou o governo porque tinha que preservar seu negócio. “Tenho 40 anos de vida empresarial e não poderia ver minha imagem sendo manchada”, diz Paulo Octávio, que é casado com a neta do ex-presidente Juscelino Kubitschek. “É bom esclarecer que não tive sigilo quebrado, não sou uma das pessoas que têm fita, vídeo, gravação, não sofri nenhuma penalidade.” O empresário ainda não sabe se vai retornar à vida pública, após o julgamento do mensalão do DEM. “Tenho que refletir, foi um golpe muito duro”, diz Paulo Octávio. “Vivo um período sabático.”
Por enquanto, os mensaleiros não têm com o que se preocupar. O Ministério Público Federal informa que ainda não tem data para iniciar a ação contra os acusados. Após o fracassado pedido de intervenção federal em Brasília, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, lavou as mãos. “Mensalão do DEM é só com a Raquel”, diz Gurgel. Por sua vez, a subprocuradora Raquel Dodge já comentou com colegas que o volume de provas é “astronômico”. Além da complexidade do processo, o mensalão estaria sendo usado politicamente por grupos que querem desbancar Gurgel em sua tentativa de se reeleger e também minar uma futura promoção de Raquel. “Por trás das críticas a Raquel está o jogo sucessório”, diz um procurador regional que atuou no caso. “A Raquel é séria, mas o caso é complicado e a arrecadação de provas foi monstruosa”. Sem a denúncia do MPF, empresários acusados de alimentar o esquema continuaram a receber recursos milionários do governo do DF. Para eles, a Caixa de Pandora, em vez de desgraças, só trouxe boas lembranças.

Enclave autoritário


Istoé 15 fev 2011.
Motim na Abin

Arapongas rompem hierarquia, rebelam-se contra o controle militar na Agência Brasileira de Inteligência e fazem guerra de dossiês
Claudio Dantas Sequeira

Sucessora do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é mantida, desde sua criação, sob estrito controle militar. Agora este comando está sendo confrontado por um barulhento grupo de agentes concursados, insatisfeitos com o que chamam de “herança maldita dos tempos da ditadura militar”. Os arapongas resolveram rebelar-se, num ensaio de motim, e, pela primeira vez na história dos serviços de inteligência, tornam público o que pensam. Oficiais da Abin sem relação direta com os militares divulgaram uma carta de protesto pedindo à presidente Dilma Rousseff mudanças na direção da agência. No texto, a recém-fundada Associação de Oficiais de Inteligência (Aofi) exige que o órgão saia da estrutura do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado hoje pelo general José Elito Siqueira. “A exemplo do que é vigente nas democracias modernas, acreditamos que o serviço de inteligência deve ter acesso direto ao chefe de governo”, diz a associação. A Aofi, que representa 170 dos 650 funcionários concursados, considera que a agência ainda é “refém do legado do SNI”.
A demanda por mudanças na estrutura da Abin ganhou força com a posse de Dilma. Por seu passado de prisioneira política, a presidente, conforme os boatos que circularam na comunidade de informações, estaria determinada a promover uma profunda reforma no setor. Mas a nomeação do general José Elito para o comando do órgão frustrou essas expectativas. José Elito, desde sua posse, não deu nenhuma atenção aos focos de insatisfação. Na segunda-feira 7, porém, ele precisou convocar uma reunião de emergência na Abin para tentar acalmar a insurreição que já avançava. No dia seguinte, o general ainda tentou conversar sobre o tema com Dilma, ao encontrá-la pela manhã na garagem do Palácio do Planalto. Mas a conversa não prosperou. Pesa contra José Elito o constrangimento que ele criou para a presidente quando, no início de janeiro, declarou que a existência de “desaparecidos políticos” no Brasil não era motivo de vergonha.
Para acalmar os ânimos, o general José Elito divulgou uma nota protocolar afirmando que “vem implementando medidas no sentido de valorizar a atividade institucional do GSI”. Mas este é exatamente o ponto que irrita os arapongas rebelados. Eles reclamam que , ao subordinar as atividades da Abin ao trabalho de segurança institucional da Presidência, setores estratégicos acabam paralisados. A ingerência militar, segundo eles, também desvirtuaria os objetivos estratégicos do serviço. “A Abin monitora o MST e outros movimentos”, acusam. Os agentes civis apelidaram de “ovos de serpente” os funcionários oriundos do SNI ou que mantêm relações com a caserna. Nesse clima envenenado e de hierarquia rompida, já circula pela Abin um dossiê dos arapongas denunciando que “critérios pessoais e parentais” norteiam o loteamento das principais funções de chefia e direção da agência. Conforme o texto, o Exército enviaria para a Abin aqueles oficiais que o Centro de Inteligência não quer mais ter por perto. “Muitos dos quais tiveram ativa participação no regime repressor”, afirmam os agentes. O dossiê lista até nomes. Na mira dos arapongas estão relacionados o diretor-geral da Abin, Wilson Trezza, ex-militar oriundo do SNI; e os diretores de Administração, Geraldo Dantas, e de Planejamento, Luizoberto Pedroni, ambos ex-oficiais R2 do Exército. Na conta de “militares atuantes na ditadura”, o documento lança o diretor-adjunto Ronaldo Belhan, filho do general José Belhan, que chefiou as operações do CIE, do SNI e atuou na Oban em São Paulo. Ao que parece, o motim está só começando.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Judiciário nos EUA e no Brasil

http://www.conjur.com.br/2011-fev-13/entrevista-edward-purcell-jr-historiador-justica-estados-unidos

Nos últimos 30 anos, Justiça nos EUA é pró-mercado

Edward Purcell - Spacca - Spacca
"Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos", afirma o professor Edward A. Purcell Jr., uma das mais respeitadas autoridades sobre a história da Suprema Corte e do sistema federal de Justiça dos Estados Unidos, ao comentar pesquisa feita pelo The New York Times que apontou aumento no número de casos em que interesses corporativos foram preservados na Suprema Corte do país, sob a presidência do juiz John G. Roberts Jr., indicado pelos Republicanos.
Segundo Purcell, nos últimos 30 anos os tribunais do país se moveram politicamente para a direita, com uma postura pró-mercado, como reflexo do peso da maioria conservadora. "Isso cria um contexto um tanto restritivo para aqueles que pretendem processar grandes corporações e instituições governamentais. Também pode ser restritivo em termos de direitos civis, em casos de ações de classe e ações conjuntas", afirma, mas ressalva que a análise das decisões não depende só da ideologia dos juízes. "Quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples."
Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, em seu espaçoso gabinete na New York Law School, no sul de Manhattan, em uma tarde gelada de janeiro, no rigoroso inverno nova-iorquino, Purcell também falou sobre a lentidão da Justiça norte-americana. Segundo ele, a conciliação tem sido uma ótima alternativa para não ter que esperar por tanto tempo o reconhecimento de direitos.
Lá, a maior parte dos processos (entre 96% e 98%) acaba em primeira instância, não chega aos tribunais, quanto mais à Suprema Corte. "Se você é autor da ação e sabe que o réu pode fazê-lo esperar cinco anos para receber seu dinheiro, a melhor coisa a fazer é negociar, abrir mão de parte do que avalia ser seu direito, para antecipar a resolução. Em outras palavras, trocar dinheiro por tempo."
Autor de diversos livros sobre a história e aspectos do funcionamento da Justiça nos Estados Unidos, o professor Purcell interessou-se por questões relacionadas à lei quando estudava a história americana do século 20. Ele passou a pesquisar sobre o que é chamado nos EUA de "realismo legal" (conjunto de teorias que exploram a natureza e a estrutura das leis, surgidas no país na primeira metade do século 20).
"Minha pesquisa sobre o realismo legal me fez perceber que eu estava lidando com questões que eu não entendia completamente e então percebi que precisava aprender sobre Direito", revelou posteriormente em uma nota biográfica, ao comentar sua carreira.
Sua incursão por temas jurídicos em Harvard, nos anos 1970, além de o conduzir à prática da advocacia, o levou também a concluir o seu primeiro livro A crise da teoria democrática (sem tradução para o português), em que examina a história intelectual dos Estados Unidos e sua relação com as leis e a organização política do país. A obra recebeu o prêmio Frederick Jackson Turner Prize, da Organização de Historiadores Americanos.
Durante a conversa com a ConJur, Purcell falou, entre outros temas, sobre o peso da política no funcionamento da Suprema Corte dos EUA. "Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos", explicou. "Quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples."
O professor falou ainda sobre o papel da imprensa americana ao cobrir a Justiça, avaliando a dificuldade do jornalismo especializado na área. "Reportar casos como os que estão na Suprema Corte, de forma pertinente, inteligente e informativa, é um trabalho muito duro", disse.
Edward Purcell recebeu o título de "Joseph Solomon Distinguished Professor" da New York Law School, uma das mais antigas escolas independentes de Direito do país, onde atualmente dá aulas. Foi professor de História americana na Universidade de Missouri, de onde se licenciou depois que seu interesse em Direito e Justiça o conduziram à Universidade Harvard, onde atuou como bolsista "Charles Warren Fellow" na área de História Legal dos EUA.
Leia a entrevista:
ConJur — Seu interesse em questões legais e constitucionais surgiu quando o senhor estudava a história dos Estados Unidos do século 20, mais especificamente quando pesquisava as teorias conhecidas como “realismo legal”. Seu primeiro livro, A crise da teoria democrática: naturalismo científico e o problema do valor (The Crisis of Democratic Theory: Scientific Naturalism & the Problem of Value, University Press of Kentucky, 1973) tem origem a partir desses estudos iniciais, certo? O senhor poderia falar mais sobre a concepção de sua obra de estreia?
Edward A. Purcell Jr. — Essa é uma pergunta complicada porque estamos falando de 30, 35 anos atrás. De fato, eu estudava a história americana do século 20 e acabei interessado em questões relacionadas à história intelectual do país. É confuso tentar resgatar isso tudo assim de memória, mas imagino que parte do interesse surgiu com ideias que vieram à tona quando me voltei à questão dos direitos civis aqui nos Estados Unidos. O assunto chamou minha atenção quando examinei o surgimento e a consolidação de um conjunto de conclusões e afirmações de natureza moral que culminaram na ascensão do movimento por direitos humanos no país. Meu interesse era avaliar sobre que bases os cidadãos faziam esse tipo de asserções morais e éticas, de onde saíam tais juízos de valor que resultaram na luta por direitos civis.
ConJur — O que conseguiu constatar?
Edward Purcell — Havia um paralelo entre essa questão e outros períodos de nossa história intelectual. Refiro-me aos anos 1920 e 1930, com a ascensão do nazismo e fascismo na Europa. Nesse contexto, a maioria dos americanos defendia a democracia e a justificava como sendo o “bem”, ou seja, o que é certo e correto acima de qualquer dúvida, e o nazismo como sendo simplesmente o “mal puro”. E esse é um raciocínio simples de fazer, elementar. Eu estava interessado nesse padrão de pensamento e certezas categóricas. Principalmente, considerando um cenário anterior aos anos 40 e 50, quando teve lugar o proclamado relativismo, o Darwinismo, a própria ciência em si. Enfim, eu queria entender como uma visão objetivista, científica — em que você assume a neutralidade para estudar um objeto neutro — reage quando confrontada com algo que parece claramente “mal”, como o fascismo e o nazismo, e como conciliar essas duas visões de mundo e posturas. Esse foi o tipo de problema histórico com que me deparei. E com o meu primeiro livro tentei explorar a raiz da questão.
ConJur — Em dezembro do ano passado, o The New York Times publicou o resultado de uma pesquisa financiada pelo próprio jornal e empreendida por estudiosos da Northwestern University e da Universidade de Chicago, na qual foram analisadas 1.450 decisões da Suprema Corte do país desde o ano de 1953. De acordo com os pesquisadores, a porcentagem de casos relacionados a interesses comerciais cresceu durante a presidência do juiz-chefe John G. Roberts Jr., assim como o número de casos em que os interesses corporativos saíram preservados, sobretudo nos processos de interesse da Câmara de Comércio do país. O senhor aborda este tema em seu segundo livro, Litígio & Desigualdade: a Jurisdição Federal na América Industrial, 1870-1958 (Litigation & Inequality: Federal Diversity Jurisdiction in Industrial America, 1870–1958, Oxford University Press, 1992). Como avalia o resultado do estudo publicado?
Edward Purcell — Não me surpreende o resultado do estudo. Não é exatamente uma novidade que os tribunais do país, nos últimos 30 anos, se moveram politicamente para a direita, sustentando uma visão pró-negócios, uma postura pró-mercado. O que cria um contexto um tanto restritivo para aqueles que pretendem processar grandes corporações e instituições governamentais. Também pode ser restritivo em termos de direitos civis, em casos de ações de classe e ações conjuntas. O resultado do estudo parece confirmar a expectativa. Atualmente, isso apenas reflete o peso da maioria conservadora na composição da Suprema Corte. Isso, claro, pode ser problemático em inúmeros aspectos. Mas essa influência não é tão simples assim. Em primeiro lugar, nenhum juiz admitiria que sustenta certo posicionamento político ou que representa qualquer um dos dois partidos, tampouco reconheceria que sua visão de mundo interfere em suas decisões. Pelo menos, isso é muito raro. Ao contrário, os juízes sempre insistem que suas decisões se baseiam na lei e na metodologia. Isto é, que priorizam um tipo de originalismo e textualismo em suas decisões, o que, em certos aspectos, me parece que há alguma verdade nisso.
ConJur — No Brasil, a tensão política se faz presente no Judiciário, sobretudo considerando o nosso Supremo Tribunal Federal, sua influência e o papel que desempenha. Mas não como ocorre nos EUA, em que qualquer cidadão sabe que há uma ala conservadora e outra liberal na Suprema Corte, sendo os juízes que compõem a primeira indicados por presidentes republicanos, e os segundos, por democratas. Aqui, além de a polarização ser mais acentuada, ela é mais aberta. Quando o presidente Obama indicou Elena Kagan ao cargo de juíza associada, não era segredo que a estratégia era diminuir a influência conservadora na Suprema Corte e ampliar o número de juízes favoráveis às políticas de sua administração.
Edward Purcell — A complexidade e a sutileza do sistema de Justiça americano abriga a tensão entre o textualismo, a lei, o método e questões de ordem política. Os pontos de vista sociais e políticos na Justiça exercem influências diferentes dependendo do caso e dos tipos de processo, e isso muda de tempos em tempos. O peso desse tipo de influência varia. Muitas vezes, o processo é suficientemente claro, dispensando maiores interpretações. Ou, ainda, a lei é explícita, não havendo dúvidas sobre sua aplicação. Mas essa simplicidade nem sempre ocorre. É muito difícil um caso chegar à Suprema Corte. Sobretudo nos últimos 100 anos, senão em toda a história do tribunal. Somente casos muito complexos, em que os argumentos de ambos os lados parecem ser legítimos e juridicamente corretos, representando um verdadeiro impasse legal. Especialmente, agora no século 21, nenhum processo relativamente simples chega à Suprema Corte, ao menos que um tribunal de primeira instância ou de apelação tome uma decisão muito controversa. De forma geral, a Suprema Corte só aceita julgar casos que sejam tão complexos, que ambas as partes consigam legitimar argumentos e sustentá-los amplamente em termos legais.
ConJur — A complexidade do processo, e não somente uma suposta orientação ideológica ou política, explicaria o resultado da pesquisa também?
Edward Purcell — A pergunta a ser feita é: quando há argumentos jurídicos legítimos de ambos os lados, como as decisões são tomadas? Que outros aspectos influenciam? Algumas vezes pode ser um caso de má interpretação das leis, em outras, o desempate ocorre quando um dos pontos de vista se impõe. O que quero dizer é, quando se trata de Justiça, a abordagem nunca é tão simples como “vou decidir assim porque simpatizo com esses caras ou com tal ideia”, mesmo que os juízes possam avaliar questões jurídicas levando em consideração um conjunto de valores e crenças, seja o que pensam sobre Deus, moralidade, ideias sociais e econômicas.
ConJur — Em seu livro mais recente, Originalismo, Federalismo e o Empreendimento da Constituição Americana — Uma Investigação Histórica (Originalism, Federalism, and the American Constitutional Enterprise — A Historical Inquiry), o senhor traça a evolução do federalismo através dos séculos e refuta a noção de que os fundadores dos Estados Unidos, para citá-lo, “cuidadosamente estabeleceram o equilíbrio constitucional entre os estados e o poder do governo federal”. Isso, em alguns aspectos, não contraria o que a maioria das pessoas pensa sobre a organização política dos EUA, sobre a questão da autonomia dos estados diante da influência da União?
Edward Purcell — Não creio. Esta não é propriamente uma ideia nova. Não sei se compreendo o que você quer dizer com “contraria” e se respondo sua pergunta desta forma, mas é justo pensar que os fundadores tinham, sim, uma preocupação com a autonomia dos estados, até onde podemos fazer afirmações sobre seus objetivos. Um dos meus argumentos é que não podemos simplesmente assumir que esta era uma questão central para eles. O que podemos dizer é que os fundadores pretenderam reservar aos estados algum caráter de independência e autonomia. Havia a preocupação para que os estados pudessem governar a si próprios e ainda assim criar um governo central que tivesse poder nacional. Os fundadores preocuparam-se com os dois aspectos, local e central, e, de certo modo, o conceberam. O problema é: onde está a linha divisória? E meu argumento é que não havia uma. Nem na Constituição nem em qualquer outro documento. Como grupo, eles não estabeleceram claramente uma linha divisória entre o poder local e nacional. Portanto, afirmar que eles “cuidadosamente estabeleceram o equilíbrio constitucional” entre os estados e a União é verdadeiro se você quer dizer que os fundadores criaram duas instituições distintas, o estado e a União, que deviam estabelecer alguma forma de relação duradoura uma com a outra e não poderiam jamais serem extintas. No entanto, se com “equilíbrio cuidadoso” você quiser dizer que tinham uma ideia concreta sobre o limite e a natureza do equilíbrio de poder entre os estados e o governo federal, então isto não é correto.
ConJur — Mas essa é uma questão recorrente no embate político no país. O Partido Republicano questiona a lei de reforma do sistema financeiro e a criação de um sistema público de saúde em nível nacional com base nesse argumento e, quase sempre, apela à redução do tamanho e dos poderes da administração federal com base na suposta intenção dos fundadores da nação.
Edward Purcell — Sim. A questão é que quando o país foi concebido, os fundadores estabeleceram uma nação de estados independentes que poderia agregar mais e mais estados, o que fizemos durante os séculos 19 e 20. Temos então um governo federal constituído por três poderes, e um desses poderes é o Congresso dividido em duas partes, com cada uma dispondo de certas atribuições e limites estabelecidos pela Constituição. Porém, como os poderes devem se relacionar um com o outro e quão longe cada um deles pode ir nessa relação, isso não foi claramente abordado. Também não ficou detalhado como, por exemplo, um dos poderes deve interagir com os outros dois ou como dois dos poderes interagem ou confrontam um terceiro. Por isso, não acredito que houve uma concepção de equilíbrio original. Mesmo em nível federal, não há uma ideia de equilíbrio além do entendimento que os três poderes estabelecidos seriam permanentes, inextinguíveis e capazes de fiscalizar um ao outro.
ConJur — Quer dizer, a Constituição não estabeleceu como devem interagir os três poderes e nem como se dá a atribuição compartilhada.
Edward Purcell — Exatamente. Por exemplo, as leis de comércio são a maior fonte de poder federal. Mas nunca esteve claro o que exatamente a cláusula de comércio [na Constituição] significava ou quão ampla deveria ser sua interpretação. Ao longo do tempo, seu entendimento mudou de muitas formas. Não apenas a cláusula comercial em si, mas o que chamamos de "Cláusula de Comércio Dormente”, que tratam do efeito que essa lei comercial prevista na Constituição exerce sobre o trabalho legislativo quando o Congresso faz leis sobre comércio. [Também conhecida nos EUA como "Cláusula Negativa de Comércio", são as diretrizes legais estabelecidas pela Suprema Corte que os tribunais consideram quando avaliam a extensão da Cláusula de Comércio do Artigo 1º da Constituição americana]. Isso nos leva de volta ao século 19 quando a Suprema Corte definiu termos constitucionais para orientar e limitar as leis feitas nos estados. Ou seja, até onde chega o que a Constituição estabeleceu de forma ampla e vaga? A questão é que a Suprema Corte não conseguiu, neste caso, especificar até onde essas leis “amplas e vagas” podem ir, como devem orientar o trabalho dos legisladores quando estes propõem novas leis. Os termos estabelecidos pela corte, nos caso da cláusula comercial, podem ser interpretados de formas diferentes. Os outros elementos que estabelecem a divisão entre os poderes e, também entre o nível federal e estadual, sofrem da mesma ambiguidade. Você não chega a lugar algum questionando “o que os fundadores intencionavam?” Eles simplesmente não tinham uma intenção original para estas questões.
ConJur — Eles tinham algumas preocupações e estabeleceram parâmetros para elas, certo?
Edward Purcell — Em alguns pontos, tinham uma intenção original, mas não lidavam com o tipo de problema que lidamos hoje. E, de fato, esses problemas devem ser pensados de forma pragmática e prática dentro de certos limites constitucionais. É evidente, por exemplo, que o governo federal não pode abolir um dos 50 estados. A autoridade do governo federal tem, portanto, limites em relação aos estados, assim como os estados têm de observar a Constituição ao se organizarem. Mas os termos dessa relação não foram detalhados. Isso é o que argumento em meu livro. Este é um assunto de extrema relevância aqui nos Estados Unidos, porque, nos últimos 25 anos, um grande número de pessoas tem chamado a si mesmas de originalistas e apresentam uma série de argumentos sobre essas questões, sobre a intenção dos fundadores da nação. Não se trata apenas de dizer que o originalismo tem uma série de incongruências analíticas, mas questionar a fonte sobre a qual ele se ampara. O argumento de que não se pode discutir certos aspectos das leis por contrariar a natureza original da Constituição apareceu depois da Constituição, não surgiu com ela.
ConJur — Qual é a maior peculiaridade do sistema de Justiça dos Estados Unidos? O que o torna diferente de outros países no mundo?
Edward Purcell — Em termos de comparação, não conheço o suficiente sobre outros sistemas legais. Uma das semelhanças é que, ao longo dos tempos, mais países têm adotado o modelo de uma corte suprema como instituição, com outro nome talvez, mas com a mesma ideia de que o processo judicial é a forma conhecida mais eficaz de resolver determinadas questões constitucionais. Suponho que os EUA exerceram e exercem alguma influência nesse sentido em outros sistemas jurídicos a partir de nosso modelo de Suprema Corte. O mesmo ocorre com o federalismo, que tornou-se um sistema de organização política relativamente comum. Muito depende de como você define “federalismo”, mas, em termos gerais, cerca de 2/3 dos países no mundo se organizam em alguma forma de sistema federal. Os modelos de federalismo adotados por outros países são diferentes em inúmeras formas, mas a ideia de unidades que desfrutam de um grau de independência, mas compartilham de uma união política é mesma. A União Europeia é um exemplo recente de como um grupo heterogêneo de países pode ir em direção a este sistema, embora seja um caso distinto por estarmos falando de nações autônomas e soberanas.
ConJur — Como avalia o trabalho da imprensa americana ao cobrir a Justiça? Como atuam as emissoras de televisão, os jornais, as revistas em termos de profundidade, imparcialidade e impacto junto à opinião pública?
Edward Purcell — Isso também é muito difícil de avaliar. Eu acompanho o New York Times e a qualidade do que fazem é bastante boa. Eles já tiveram correspondentes muito bons nessa área, especialmente na cobertura da atuação da Suprema Corte. O acompanhamento de casos é consistente e mantém uma boa regularidade. Eu vivi em outras cidades do país e, comparando como o NYT, a cobertura feita por outros jornais costuma ser menos ampla e menos informativa. Já a TV transmite algumas informações básicas, mas é muito irregular. Os canais de jornalismo da TV a cabo, definitivamente, não contribuem em nada em termos de se pensar seriamente sobre Justiça. De fato, o noticiário da TV a cabo piora as coisas. Às vezes, não posso deixar de concluir que os canais de jornalismo da TV a cabo nos Estados Unidos foram a pior coisa que nos aconteceu nessa área. É provavelmente um exagero de minha parte, mas o que quero dizer é que algumas coisas são realmente terríveis.
ConJur — O senhor se refere à polarização entre emissoras conservadoras e liberais?
Edward Purcell — Também. Parte do problema é que reportar qualquer tipo de coisa que ocorre em um tribunal durante um caso significativo é um trabalho complexo e não depende só de considerações acerca da lei e política. Em alguns casos, as especificidades de um processo podem ser muito interessantes em certo sentido e despertar a atenção da opinião pública, mas, em termos jurídicos, serem irrelevantes. Sem mencionar o apelo que o sensacionalismo e as personagens envolvidas exercem na mídia. Reportar casos como os que estão na Suprema Corte de forma pertinente, inteligente e informativa, é um trabalho muito duro.
ConJur — Como o senhor avalia a resistência do Partido Republicano em relação à reforma do sistema de saúde no país promovida pela administração do presidente Obama? Trata-se de uma avalanche de processos judiciais para tentar embargar a implantação de um sistema público de saúde nos Estados Unidos.
Edward Purcell — Em primeiro lugar, apoio a iniciativa de se criar um sistema público de saúde. A reforma deveria ser ainda mais ampla e consistente, mas, sem dúvida, é um passo importante na direção certa. O que provoca essa oposição irascível? Esta é uma fascinante pergunta empírica. É muito difícil compreender exatamente o que significa isso tudo, o que os opositores reivindicam, de fato. Eles alegam que os custos aos cofres públicos serão catastróficos e que os benefícios estabelecidos pelo sistema de Seguro Social [a previdência social dos EUA] e pelo Medicare [o plano de saúde do governo para idosos e cidadãos que se adequam a certos critérios prestabelecidos] serão arruinados. Alguns dos críticos da reforma têm ainda falado sobre socialismo, sobre esta ser uma reforma de natureza socialista. É evidente que não existe qualquer compreensão sobre o que é socialismo e o que ele representou, e esta me parece o pior e mais baixo tipo de polêmica política. E claro, há preocupações legítimas em termos de orçamento, sobre que efeitos a expansão do sistema público de saúde irá causar ao sistema em vigor, o Medicare, sobre como conceder benefícios há 40, 50 milhões de pessoas e controlar os custos. Estas são questões sérias e legítimas. Mas, ao mesmo tempo, a disputa política e as coisas que estão sendo ditas, essas críticas todas passam ao largo de preocupações mais sérias.
ConJur — Como o senhor avalia a eficiência e a rapidez da Justiça nos EUA, em termos de custos e tempo médio até o encerramento do processo?
Edward Purcell — Este certamente é um problema nos Estados Unidos assim como na maioria dos sistemas legais mundo afora, eu imagino. Considerando os recursos e a decisão final, podemos falar de anos. Três, quatro, cinco ou mesmo dez anos. Sabemos, empiricamente, que a maioria dos agravos não chega aos tribunais. São resolvidos pelas partes, de uma forma ou outra. As queixas que chegam à corte, não estou familiarizado com as últimas estatísticas — elas variam entre cada jurisdição — mas estão entre 96% e 98%. Destes, proporcionalmente, a maioria é encerrada com o acordo entre as partes perante o juiz, sendo que uma minoria vai a julgamento. Desta minoria, poucos chegam às cortes de apelação. E por fim, quase nenhum chega à Suprema Corte. É como a imagem de uma pirâmide, você já deve ter visto uma dessas imagens, com as queixas que terminam com acordos ocupando a base, seguidas pelas que vão a julgamento e, então, logo acima, os processos que tiveram recursos, e aí por diante, até o topo, com os raros casos que chegam à Suprema Corte. A maioria dos casos se resolve com acordos ou na primeira instância, mas uma das considerações a serem feitas é quanto tempo leva para que casos como estes se encerrem? Se você é o autor da ação e sabe que o réu pode fazer você esperar por cinco anos para receber seu dinheiro, a melhor coisa a fazer, em certas circunstâncias, é negociar, abrir mão de parte do que avalia ser seu direito, para antecipar a resolução. Em outras palavras, você troca dinheiro por tempo.
ConJur — Isso não acontece apenas por conta de o sistema ser lento, certo?
Edward Purcell — Certo. Eu explorei o tema em meu segundo livro, Litígio e desigualdade. Mesmo em casos em que podem se resolver muito rapidamente, que não levam muito tempo para serem concluídos, a espera e o atraso podem vir a desempenhar um papel determinante e acabam por redefinir o caráter e os limites da ação. Desse modo, a forma como você vai lidar com o tempo, sua flexibilidade em esperar e fazer ou não concessões é que acaba por determinar o perfil do processo. O atraso não é mera questão em termos de espera e prazos.
ConJur — Mas em questões complexas você pode esperar por anos?
Edward Purcell — Sim, este também é um problema aqui nos EUA. Tanto que instituições como a Suprema Corte têm criado programas de incentivo à resolução de casos via mediação e acordo. Uma série de outras formas para se resolver questões legais têm sido implantadas, sobretudo nos últimos 20, 30 anos. Por exemplo, é muito comum que as partes assinem contrato de prestação de serviços com juízes aposentados ou com advogados experientes, a fim de evitar os tribunais e agilizar o procedimento perante a lei. Há vantagens e desvantagens, claro. Você pode economizar tempo e dinheiro assim. Porém, muitas vezes, a simplificação pode levar a erros, a negligenciar certos aspectos do processo, que passam despercebidos. Pode ocorrer que uma das partes saia, eventualmente, prejudicada. Não é sempre que o resultado obtido na negociação corresponde ao que ocorreria em um tribunal, em frente ao juiz.

Conluio entre crime organizado e policiais

O Globo 14 fevereiro 2011.

FAXINA NA POLÍCIA

Fogo cruzadoChefe da Polícia Civil acusa de extorsão delegado que ajudou PF a prender corruptos

Vera Araújo e Sérgio Ramalho


Dois dias após ter sido convocado a explicar na Polícia Federal o envolvimento de seu ex-subchefe operacional com uma quadrilha ligada ao desvio e venda de armas a traficantes, o chefe da Polícia Civil, delegado Allan Turnowski, determinou uma devassa na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que teve as portas lacradas, no fim da tarde de ontem. Foi na unidade que começou parte da investigação que resultou na Operação Guilhotina, na qual o delegado Carlos Antônio Luiz Oliveira - ex-braço direito de Turnowski - foi preso. A iniciativa de investigar a Draco, segundo o chefe da Polícia Civil, foi tomada a partir de denúncias sobre o suposto envolvimento da equipe da unidade em extorsões contra empresários.
Procurado pelo GLOBO, o delegado Claudio Ferraz disse que não iria se pronunciar sobre a decisão de Turnowski. Na quinta-feira, Ferraz foi nomeado pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, subsecretário da Contra Inteligência. Na mesma ocasião, Beltrame determinou que a Draco voltasse a ficar sob o comando direto da Secretaria de Segurança, saindo assim da estrutura hierárquica da Polícia Civil. O GLOBO tentou ouvir Beltrame sobre a iniciativa de Turnowski, mas, segundo a assessoria de imprensa, o secretário só falará hoje a respeito do caso. Beltrame, segundo sua assessoria, iria a Brasília, mas mudou a agenda para acompanhar o desfecho do episódio. Ainda de acordo com a assessoria, ele preferiu não responder se a iniciativa de Turnowski seria uma represália à equipe da Draco.

Beltrame informado sobre devassa

Turnowski justificou a iniciativa dizendo que há denúncias graves de corrupção por parte de empresários contra o diretor da especializada e seu chefe de investigações, Jorge Gherard. A atitude de Turnowski agrava ainda mais a crise na Polícia Civil. Na semana passada, o ex-subchefe da instituição, o delegado Carlos Antonio Luiz Oliveira, foi preso na Operação Guilhotina da Polícia Federal. Ele e mais 37 pessoas, incluindo 29 policiais são suspeitos de vários crimes, entre eles desviar armas apreendidas em operações e vendê-las a traficantes. O delegado Carlos Oliveira também é apontado como chefe da milícia que atuava na favela Roquete Pinto, em Ramos.
Segundo Turnowski, a decisão de fazer uma devassa na Draco foi comunicada a Beltrame, que já havia dito, semana passada, que quer fazer uma limpeza na Polícia Civil. Um dia após a operação, Beltrame havia dito em entrevista ao RJ-TV, da Rede Globo, que ninguém estava garantido no cargo e que nenhum subordinado tinha carta branca, referindo-se ao chefa da Polícia Civil. Beltrame acrescentou que não adiantava apresentar resultado sem lisura ou lisura sem resultado.
Após Turnowski determinar a interdição da Draco, uma equipe da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) esteve no prédio, onde funciona a sede da unidade, no Centro, para lacrar a porta. A determinação é de que a Corregedoria Interna da Polícia Civil faça uma correição extraordinária na delegacia, antes de Ferraz passar o cargo ao delegado Fernando Capote.
Há pelo menos três meses, uma disputa interna teria sido iniciada na cúpula da Polícia Civil. O pivô seria a mudança de comando na corporação. Na ocasião, os nomes de dois delegados - Claudio Ferraz e Rivaldo Barbosa, então subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança - foram cogitados como possíveis sucessores de Turnowski.
Turnowski ingressou na Polícia Civil em 1996, depois de passar no concurso para delegado de polícia. Desde então, ele atuou na 16ª DP (Barra da Tijuca), na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos (DRFA), sendo promovido a Diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE), onde ficou por seis anos. Neste último cargo, ele foi nomeado pelo ex-chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins - que chegou a ser preso por formação de quadrilha e ainda responde a processo por lavagem de dinheiro - e mantido pelo sucessor dele, Gilberto Ribeiro. Ele assumiu o cargo de chefe de Polícia em março do ano passado.