domingo, 30 de março de 2014

Estado de exceção no Rio?



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Brasil vive estado de exceção por Copa, diz Guardian

Segundo jornal britânico, ao optar pela presença do exército no Complexo da Maré em vez de uma UPP, governo brasileiro mostra que pode ir longe para não passar vergonha na Copa





Policiais em ação no Complexo da Maré: "nas favelas ou n ruas, o estado fará de tudo para garantir que ninguém estrague a festa", diz The Guardian
São Paulo - "Como o Brasil vai manter a festa da Copa do Mundo rolando?", pergunta o título de uma reportagem do jornal britânico The Guardian. A resposta é dada pelo próprio texto: mandando o exército.
O artigo, assinado pelo jornalista Benjamin Parkin, faz duras críticas à decisão do governo do Rio de Janeiro, junto ao governo federal, de ocupar o Complexo de favelas da Maré com militares do exército.
O problema não é a presença do exército em si, afinal a presença do estado é necessária para combater as milícias e o tráfico presentes no Complexo, mas o jornal questiona os motivos e o modo como tudo está sendo feito.
Uma das questões levantandas, por exemplo, é de por que optar pelo exército e não por uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). 
"Esta demonstração de força mostra que o governo brasileiro está caminhando para a criação de um estado de exceção que vai garantir que o país não se envergonhe [na Copa]", diz Parkin.
"Quer se trate de violência nas favelas ou dos protestos nas ruas, o estado fará de tudo para garantir que ninguém estrague a festa", diz.
Na última segunda-feira, faltando menos de 80 dias para o início da Copa do Mundo no Brasil, o governo do Rio de Janeiro anunciou que o exército vai, a partir do dia 7 de abril e por período indefinido, ocupar o Complexo da Maré.
A explicação oficial dada pelo governo é a de que a força nacional é necessária para conter a escalada de violência vista nos últimos dias.
Na semana passada, criminosos atearam fogo a bases de UPPs no conjunto de favelas Manguinhos/Mandela, na zona norte, onde três áreas com UPP foram alvo de ataques.
O The Guardian destaca que nenhum destes ataques foi no Complexo da Maré. A facção criminosa apontada por autoridades como responsável por comandar os ataques dos últimos dias tem uma presença pequena neste conjunto de favelas.
"O anúncio de que o exército vai ocupar a Maré é surpreendente, não só porque lá ainda não tem uma UPP, como também por não estar envolvida nos epísódios recentes de violência. Por que, então, o governo determinou a ocupação da Maré e não de outros lugares que foram palco de conflito?", questiona o jornalista.
Para o jornal, pelo fato da Maré estar localizada na rota que leva do aeroporto ao centro da cidade, isto é, é um lugar de grande visibilidade e importância "estratégica" que tem pouca ou nenhuma presença do Estado.
"Com a publicidade da recente violência contra a polícia em outras partes da cidade, o governo que viu uma oportunidade para ignorar temporariamente o programa UPP, cuja vulnerabilidade foi exposta, e qualquer pretensão de policiamento comunitário ou as iniciativas sociais que vieram com ele", critica Parkin.
Ao invés de implantar uma UPP, diz o jornalista, o poder público opta por uma "militarização sem precedentes".
"Terá um soldado para cada 55 habitantes, em comparação com a média do Estado que é de um para 369 pessoas, permitindo-lhes o máximo controle por um período uma "indefinido" antes de uma UPP ser, enventualmente, implantada. Ou melhor, durante o tempo que eles precisarem para se certificar que Copa do Mundo corra bem", conclui.


sexta-feira, 28 de março de 2014

As FFAA como poder moderador



Folha de S. Paulo, 28 de março de 2014.
Entrevista - Leônidas Pires Gonçalves
TUDO SOBRE A DITADURA MILITAR
Os militares nunca foram intrusos na história brasileira
GENERAL QUE COMANDOU EXÉRCITO NA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA AFIRMA QUE A ESQUERDA VENCEU NO 'TAPETÃO' E QUE A VERDADE É 'FILHA DO PODER'
LUCAS FERRAZ ENVIADO ESPECIAL AO RIO
General responsável por comandar o Exército durante a transição democrática, a partir de 1985, Leônidas Pires Gonçalves, 94, não esconde seu ressentimento com a maneira como a ditadura é vista atualmente.
"A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos da história. Mas, infelizmente, a história contada hoje é mentirosa. Há muita safadeza", afirma.
O ministro do Exército do governo Sarney defende com ardor o golpe dado por militares e civis contra o presidente João Goulart, forma para ele de defender a "liberdade". À época, Leônidas era tenente-coronel e, por isso, se autodefine como "um dos revolucionários históricos".
Leia trechos da entrevista.
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Folha - Passados 50 anos do golpe, por que o Exército ainda não fez uma autocrítica?
Leônidas Pires Gonçalves - O Exército não é intruso da história brasileira, mas um instrumento da vontade nacional. Atendemos aos apelos veementes da sociedade. Se as coisas continuassem como eram no governo João Goulart, não teríamos democracia nem liberdade. Sou muito feliz por ter nossa democracia, levamos 20 anos para chegar nela. Está pensando que não sou democrata? O episódio do comunismo no Brasil, do qual a revolução de 1964 faz parte, é contado de forma safada. Há safadeza histórica.
Não deveria haver uma análise realista do passado?
Dói para se acabar com um tumor. No começo da revolução, esperávamos confronto militar. Mas depois vimos que o dispositivo militar do governo Jango não existia. Jango, aliás, não tinha nada de comunista, era um bon vivant, fazendeiro. A revolução não é cartesiana. É uma aparente confusão, mas tem definição bem nítida. Cortamos na própria carne. Fizemos isso e ninguém lembra. Quantos oficiais foram cassados? Não sei, mas foram centenas.
Isso sem falar na cassação de políticos, torturas e mortes.
A esquerda dominou completamente o pensamento e a mídia. Sua geração foi impactada pelo veneno da esquerda. O Exército é poder moderador, garantidor da lei e da ordem. Evitamos a quebra do país. Ninguém fala o que eles [a esquerda] fizeram, preferem falar da bomba do Riocentro, quando dois idiotas fizeram aquilo. Fizemos uma coisa civilizada, chamada cassação, que é a mesma coisa do chamado ostracismo da Grécia. A revolução de 1964 foi absolutamente democrática. Não tivemos ditador, mas sucessivos presidentes eleitos. Votação indireta, mas não ilegítima. Todos eleitos pelo Congresso. Já vi que sua posição é meio esquisita.
Não havia liberdade, eram tempos de exceção.
Se houve algo, foi pressão política. Isso sim. Mas a revolução não matou ninguém. Eles [a esquerda] montam essas teorias, isso nos irrita profundamente. O que aconteceu é que a subversão virou radicalmente, o que era para fazer? Não se esqueça que toda ação tem uma reação igual. Eram canalhas, matavam, assaltavam bancos e joalherias, no caso do sequestro do embaixador [americano Charles Elbrick, em 1969], desmoralizou o Brasil perante o mundo. São canalhas!
A tortura o sr. reconhece?
Houve. Você não controla a raça humana. Não gosto de falar sobre o tema, não por não me orgulhar do Exército, mas acho que temos problemas maiores para ficarmos olhando para trás. Você quer parar o país por causa de quatro, cinco mortos? Ganharam no tapetão. Não querem falar da subversão, só falam de 1964 a partir do prisma da revolução. Mas a revolução não foi limpinha, também cometemos equívocos.
Por que o Exército ainda defende militares criminosos?
O militar cumpre ordens. Contra bandido, você não pode fazer outra coisa. Na hora da guerra, é matar. Não somos pacifistas na hora da guerra. O soldado é o cidadão de uniforme para exercício cívico da violência.
Por que a Comissão da Verdade incomoda tanto?
Por que a verdade, entre aspas, é filha do poder.

domingo, 23 de março de 2014

Marchas contra e a favor



Folha de S. Paulo, 23 de março de 2014.
Manifestantes contra e a favor da ditadura militar marcham em SP
Cada evento reuniu cerca de 800 manifestantes, segundo a PM
DE SÃO PAULO
Quatro pessoas foram detidas ontem, em São Paulo, durante a Marcha da Família com Deus. Segundo a Polícia Militar, 700 pessoas compareceram ao evento, que percorreu o centro da cidade.
Os organizadores discursaram exaltando militares e criticando sobretudo governos do PT. Também havia cartazes contra o governo paulista, do PSDB.
Muitos participantes carregavam a bandeira do Brasil e cartazes de apoio à Polícia Militar e contra o comunismo.
No trio elétrico dos organizadores, no qual uma estátua de Nossa Senhora de Fátima foi exibida, uma faixa dizia "FFAA [Forças Armadas] já".
Houve pequenas confusões. Uma jovem contrária ao ato foi hostilizada pelos manifestantes e acabou retirada pela polícia. Um PM e um dos detidos ficaram feridos.
Os manifestantes não se cruzaram com os de um segundo evento, a Marcha Antigolpista Ditadura Nunca Mais --convocada justamente em resposta à Marcha da Família.
Cerca de 800 pessoas estiveram nesse ato, segundo a PM. Uma pessoa foi detida.
Entre os manifestantes, em sua maioria ligados a partidos de esquerda e sindicatos, havia alguns mascarados. Do carro de som vinham discursos contra a ditadura e a PM.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) cantou "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré.
As duas marchas foram seguidas por 900 policiais.
No Rio, 150 pessoas participaram da Marcha da Família com Deus. No final, manifestantes trocaram xingamentos com críticos e policiais contiveram uma briga.

Poder de veto militar



Folha de S. Paulo, 23 de março de 2014.

Silêncio de militares não é compatível com a democracia

BERNARDO MELLO FRANCO
DO RIO
Uma das principais pesquisadoras da era Vargas e da ditadura militar, a cientista política Maria Celina D'Araújo critica o silêncio das Forças Armadas sobre os crimes da ditadura de 1964.
"É surpreendente que, 50 anos depois do golpe, as Forças Armadas ainda tratem os crimes da ditadura como um segredo de Estado", diz.
Professora da PUC-Rio, ela é coautora da entrevista histórica em que o presidente Ernesto Geisel (1907-1996) disse que a tortura "em certos casos torna-se necessária para obter confissões".
*
Folha - Nos 50 anos do golpe, surgem novas revelações sobre práticas da ditadura. Como avalia este momento?
Maria Celina D'Araújo - A Comissão da Verdade está dando um passo importante, embora tardio, ao pegar depoimentos de quem efetivamente prendeu e torturou.
Há um pacto de silêncio, embora alguns militares estejam admitindo certas coisas. É surpreendente que até hoje, 50 anos depois do golpe, as Forças Armadas ainda façam disso um tabu, segredo de Estado. A repressão é um tema em que não aceitam mexer.
Embora alguns oficiais estejam reconhecendo sua atuação, a instituição não faz o mesmo. É um paradoxo. Por que não admitem que, em dado momento da história, também erraram?
Qual é a sua hipótese?
Os militares pensam ter a prerrogativa de construir sua memória. Quando alguém diz "sobre mim, só podem falar o que eu quero", temos um problema sério. Essa ideia é incompatível com a sociedade democrática.
Hoje as Forças Armadas exercem poder de veto no Brasil, porque têm a capacidade de impedir que informações venham a público. Quando um ator político tem poder de veto, não há democracia.
Como isso ocorre na prática?
Desde a Anistia, historiadores e jornalistas procuram saber o que aconteceu. Os militares escondem documentos, não atendem a ordens de autoridades para apresentá-los. Isso é muito grave.
As Forças Armadas mantêm um espírito de corpo forte. Seria construtivo se elas revissem seu papel, mas o valor que prevalece é "nós salvamos o Brasil do comunismo, então não importam os meios". É uma visão tacanha da história. Não há espaço para autocrítica.
Como vê o país na comparação com os vizinhos?
Na América do Sul, somos o único país em que ninguém foi responsabilizado individualmente pelos crimes da ditadura. O Estado assumiu a culpa e pronto.
Nossa Anistia foi uma autoanistia, os militares perdoaram a si mesmos. Isso aconteceu em lugares como Chile e Argentina, mas depois as pessoas foram julgadas.
Os últimos governos têm lidado melhor com o tema?
O governo Lula foi um retrocesso muito grande. Veja a demissão do José Viegas do Ministério da Defesa [em 2004]. O general Francisco Albuquerque, comandante do Exército, fez um manifesto defendendo o golpe de 1964 sem consultar o ministro, seu chefe. Era uma dupla irregularidade, porque militar não pode fazer manifestação política e houve quebra da hierarquia, mas Lula demitiu o ministro e manteve o comandante no cargo.
Depois, o Tarso Genro, que era ministro da Justiça, declarou que era favorável a rever a Lei da Anistia para que os militares respondessem por crimes contra a humanidade. O que o Lula disse? "Não se toca mais neste assunto". Ele tinha uma atitude reverencial com as Forças Armadas.
Houve avanços com Dilma, que foi torturada no regime?
A mudança foi a criação da Comissão da Verdade, mas com limitações, sem poder para investigar e julgar. A Anistia foi referendada pelo STF. Como presidente da República, ela não poderia fazer nada diferente.

Travas



Folha de S.Paulo,  23 de março de 2014

Investigações sobre a ditadura são travadas pelas Forças Armadas

LUCAS FERRAZ
DE SÃO PAULO
BERNARDO MELLO FRANCO
DO RIO

Desde que foi criada, em maio de 2012, a comissão não recebeu nenhuma informação relevante do Exército, Marinha ou Aeronáutica, segundo levantamento feito a pedido da Folha.
Oficialmente, o discurso é outro: o Ministério da Defesa e as três Forças afirmam que estão colaborando.
A comissão requereu a relação de oficiais que serviram em órgãos da repressão, questionando ainda quais foram as bases militares utilizadas. Não houve resposta.
De um pedido de informação sobre 60 militares, somente a Marinha respondeu, apresentando o nome de dois. Nenhum dado foi obtido de um outro requerimento que cobrava dados sobre 309 casos de torturas, mortes e desaparecimentos.
Procuradores responsáveis pelas investigações dos crimes do período dizem o mesmo: a falta de colaboração atrapalha o andamento de inquéritos abertos em diversos Estados com o objetivo de questionar a validade da Lei da Anistia em casos de desaparecimento forçado.
Cinquenta anos após o golpe, Exército, Marinha e Aeronáutica chegam até a enviar aos seus superiores hierárquicos, como a Defesa e a Presidência da República, informações comprovadamente falsas.
Embora sejam dos órgãos federais os que mais respondem aos pedidos da Lei de Acesso à Informação (índice superior a 95%, de acordo com a Controladoria Geral da União), as três Forças adotam tática protocolar de apresentar informações superficiais ou incompletas.
Segundo um ex-ministro da Defesa do governo Lula, as Forças Armadas se especializaram em repassar "informações minimalistas", sem se comprometer.
A preocupação é de que a abertura dos arquivos possa incriminar militares pela tortura ou morte de opositores.
"Essa prática demonstra um claro compromisso institucional com as graves violações da época", diz Pedro Dallari, coordenador da Comissão Nacional da Verdade.
O boicote dos militares também prejudica o trabalho do Ministério Público Federal. "Quando pedimos informações, o tratamento costuma ser cordial, mas os resultados são mínimos", conta o procurador Marlon Weichert.
No Rio, procuradores que investigam casos como o atentado do Riocentro esbarram no mesmo boicote. O Exército tem se negado a prestar informações básicas como a ficha funcional de oficiais e o controle de entrada dos quarteis.
Em São Paulo, num outro inquérito, o Exército informou não ter qualquer registro funcional de oficiais reformados que recebem aposentadoria. "Como a Força pode pagar um benefício a alguém que não conhece? É um disparate", reage Weichert.