quarta-feira, 30 de março de 2011

Desordem dos fatores

O Estado de S. Paulo 29 março 2011

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Desordem dos fatores


Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
O Poder Legislativo anda tão fragilizado e desmoralizado que determinadas propostas com teor de subtração flagrante de suas prerrogativas são feitas com naturalidade e até aceitas como perfeitamente lógicas.
Exemplo disso é a sugestão que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, pretende fazer à presidente Dilma Rousseff: o envio dos projetos aprovados no Congresso ao STF antes de sancionados pela Presidência da República, a fim de evitar o exame posterior da constitucionalidade da legislação.
Peluso se manifestou em função da polêmica suscitada pelo exame da Lei da Ficha Limpa e das consequências decorrentes do fato de a decisão ter ocorrido só após as eleições.
"Se houvesse consulta prévia ao STF a Lei da Ficha Limpa não teria gerado tanta discussão sobre sua constitucionalidade", argumentou Peluso ao anunciar, na sexta-feira, que iria apresentar a proposta de controle constitucional prévio à presidente.
Se não é de espantar - dado o papel de irrelevância que o próprio Congresso se impõe -, é de se lamentar a sem-cerimônia com que o presidente do Supremo aborda uma questão cujo conteúdo subtrai poderes do Legislativo e permite que o Judiciário exerça interferência prévia em decisões do Congresso.
Principalmente porque, a despeito de qualquer alteração dessa natureza necessitar de aprovação de três quintos dos parlamentares da Câmara e do Senado (quórum para emenda constitucional), Cezar Peluso achou por bem excluir o Parlamento da discussão, estabelecendo linha direta com o Executivo.
Pode ser um método mais prático, mas não é uma prática condizente com a repartição de Poderes ora em vigor na República. A menos que a proposta do presidente do STF inclua também a revisão desses preceitos, o que requereria uma ampla revisão da Constituição.
Há no Legislativo e no Executivo, instrumentos de controle de constitucionalidade que dispensam a criação do atalho proposto. As Comissões de Constituição e Justiça, no Congresso, e as assessorias da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil e do Ministério da Justiça, no Executivo.
Se funcionam precariamente é uma questão que não se resolve fazendo do Supremo um órgão de consultoria permanente.
Vale lembrar, a propósito, que nem o STF está livre de cometer inconstitucionalidades em suas decisões administrativas.
A proposta enviada pelo próprio Peluso tempos atrás ao Congresso sobre a instituição de reajustes automáticos para os salários dos ministros é considerada por integrantes do tribunal como passível de contestação judicial.
Além disso, como pondera o senador Demóstenes Torres, as contestações constitucionais resultantes de leis aprovadas não são significativas a ponto de constituírem um problema institucional, até porque 80% da produção legislativa tem origem em projetos do Executivo. "Que não iria submetê-los ao crivo prévio do STF."
Na opinião do senador, o presidente do Supremo cria uma polêmica desnecessária. "Na questão da Ficha Limpa não podemos esquecer que o impasse só se prolongou porque o ministro Peluso se recusou a dar o voto de Minerva no empate. Não estaria, como argumentou, conferindo-se poder absoluto, mas cumprindo uma prerrogativa que lhe dá o regimento."

quem não tem cão caça com curió

O Estado de S. Paulo 30 março 2011



MP busca pistas sobre Araguaia na casa de Curió



Fausto Macedo
Brasília

Em busca de pistas para a identificação dos mortos da guerrilha do Araguaia, o Ministério Público Federal vasculhou ontem em Brasília dois endereços residendais do oficial da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió. Diversos documentos, um computador e uma arma sem registro foram apreendidos.
Curió concedeu recente entrevista ao Estado, na qual admitiu que pelo menos 41 militantes foram executados após serem dominados por patrulhas do exército que ocuparam a região entre 1972 e 1975. Ao saber da inspeção, Curió pediu para ser ouvido. Depois do depoimento a 1ª Vara da Justiça Federal, foi levado a Superintendência da PF no Distrito Federal para ser autuado em flagrante pelo porte ilegal de arma.



Outra cultura

Coreeio Braziliense 30 março 2011

Alon Feuerwerker 

Outra cultura
Barack Obama passou pelo Brasil sem dar entrevista coletiva. Mas deu no Chile. Donde se deduz que a opção de não fazer uma coletiva aqui foi das autoridades brasileiras. Paciência, estão no seu direito.
Quem ocupa o poder costuma ver transtorno na obrigação de comunicar-se em momentos e situações não ideais. Mas é o contrário, o poder comunicar-se eficazmente é um ativo dele, poder.
Nesta segunda-feira, Obama explicou longamente pela TV aos americanos o que os Estados Unidos fazem na Líbia. Fez um discurso com começo, meio e fim. Houve quem concordasse e houve quem não, mas a explicação — ou a tentativa de — está ali.
É outra cultura política, em que se explicar faz parte do trabalho de quem governa.

relações controladas

Jornal do Commercio 29 março 2011-- Reporter JC


» RELAÇÕES CONTROLADAS
O Ministério da Defesa redige o Livro Branco da Defesa, mas não convidou acadêmicos com opiniões críticas sobre as relações entre civis e militares. Será que o ministro Nelson Jobim (foto) deseja uma comissão chapa-branca para legitimar suas posições?

segunda-feira, 28 de março de 2011

Caixa desperdiça dinheiro público no banco Panamericano

O Estado de S. Paulo 28 março 2011--editorial

A Caixa e a política de Lula

28 de março de 2011 | 0h 00

O maior erro de Maria Fernanda Coelho na presidência da Caixa Econômica Federal, a compra de uma participação de 35,5% no Banco Panamericano, foi antes de mais nada um erro do governo. Ela foi a responsável direta por um mau negócio, a aplicação de cerca de R$ 740 milhões numa instituição financeira em péssimo estado, como ficou demonstrado, no fim de 2010, com a descoberta de um rombo de R$ 4 bilhões. Mas, ao associar-se ao banco do empresário Silvio Santos, a presidente da Caixa estava apenas executando uma política fundamentalmente equivocada do governo a que servia, que a levava a meter-se onde não devia, para implementar uma estratégia oficial de expansão da máquina de governo e de centralização econômica. Se o Panamericano fosse um banco saudável e o negócio se mostrasse lucrativo, ainda assim a decisão refletiria uma orientação política indesejável.
Houve dois erros, portanto, nessa história. O mais visível, mais comentado e mais criticado foi de natureza administrativa. A transação foi concluída sem a necessária análise do objeto comprado. Faltou - ou foi mal executada - a chamada "due diligence". Foi um caso de descuido ou de incrível falha técnica. Os desmandos no Panamericano haviam começado, segundo indicaram as investigações conhecidas até hoje, bem antes do aporte de cerca de R$ 740 milhões. O outro erro foi político e não se pode atribuí-lo aos administradores da Caixa na ocasião do negócio.
A aquisição foi feita por meio da CaixaPar, uma subsidiária criada por meio da Medida Provisória (MP) 443, de 2008. A MP autorizou a Caixa e o Banco do Brasil (BB) a participar de outras instituições e a prestar socorro a bancos em dificuldades. Além disso, a Caixa poderia associar-se a construtoras e incorporadoras.
Esse foi apenas mais um passo na execução de uma ampla estratégia governamental de intervenção direta na atividade econômica. Essa política intervencionista e centralizadora seria executada, em mais de uma ocasião, por meio da escolha de empresas destinadas a serem vencedoras ou, no mínimo, favorecidas pelo poder público. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também seria mobilizado como importante instrumento dessa política.
Não se pode avaliar corretamente o caso do Banco Panamericano sem levar em conta vários outros episódios. A compra de uma participação de 49,9% do Banco Votorantim pelo BB é parte dessa mesma história, assim como o apoio do BNDES à compra da Aracruz pelo Grupo Votorantim, em 2009.
A política de escolha dos vencedores ou dos grandes favorecidos foi executada principalmente por meio do BNDES. Uma das operações mais vistosas, a associação com o Frigorífico Independência, em pouco tempo se revelou desastrosa. A participação foi comprada em novembro de 2008. Em fevereiro de 2009 o frigorífico apresentou à Justiça um pedido de recuperação, isto é, apoio judicial para enfrentar uma situação de insolvência. Também neste caso parece haver sido negligenciada a análise do objeto comprado.
O apoio ao JBS, outro grande frigorífico, também acabou produzindo resultados constrangedores. O grupo pagou no ano passado multa de R$ 520 milhões ao banco, por descumprir o compromisso de abrir o capital de sua subsidiária nos Estados Unidos.
Mas o aspecto mais grave de todos esses episódios, é preciso insistir, não é o mau resultado financeiro deste ou daquele negócio, embora esse ponto seja obviamente relevante. O mais grave é o significado político dessas ações: todas evidenciam, sem deixar espaço para dúvida, a tentativa do governo Lula da Silva de ampliar a intervenção na economia e de centralizar decisões. Por que o BNDES deveria, por exemplo, apoiar uma grande empresa na compra de subsidiárias no exterior?
Esse estilo de política se revelou também nas várias tentativas de intervenção na Vale e na Embraer, empresas privatizadas. Essa inclinação intervencionista e centralizadora não desapareceu, como comprovam as tentativas do governo atual de interferir na direção da Vale e na definição de suas prioridades. Essa inclinação é o grande problema. A ex-presidente da Caixa foi apenas uma peça da máquina executora dessa política.


Desvios patrocinados por um grupos de juízes federais

 Folha de S. Paulo 28 março 2011

 
"Nunca vi coisa tão séria", afirma ministra sobre fraudes de juízes

Corregedora nacional de Justiça afirma que caso de desvios é "emblemático e muito grave"

Investigação revelou que foram fraudados cerca de 700 contratos de empréstimos, alguns em nome de fantasmas


FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

"Em 32 anos de magistratura, nunca vi uma coisa tão séria", diz a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, ao falar das investigações que descobriram um esquema de empréstimos fictícios comandado por magistrados.
"O caso me deixa preocupada, porque está caminhando para a impunidade disciplinar. Mas é emblemático. É muito grave e deixa à mostra a necessidade do Poder Judiciário se posicionar", diz.
Os desvios patrocinados por um grupo de juízes federais a partir de empréstimos concedidos pela Fundação Habitacional do Exército foram objeto de investigação dos próprios magistrados.
Reportagem da Folha revelou que contratos foram celebrados em nome de associados fantasmas da Ajufer e juízes que desconheciam ter feito qualquer empréstimo.
Documentos mostram que, de 2000 a 2009, a Ajufer (Associação dos Juízes Federais da 1ª Região) assinou 810 contratos com a fundação.
Cerca de 700 foram fraudados. Ao menos 140 juízes tiveram os nomes usados sem saber, aponta apuração da própria Ajufer.


 

Folha - Como começou a investigação na corregedoria?
Eliana Calmon -
Tive conhecimento com a ação de cobrança. Chamei o dr. Moacir. Ele me disse que tinha havido vários empréstimos e que colegas não pagaram. Chamei a presidente que o antecedeu, dra. Solange [Salgado]. Então, tive ideia dos desmandos na administração da Ajufer.

Quem mais foi ouvido?
Conversei com o general Burmann [Clovis Jacy Burmann, ex-presidente da fundação do Exército]. Ele me disse que a única pessoa que cuidou dos empréstimos foi o dr. Moacir. Voltei a ele, que me disse tudo. A partir da hora em que ele me confirmou que tinha usado indevidamente o nome dos colegas, eu não tive a menor dúvida.

Ele admitiu a fraude?
Ele admitiu tudo. E que os antecessores e diretores da Ajufer não participaram.

O que a levou a determinar o afastamento do juiz [decisão suspensa pelo STF]?
Os juízes estavam nervosíssimos. Um queria dar queixa na Polícia Federal, o outro queria entrar com uma ação. Teve juiz que chegou a dizer que ia mandar matar o dr. Moacir. Enfim, eu teria que tomar uma posição.

O que a sra. temia?
Meu temor é que ele ocultasse provas ou fizesse incursões. Ele mandou me entregar uma mala de documentos. Os juízes auxiliares ficaram estupefatos de ver os contratos, empréstimos de R$ 300 mil, R$ 400 mil. Causou muita perplexidade encontrar talonários de cheques já assinados pela presidente que o antecedeu.

Por que o TRF-1 não afastou o dr. Moacir, em janeiro, com base na investigação?
O corregedor votou pelo afastamento, mas o tribunal entendeu que era injusto afastá-lo e não afastar os demais envolvidos.

Alguns juízes temem que haja impunidade.
Doutor Moacir era uma pessoa muito simpática e o tribunal tinha dele o melhor conceito. Ficam com "peninha" dele. "Coitadinho dele." Não é coitadinho, porque ele fez coisa gravíssima.

Entre os suspeitos há algum desembargador?
Há ao menos um desembargador envolvido, tomou empréstimo alto, me disse dr. Moacir, e não pagou.

domingo, 27 de março de 2011

Mensalão esvaziado

O Estado de S. Paulo 27 março 2011.

Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão


Em agosto deste ano, 22 réus do processo sobre o pior escândalo da Era Lula vão estar livres de uma das principais acusações
Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O processo de desmantelamento do esquema conhecido como mensalão federal (2005), a pior crise política do governo Lula, já tem data para começar: será a partir da última semana de agosto, quando vai prescrever o crime de formação de quadrilha. O crime, citado por mais de 50 vezes na denúncia do Ministério Público - que foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, é visto como uma espécie de "ação central" do esquema, mas desaparecerá sem que nenhum dos mensaleiros tenha sido julgado. Entre os 38 réus do processo, 22 respondem por formação de quadrilha.
Para além do inevitável, que é a prescrição pelo decorrer do tempo, uma série de articulações, levantadas pelo Estado ao longo dos últimos dois meses, deve sentenciar o mensalão ao esvaziamento. Apontado pelo Ministério Público como o "chefe" do esquema, o ex-ministro José Dirceu parece estar mais próximo da absolvição.
O primeiro sinal político concreto em prol da contestação do processo do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". E nessa trilha, lentamente, réus que aguardam o julgamento estão recuperando forças políticas, ocupando cargos importantes na Esplanada.
Na Corte. Um dos fatos dessa articulação envolveu a indicação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e mostrou a preocupação do governo com o futuro do mensalão na Corte Suprema. Numa sabatina informal com Fux, um integrante do governo perguntou ao então candidato: "Como o senhor votará no mensalão?". Fux deu uma resposta padrão: se houvesse provas, votaria pela condenação; se não houvesse, pela absolvição. Foi uma forma de Fux não se comprometer.
A pergunta foi feita também a outros candidatos à vaga. Até o julgamento do processo, a presidente Dilma Rousseff deverá indicar mais dois integrantes da Corte. Nas novas definições, disseram integrantes do governo ao Estado, haverá a mesma preocupação com o julgamento.
Entre os atuais ministros do STF, causa também certa estranheza o fato de o ministro José Antônio Dias Toffoli participar do julgamento. Advogado do PT, ex-assessor da liderança do partido na Câmara e subordinado a José Dirceu na Casa Civil, Toffoli já participou do julgamento de recursos do mensalão.
Um dos ministros do Supremo lembra que o ex-ministro Francisco Rezek se declarou suspeito de participar do julgamento no STF do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Rezek fora nomeado ministro de Relações Exteriores no governo Collor e depois voltou ao Supremo, indicado também por Collor. Por isso, achava que não teria isenção para julgar o caso.
No governo. Há também em curso costuras políticas para fortalecer petistas réus do mensalão. Um exemplo recente dessa movimentação foi a nomeação do ex-deputado José Genoino, na época do escândalo presidente do PT, para o cargo de assessor especial do Ministério da Defesa pelo ministro Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo, a pedido de petistas.
O PT também conseguiu eleger para a comissão mais importante da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ), João Paulo Cunha (PT-SP), outro réu do mensalão. Segundo políticos que acompanham o processo, a indicação para a CCJ pode garantir-lhe uma certa blindagem.
Obstáculos naturais. Para além de ações políticas com intuito de enfraquecer a tese do mensalão, há empecilhos naturais numa investigação complexa que envolve 38 réus. A começar pela dificuldade de obter provas de todas as denúncias. Ministros do Supremo são unânimes ao dizer que muitos dos réus, inclusive figuras centrais, deverão ser absolvidas.
A história do tribunal mostra que as poucas condenações do STF só ocorreram quando obtidas provas cabais, impossíveis de serem contestadas. Por isso, dizem os ministros, seria praticamente impossível encontrar provas suficientes para condenar José Dirceu por corrupção ativa. Com a prescrição do crime de formação de quadrilha, nada sobraria contra ele no tribunal.
O mesmo vale, por exemplo, para Luiz Gushiken, ex-ministro do governo Lula, denunciado por peculato. Todos os ministros ouvidos reservadamente disseram que não havia sequer indícios suficientes sobre a atuação de Gushiken para que o tribunal recebesse a denúncia contra ele. Argumento semelhante é usado por ministros em relação ao ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), que foi líder do governo na Câmara.
Luizinho responde pelo crime de lavagem de dinheiro. Ministros dizem que o fato de o ex-deputado ter recebido dinheiro supostamente disponibilizado pelo PT, mas sacado do Banco Rural, não poderia ser classificado como lavagem de dinheiro.
Na Procuradoria. Ao contrário do ex-procurador e autor da denúncia do mensalão, Antonio Fernando de Souza, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nunca conversou diretamente com o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do caso. Pior: os 12 pedidos de diligência feitos tardiamente pelo procurador-geral em dezembro, acabaram por atrasar o calendário previsto por Barbosa.
Pelo calendário informal do ministro Joaquim Barbosa, toda a instrução do processo estará concluída em abril ou maio. Depois disso, ele terá de analisar as mais de 42 mil páginas, reunidas em mais de 200 volumes, com quase 600 depoimentos e um calhamaço de provas colhidas.
Ao terminar seu voto, o que deve fazer até o final do ano ou no início de 2012, Barbosa repassará todo esse volume de informações para o colega que está incumbido de revisar o caso, o ministro Ricardo Lewandowski. O ministro terá igualmente de ler todos esses documentos para preparar um voto revisor.
Com isso, o processo estaria pronto para ser colocado em pauta no segundo semestre de 2012. Porém, não seria prudente o STF julgar neste período uma ação com potencial para interferir na eleição municipal. O julgamento ficaria para 2013, oito anos depois de descoberto o mensalão.
 

Novos documentos sobre o golpe contra Goulart



http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/nsarchiv.gif


http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118/W1-20_300_350a.jpg
LBJ Library Photo by Yoichi Okamoto (Image Number: W1-20)
BRAZIL MARKS 40th ANNIVERSARY OF MILITARY COUP

DECLASSIFIED DOCUMENTS SHED LIGHT ON U.S. ROLE
Audio tape: President Johnson urged taking "every step that we can" to support overthrow of Joao Goulart
U.S. Ambassador Requested Pre-positioned Armaments to aid Golpistas; Acknowledged covert operations backing street demonstrations, civic forces and resistance groups
Edited by Peter Kornbluhpeter.kornbluh@gmail.com / 202 994-7116
Washington D.C., 31 March 2004 - "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do," President Johnson instructed his aides regarding preparations for a coup in Brazil on March 31, 1964. On the 40th anniversary of the military putsch, the National Security Archive today posted recently declassified documents on U.S. policy deliberations and operations leading up to the overthrow of the Goulart government on April 1, 1964. The documents reveal new details on U.S. readiness to back the coup forces.
The Archive's posting includes a declassified audio tape of Lyndon Johnson being briefed by phone at his Texas ranch, as the Brazilian military mobilized against Goulart. "I'd put everybody that had any imagination or ingenuity…[CIA Director John] McCone…[Secretary of Defense Robert] McNamara" on making sure the coup went forward, Johnson is heard to instruct undersecretary of State George Ball. "We just can't take this one," the tape records LBJ's opinion. "I'd get right on top of it and stick my neck out a little."
Among the documents are Top Secret cables sent by U.S. Ambassador Lincoln Gordon who forcefully pressed Washington for direct involvement in supporting coup plotters led by Army Chief of Staff General Humberto Castello Branco. "If our influence is to be brought to bear to help avert a major disaster here-which might make Brazil the China of the 1960s-this is where both I and all my senior advisors believe our support should be placed," Gordon wrote to high State Department, White House and CIA officials on March 27, 1964.
To assure the success of the coup, Gordon recommended "that measures be taken soonest to prepare for a clandestine delivery of arms of non-US origin, to be made available to Castello Branco supporters in Sao Paulo." In a subsequent cable, declassified just last month, Gordon suggested that these weapons be "pre-positioned prior any outbreak of violence," to be used by paramilitary units and "friendly military against hostile military if necessary." To conceal the U.S. role, Gordon recommended the arms be delivered via "unmarked submarine to be off-loaded at night in isolated shore spots in state of Sao Paulo south of Santos."
Gordon's cables also confirm CIA covert measures "to help strengthen resistance forces" in Brazil. These included "covert support for pro-democracy street rallies…and encouragement [of] democratic and anti-communist sentiment in Congress, armed forces, friendly labor and student groups, church, and business." Four days before the coup, Gordon informed Washington that "we may be requesting modest supplementary funds for other covert action programs in the near future." He also requested that the U.S. send tankers carrying "POL"-petroleum, oil and lubricants-to facilitate the logistical operations of the military coup plotters, and deploy a naval task force to intimidate Goulart's backers and be in position to intervene militarily if fighting became protracted.
Although the CIA is widely known to have been involved in covert action against Goulart leading up to the coup, its operational files on intervention in Brazil remain classified-to the consternation of historians. Archive analyst Peter Kornbluh called on the Agency to "lift the veil of secrecy off one of the most important episodes of U.S. intervention in the history of Latin America" by completely declassifying the record of CIA operations in Brazil. Both the Clinton and Bush administrations conducted significant declassifications on the military regimes in Chile and Argentina, he noted. "Declassification of the historical record on the 1964 coup and the military regimes that followed would advance U.S. interests in strengthening the cause of democracy and human rights in Brazil, and in the rest of Latin America," Kornbluh said.

On March 31, the documents show, Gordon received a
secret telegram from Secretary of State Dean Rusk stating that the Administration had decided to immediately mobilize a naval task force to take up position off the coast of Brazil; dispatch U.S. Navy tankers "bearing POL" from Aruba; and assemble an airlift of 110 tons of ammunition and other equipment including "CS agent"-a special gas for mob control. During an emergency White House meeting on April 1, according to a CIA memorandum of conversation, Secretary of Defense Robert McNamara told President Johnson that the task force had already set sail, and an Esso tanker with motor and aviation gasoline would soon be in the vicinity of Santos. An ammunition airlift, he reported, was being readied in New Jersey and could be sent to Brazil within 16 hours.
Such U.S. military support for the military coup proved unnecessary; Castello Branco's forces succeeded in overthrowing Goulart far faster and with much less armed resistance then U.S. policy makers anticipated. On April 2, CIA agents in Brazil cabled that "Joao Goulart, deposed president of Brazil, left Porto Alegre about 1pm local time for Montevideo."
The documents and cables refer to the coup forces as "the democratic rebellion." After General Castello Branco's takeover, the military ruled Brazil until 1985.

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Hear/Read the Documents
l) White House Audio Tape, President Lyndon B. Johnson discussing the impending coup in Brazil with Undersecretary of State George Ball, March 31, 1964
This audio clip is available in several formats:
Windows Media Audio - High bandwidth (7.11 MB)
Windows Media Audio - Low bandwidth (3.57 MB)
MP3 - (4.7 MB)
In this 5:08 minute White House tape obtained from the Lyndon Baines Johnson Library, President Johnson is recorded speaking on the phone from his Texas ranch with Undersecretary of State George Ball and Assistant Secretary for Latin America, Thomas Mann. Ball briefs Johnson on that status of military moves in Brazil to overthrow the government of Joao Goulart who U.S. officials view as a leftist closely associated with the Brazilian Communist Party. Johnson gives Ball the green light to actively support the coup if U.S. backing is needed. "I think we ought to take every step that we can, be prepared to do everything that we need to do" he orders. In an apparent reference to Goulart, Johnson states "we just can't take this one." "I'd get right on top of it and stick my neck out a little," he instructs Ball.
2) State Department, Top Secret Cable from Rio De Janiero, March 27, 1964
Ambassador Lincoln Gordon wrote this lengthy, five part, cable to the highest national security officers of the U.S. government, including CIA director John McCone and the Secretaries of Defense and State, Robert McNamara and Dean Rusk. He provides an assessment that President Goulart is working with the Brazilian Communist Party to "seize dictatorial power" and urges the U.S. to support the forces of General Castello Branco. Gordon recommends "a clandestine delivery of arms" for Branco's supporters as well as a shipment of gas and oil to help the coup forces succeed and suggests such support will be supplemented by CIA covert operations. He also urges the administration to "prepare without delay against the contingency of needed overt intervention at a second stage."
3) State Department, Top Secret Cable from Amb. Lincoln Gordon, March 29, 1964
Ambassador Gordon updates high U.S. officials on the deterioration of the situation in Brazil. In this cable, declassified on February 24, 2004 by the LBJ Presidential Library, he reiterates the "manifold" need to have a secret shipment of weapons "pre-positioned prior any outbreak of violence" to be "used by paramilitary units working with Democratic Military groups" and recommends a public statement by the administration "to reassure the large numbers of democrats in Brazil that we are not indifferent to the danger of a Communist revolution here."
4) CIA, Intelligence Information Cable on "Plans of Revolutionary Plotters in Minas Gerias," March 30, 1964
The CIA station in Brazil transmitted this field report from intelligence sources in Belo Horizonte that bluntly stated "a revolution by anti-Goulart forces will definitely get under way this week, probably in the next few days. The cable transmits intelligence on military plans to "march toward Rio." The "revolution," the intelligence source predicted, "will not be resolved quickly and will be bloody."
5) State Department, Secret Cable to Amb. Lincoln Gordon in Rio, March 31, 1964
Secretary of State Dean Rusk sends Gordon a list of the White House decisions "taken in order [to] be in a position to render assistance at appropriate time to anti-Goulart forces if it is decided this should be done." The decisions include sending US naval tankers loaded with petroleum, oil and lubricants from Aruba to Santos, Brazil; assembling 110 tons of ammunition and other equipment for pro-coup forces; and dispatching a naval brigade including an aircraft carrier, several destroyers and escorts to conduct be positioned off the coast of Brazil. Several hours later, a second cable is sent amending the number of ships, and dates they will be arriving off the coast.
6) CIA, Secret Memorandum of Conversation on "Meeting at the White House 1 April 1964 Subject-Brazil," April 1, 1964
This memorandum of conversation records a high level meeting, held in the White House, between President Johnson and his top national security aides on Brazil. CIA deputy chief of Western Hemisphere operations, Desmond Fitzgerald recorded the briefing given to Johnson and the discussion on the progress of the coup. Defense Secretary reported on the movements of the naval task force sailing towad Brazil, and the arms and ammunition being assembled in New Jersey to resupply the coup plotters if necessary.
7) CIA, Intelligence Information Cable on "Departure of Goulart from Porto Alegre for Montevideo," April 2, 1964
The CIA station in Brazil reports that the deposed president, Joao Goulart, left Brazil for exile in Uruguay at l pm, on April 2. His departure marks the success of the military coup in Brazil.

1964: o ano que ainda não terminou


Fsp 26 março 2011
Clube Militar promove um debate no Rio em defesa do golpe de 1964

DO RIO - O Clube Militar realizou ontem o painel "A Revolução de 31 de Março de 1964", com a participação do general da reserva Sergio de Avellar Coutinho, do advogado Ives Gandra Martins e da ex-deputada federal Sandra Cavalcanti, com a mediação do economista Rodrigo Constantino.
No debate, acompanhado por cerca de 200 pessoas, os participantes defenderam a necessidade do golpe em 1964 para frear o comunismo e criticaram a intenção de setores ligados ao governo federal de criar uma comissão da verdade sobre a ditadura militar.
Constantino disse que o debate era oportuno por acontecer num momento em que "coisas como a comissão da verdade e outras iniciativas, que querem tudo menos a verdade, pretendem reescrever a história sob um prisma falso".
"Eles não querem resgatar a verdade, porque a verdade deles não existe, é uma mentira. Memória histórica tem que ser resgatada por historiadores, com imparcialidade. Essa comissão da verdade é uma comissão da vingança", disse Ives Gandra Martins.
Sandra Cavalcanti disse que a democracia está ameaçada no país. "O Brasil vem mantendo a sua versão de democracia, não uma democracia de fato. Sub-repticiamente, nós vivemos hoje sob uma tirania. Está em pleno andamento hoje uma república sindicalista", declarou a ex-deputada.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Bagunça institucional

O Globo 25 março 2011.

Pela moralidade


Merval Pereira
O ministro Luiz Fux vai ter muito trabalho para se livrar da pecha de ser o responsável pela sobrevida política de tipos como Jader Barbalho, que retornou do limbo em que se encontrava devido ao voto de desempate contra a adoção da Lei da Ficha Limpa já para as eleições do ano passado.
Evidentemente, trata-se de uma matéria polêmica, a ponto de ter perdurado um empate na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a lei, por ter sido aprovada antes das convenções, não provocou mudanças no processo eleitoral, não sendo necessário, portanto, esperar um ano para aplicá-la, como manda a Constituição em casos de mudanças de regras eleitorais.
A maioria dos juízes do Supremo decidiu ao contrário, mesmo que eles tenham elogiado o espírito da lei. A base comum dos votos contra a aplicação imediata foi o artigo 16 da Constituição, que impede a aplicação de novas regras eleitorais a menos de um ano antes da votação, para não afetar a "segurança jurídica" de candidatos e eleitores, que o ministro Gilmar Mendes classificou de cláusula pétrea da democracia.
O presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, argumentou que o princípio da anualidade não precisa ser observado porque a nova lei não alterou a igualdade na disputa. "Não se verificou alteração da chamada paridade de armas. Todos os candidatos de todos os partidos estavam exatamente na mesma situação antes do registro, antes das convenções partidárias".
Também a ministra Cármem Lúcia defendeu que o processo eleitoral começa com as convenções, quando as candidaturas são formalizadas. Portanto, as novas regras de inelegibilidade não teriam afetado diretamente os concorrentes. "Não vejo quebra das condições de igualdade", disse.
Ao analisar a questão da anterioridade da lei eleitoral, prevista no artigo 16 da Constituição Federal, o Tribunal Superior Eleitoral já decidira que a criação, por lei complementar, de novas causas de inelegibilidade não se enquadra nela, pois a Lei da Ficha Limpa não rompe a igualdade das condições de disputa entre os contendores e também não é uma decisão retroativa, pois simplesmente inclui novas exigências para que todos os candidatos sejam registrados.
A lei ficaria caracterizada como retroativa se, por exemplo, um deputado já eleito perdesse o mandato por estar enquadrado nela, mas esse não era o espírito da legislação aprovada no Congresso.
O que se aprovou não é uma mudança na legislação atual, mas novas exigências para o acesso à legenda partidária para concorrer às eleições.
Apenas os novos candidatos, mesmo que desejando a reeleição, encontraram pela frente novas exigências, além daquelas a que estavam acostumados.
O espírito da lei tem base na seguinte pergunta: por que uma pessoa é impedida de fazer concurso público se tiver antecedentes criminais de alguma espécie, mesmo sem trânsito em julgado, e pode se candidatar e assumir um mandato eletivo? Para além da discussão técnica sobre prazos para a aplicação da lei, os cinco juízes que votaram pela sua imediata vigência utilizaram o princípio da moralidade que deve reger o serviço público, previsto na Constituição, e é aí que se encontra a chave para o entendimento do que significou o julgamento de quarta-feira.
Se não bastasse representar um avanço democrático fundamental, por ter nascido de uma petição pública com milhões de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa teve uma qualidade suplementar, a de ultrapassar a exigência do "trânsito em julgado" dos processos, prevista na lei complementar das inelegibilidades e que protegia os candidatos infratores eternamente, na miríade de recursos que a lei brasileira permite.
Desde 2006, há um consenso entre os presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país, de fazer prevalecer a interpretação que não se pode deferir registro de candidatura quando existe prova de vida pregressa que atenta contra os princípios constitucionais.
E sempre esse princípio era derrubado pelo Tribunal Superior Eleitoral por uma margem mínima. O ministro Carlos Ayres Britto foi um dos derrotados em julgamentos no TSE, e no de quarta-feira reafirmou seu ponto de vista que "o cidadão tem o direito de escolher, para a formação dos quadros estatais, candidatos de vida pregressa retilínea", ressaltando a importância do artigo 14 da Constituição Federal, que prega a moralidade na vida pública.
Vitoriosa a tese que a lei vale para ser aplicada na próxima eleição, temos vários casos de políticos que se elegeram em 2010 e de antemão não poderão concorrer à reeleição em 2014. Estarão exercendo um mandato já com a definição de que são fichas-sujas, o que torna a decisão do Supremo uma incongruência em si mesma.
"A Constituição diz que pode ser corrupto em 2010 e não pode em 2012?", questionou a senadora Marinor Britto (PSOL) pelo Twitter, que perderá o mandato para Jader Barbalho no Pará.
A alegação levantada pelo ministro Luiz Fux de que é preciso garantir estabilidade às regras eleitorais para impedir que governantes alterem a lei para se manterem eternamente no poder, como faziam no período militar, foi rebatida pelos ministros que colocaram a moralidade pública acima dessa tecnicalidade constitucional.
Além do mais, o que se busca com a lei não é a manutenção do poder, e sim a moralização da vida pública. Ao contrário, a decisão do Supremo permitiu que figuras políticas deletérias ganhassem uma sobrevida política no poder.
 

quarta-feira, 23 de março de 2011

O Estado é o maior litigante do STF

O Globo 22 março 2011.

Mais Justiça

Merval Pereira


Mais um exemplo do gigantismo do Estado brasileiro está revelado na pesquisa "O Supremo em números", realizada pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV), coordenada por Pablo Cerdeira, Diego Werneck e Joaquim Falcão: o Executivo é o maior usuário do Supremo, tanto como autor quanto como réu.
Temos, portanto, uma Suprema Corte envolvida em questões do Estado, pois o seu maior usuário é o setor público, que representa a origem de 90% de todos os processos.
O Poder Executivo Federal, com 68%, é o maior usuário. Além disso, dos 12 maiores litigantes do Supremo, nada menos que 10 são estatais, à frente a Caixa Econômica, com 16%, e a União, com 14% dos processos.
Um dado em especial chama a atenção e demonstra, segundo Falcão, diretor da Escola de Direito da FGV do Rio, a grave deformação existente no sistema recursal no Brasil, responsável pela lentidão da Justiça e sobrecarga sobretudo do Supremo: entre os tribunais de origem dos processos, os Juizados Especiais aparecem com 5% dos casos que vão parar no Supremo, mais de 57 mil casos.
Proporcionalmente é pouco, mas é o símbolo da deturpação absoluta de sua função, exemplo do que Joaquim Falcão chama de "cultura da processualização".
Um tribunal criado para agilizar as decisões acaba entrando no mesmo sistema protelatório que marca nosso sistema judicial.
Para superar esse problema o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, está propondo que as decisões dos tribunais locais, estaduais ou federais, sejam não mais execuções provisórias, mas definitivas.
Ele alega que 90% dos processos que chegam ao Supremo já tiveram, pelo menos, duas decisões em instâncias inferiores e estima em mais de 30% o ganho de tempo dos processos.
O vice-presidente Michel Temer, que é advogado, colocou algumas ponderações no debate ocorrido na FGV do Rio, a respeito do risco de um tribunal estadual tomar uma decisão, que será imediatamente executada enquanto os recursos continuam.
Se a execução acaba e o réu ganha o recurso da última instância, como fazer? Pagar uma multa, uma indenização?
O problema maior seria se for uma questão penal, se o réu já foi condenado e cumpriu ou cumpre pena. O presidente do Supremo rebate lembrando que mais de 80% dos recursos são recusados no Supremo.
O risco de uma eventual injustiça seria recompensado com a melhoria do sistema, o que evitaria protelações e mais injustiças que já ocorrem em decorrência.
Joaquim Falcão diz que se o Supremo não criar diques, qualquer processo "só para na mesa do Cezar Peluso". Ele, aliás, comentou que houve dia em que teve que dar 900 despachos negativos porque as alegações de inconstitucionalidade "eram absurdas".
Falcão diz que uma das paralisias do sistema judiciário é a excessiva processualização. E exemplifica com a questão da Ficha Limpa, que se perdeu em questões processuais, e o que o povo queria saber é se valeria ou não para a eleição, que passou sem que uma decisão final fosse tomada.
Somente hoje, com o voto do novo ministro do Supremo Luiz Fux, vai ser definida a questão.
A Proposta de Emenda Constitucional do ministro Peluso vai ser discutida pelos três Poderes, e a ideia é ter um debate, a nível técnico, com o Ministério da Justiça representando o Executivo, até que se chegue a um consenso, e a partir daí criar um pacto em torno da aprovação.

instituição informal

Jornal do Commercio, 20 março 2011
» CONSUMO
Um “jeitinho” providencial e ilegal
Publicado em 20.03.2011

Dividir a rede de internet é cada vez mais comum. Reduz a despesa e serve para driblar a falta de infraestrutura das operadoras. Mas é um ilícito penal

Leonardo Spinelli
spinelli@jc.com.br
É cada vez mais comum as pessoas compartilharem a sua conexão de banda larga com um vizinho próximo, onde todos os envolvidos dividem não só a banda como a conta no final do mês. Bom para todo mundo, mas a solução é configurada como ilícito penal e administrativo, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Isso porque ao distribuir o serviço, mesmo que informalmente, a pessoa está realizando uma atividade de telecomunicação, que depende de autorização da agência para ser implementada. Apesar disso, e diferentemente dos chamados “macacos” da rede elétrica, que pode levar o responsável até a prisão, no caso da banda larga, as operadoras não se preocupam com isso e a Anatel não age porque depende de denúncias, que pouco acontecem.
Na realidade, a distribuição informal de banda larga é o famoso jeitinho brasileiro para um problema de falta de estrutura das empresas operadoras. Tecnicamente a Oi – que não quis participar da matéria – não tem capilaridade para levar banda larga para todos os seus clientes e por isso não cai em cima daqueles que prestam o serviço para os vizinhos. Como não há roubo de clientela, não há preocupação. Simples assim.
Os sócios Valmir Souza e Gregório Lima, donos de um escritório de contabilidade no bairro de San Martin, compartilham seu link e em sua visão estão prestando um bom serviço para a comunidade local. “Há quase dois anos éramos os únicos a ter um link de banda larga na nossa rua. A Oi informava que a caixa de distribuição não tinha capacidade de atender outros interessados neste local. Por isso, nossos vizinhos começaram a nos procurar e passamos a dividir nossa banda larga de 2 megas com até 10 pessoas”, diz Souza. As coisas começaram a mudar quando a GVT entrou no mercado de San Martin. “Hoje só duas pessoas estão dividindo a rede com a gente. O resto fechou contrato com a GVT”, contabiliza Gregório Lima. Um desses vizinhos é o músico Tiago Marques, que mora a cerca de 50 metros do escritório de contabilidade. A internet só chegava a sua casa por meio de um cabo ligado ao modem dos vizinhos. “Passei mais de um ano pagando R$ 30 para ter acesso. Mas quando chegou a outra operadora eu vi que era mais vantagem e mudei”, conta. Na prática, Marques deixou de pagar uma conta de telefone da Oi que ficava na média de R$ 120 em sua casa e mais os R$ 30 da banda larga dos vizinhos. “Hoje eu pago ao todo R$ 159 – com telefone – para a GVT e tenho uma conexão de 15 megas. Bem melhor porque a outra caía muito”, salienta. A maior concorrência no bairro prejudicou os negócios do pequeno empresário Eron Ramos, que comprava link dedicado da Oi e distribui na região. “Perdi muitos clientes depois da GVT. Além disso, os provedores piratas também roubam meus clientes. Estou em fase de regularização de minha empresa e assim que estiver ok vou denunciar as empresas sem licença. Elas, no entanto, prestam um serviço para população, pois sem provedor pirata muita gente. não teria como ter acesso à banda larga”.

Sabatina à moda brasileira....

Jornal do Commercio 22 março 2011.

» LEGISLATIVO
Uma sabatina sem nenhuma pergunta
Publicado em 23.03.2011

A Assembleia Legislativa vota, hoje, às 10h, os projetos de resolução nº 104 e 105/2011 sobre a nomeação do procurador do Ministério Público de Contas (MPCO) Dirceu Rodolfo de Melo Júnior e do advogado João Carneiro Campos para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Indicados pelo governador Eduardo Campos (PSB), ambos foram sabatinados ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou a indicação por unanimidade. O exame não passou de mera formalidade. Não houve perguntas dos deputados presentes, só elogios aos indicados e ao governador, que está na Itália.Primeiro a se pronunciar, João Campos destacou que pretende assegurar a ampla defesa e o contraditório e fortalecer a atuação do TCE através do controle preventivo e de acompanhamento. Também afirmou que usará sua experiência como ex-desembargador do TRE para auxiliar a Assembleia no controle externo da administração pública.
Corregedor do Tribunal de Justiça (TJPE), o desembargador Bartolomeu Bueno, convidado a compor a mesa da sabatina, mencionou o parentesco do futuro conselheiro com o governador Eduardo Campos (PSB). “Ao tempo em que ele (João Campos) esteve no TRE, como desembargador eleitoral, era primo de um dos candidatos a governador e eu nunca vi um magistrado tão isento nem ouvi, de nenhum representante de partido, qualquer reclamação contra a sua conduta de julgador”, disse Bueno. O líder do governo, Waldemar Borges, e o deputado Aluísio Lessa (ambos do PSB), comentaram que conhecem João Campos desde os tempos em que ele era criança.
Dirceu Rodolfo, a quem alguns deputados estavam conhecendo naquele momento, destacou na apresentação sua vivência no TCE e no MPCO. “Aprendi a privilegiar o diálogo e a construção compartilhada de soluções exigidas pela eficiência e pela legalidade na gestão pública administrativa”.
O deputado Raimundo Pimentel (PSB) relatou a indicação de João Campos, enquanto a de Dirceu Melo foi relatada por Waldemar Borges. Caso seus nomes sejam aprovados na votação de hoje, o que deve ocorrer por unanimidade, eles assumem as vagas de Fernando Correia e Severino Otávio no TCE. O presidente da Assembleia, Guilherme Uchoa (PDT), destacou que a sessão de ontem estava “muito prestigiada”. O conselheiro do TCE e também ex-presidente da Assembleia Romário Dias marcou presença, além de 24 deputados e outros convidados.
Na votação dos indicados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um fato curioso foi Antonio Moraes (PSDB) abrir mão do direito de voto em favor do suplente, Tony Gel (DEM). Na tribuna, o democrata acabou chamando João Campos, a quem rasgou elogios, de João Câmara.

terça-feira, 22 de março de 2011

Os traficantes agradecem


Istoé 21 março 2011
Privilégio mantido
Brasil Confidencial

Para adequar seu orçamento aos cortes impostos pelo Planejamento, a Aeronáutica foi obrigada a suspender missões humanitárias e de vigilância do espaço aéreo. Ficaram de fora todos os voos de ministros em jatos da FAB. A ordem veio do Palácio do Planalto e causou irritação no alto-comando.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Polícia desvia armas para a ilegalidade...

O Globo 21 março 2011


Lojas de armas não são questionadas sobre material que parou no crime


Segundo relatório, 68% do arsenal achado com bandidos foi comprado legalmente
Carla Rocha
Responsável pela venda de boa parte do armamento encontrado em poder de bandidos, o comércio de armas no Rio nunca foi investigado a fundo. Das 10.549 armas apreendidas e rastreadas entre 1998 e 2003, 68% foram vendidas por oito lojas da Região Metropolitana, revela um relatório que será apresentado hoje na CPI das Armas da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os principais compradores foram pessoas físicas ou empresas de segurança.
Apesar disso, todas as lojas continuam funcionando normalmente, a maioria oferecendo como comodidade despachantes que ajudam os clientes a atender às exigências legais para a compra de armas. Entre estas exigências, estão certidões negativas de antecedentes criminais, curso de tiro e atestado de sanidade.
Fabricantes ajudaram no rastreamento
O levantamento vai ser apresentado hoje na CPI das Armas, que começa na Alerj, pelo sociólogo Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio. Ele participou de todo o trabalho de rastreamento feito para atender a outra CPI sobre o mesmo tema, na Câmara de Deputados em Brasília.
Rangel disse que o sentimento é que se desperdiçou uma grande oportunidade de se concluir o trabalho minucioso, desenvolvido em 2006, com a ajuda dos fabricantes das armas apreendidas. A partir das informações das empresas Forjas Taurus S/A, Amadeo Rossi, CBC e Imbel, foi possível levantar os nomes das lojas que receberam as armas antes de elas chegarem às mãos dos criminosos. Por lei, o Exército tem a atribuição de fiscalizar a venda, e a Polícia Federal, de combater o tráfico de armas.
- O levantamento foi feito quando prestamos assessoria técnica ao Congresso Nacional. Na época, nós já havíamos estudado a questão no Rio de Janeiro. O pior é que nada foi feito de lá pra cá. Foram levantadas as oito lojas, com nomes e porcentagem de armas que tinham sido desviadas. Todo o rastreamento mais difícil, a mecânica toda foi descrita, estava lá - diz Rangel.
Agora, o sociólogo pretende abastecer de dados a comissão estadual.
- Precisamos cobrar providências. É atribuição da Polícia Federal averiguar como as armas que chegaram às lojas acabaram nas mãos da bandidagem. Tinha que ir atrás das pessoas físicas que compraram e ver se era para uso próprio ou se, por acaso, não se tratava de um grande comprador, um "broker" como chamamos, uma espécie de corretor que pode ter revendido as peças para os bandidos. Bastava concluir o rastreamento iniciado. Em Pernambuco, por exemplo, a loja "Rei das Armas" abastecia a criminalidade em todo o Nordeste.
Cinco das oito lojas ficam na Baixada Fluminense
Entre os revendedores informados pelos fabricantes estão as lojas Max Shopping, de Nova Iguaçu, com 23% do armamento apreendido; a Palomar, de Niterói, com 14%; a Casa Santo Antônio, de Duque de Caxias, com 7%; a 32 Caça e Pesca, de Nova Iguaçu, com 6%; a Dumar Caça e Pesca, de Niterói, com 3%; a Stand de Tiro e Segurança, de Nova Iguaçu, com 3%; a Cirne Carvalho Alvim, de Nilópolis, com 3%; e a ATM Manutenção de Armas, do Centro do Rio, com 2%. Outros comerciantes compraram 39% do total de armas apreendidas.
Como os dados disponíveis não foram averiguados, não é possível afirmar que as lojas tiveram alguma responsabilidade no desvio. Além do mercado interno, as vendas feitas ao poder público também aparecem no rastreamento com um expressivo percentual: 18%. Desse total, 59% foram armas que tinham sido vendidas pelas fábricas para a Polícia Militar do Rio e acabaram desviadas.
- A Polícia Militar foi a campeã de desvio de armas. Constatou-se que uma das grandes fontes para o braço da criminalidade eram setores corrompidos da própria polícia. Descobrir os caminhos dos desvios de armas e munições é estratégico porque revela grande parte de esquema de corrupção da polícia. A arma está ligada à droga e a outros crimes. As apreensões do Complexo do Alemão, por exemplo, são significativas porque expuseram a gravidade do problema - observa Bandeira, que, às 15h de hoje, fará a sua palestra na CPI das Armas.
O desempenho da Polícia Federal no combate ao tráfico de armas virou alvo de um inquérito civil aberto no Ministério Público Federal do Rio. O procurador federal Fábio Seghese, que pretende compartilhar as informações com a CPI do Rio, explicou que o procedimento foi aberto com base numa presunção de omissão do órgão.
- Nos últimos anos, apenas sete inquéritos foram abertos pela Delegacia de Repressão ao Tráfico de Armas da Polícia Federal do Rio, responsável por este tipo de investigação. Um quantitativo irrisório - afirma ele, que briga na Justiça para ter acesso aos relatórios de inteligência da PF fluminense.
O MPF também já está de posse da listagem de todas as apreensões de armas feitas pela Secretaria de Segurança do estado em 2009 e 2010. A relação deve ser usada num novo rastreamento.
O deputado Marcelo Freixo (PSOL), que preside a CPI das Armas, espera que os trabalhos, além dos resultados da investigação em si, tragam também benefícios concretos. Ele torce pela liberação de recursos para tirar do papel um projeto do estado de controle digitalizado dos paióis das polícias do Rio saia do papel. Há algum tempo, o pedido está parado na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
- Já sabemos que a grande maioria do armamento que circula ilegalmente não vem de fora, mas é comprado legalmente aqui no país. Com o controle biométrico (em que as armas são liberadas mediante o reconhecimento das digitais do policial), seria muito mais fácil administrar o armamento do estado. São coisas simples que podem ter um efeito muito grande em estatísticas tão assustadoras - diz Freixo.
Pistolas e revólveres são as armas de fogo mais comuns
Do total das armas apreendidas que foram rastreadas, 94% eram revólveres e pistolas, que são as que mais ameaçam os cidadãos, apesar da grande visibilidade que o noticiário dá ao armamento de grosso calibre usado em confrontos de traficantes com a polícia. As armas pequenas são fáceis de esconder e mais baratas. As pistolas representavam 42% das apreensões e os revólveres, 52%. Porém, uma pesquisa do mesmo Viva Rio com armas apreendidas entre 2003 e 2005 mostrou que 50 fuzis da Polícia Militar, de fabricação nacional, também acabaram em poder do crime organizado.

legalidade vs legitimidade

Folha de S. Paulo 21 março 2011

Fernando de Barros e Silva argumenta em sua coluna que, na captação de R$ 1,3 milhão pela Lei Rouanet para sustentar o blog da Maria Bethânia, "ninguém desviou dinheiro público, não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade..." Concordo que não há ilegalidade, como também não é ilegal governadores receberem pensão vitalícia após terem passado só dez dias no cargo.
RODRIGO BANDEIRA FONTES (Rio de Janeiro, RJ)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Inteligencia civil subordinada aos militares

O Estado de S. Paulo 13 março 2011


Abin fica submetida ao GSI


Direto de Brasília
João Bosco Rabello
Contornado o motim que pretendia retirá-la da hierarquia militar, a Agência Brasileira de Informação (Abin) passa por uma reformulação de natureza ideológica e operacional. A presidente Dilma Rousseff deu aval para que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) restaure a missão original da agência como órgão de inteligência estratégica a serviço do Estado.
O Ministério da Defesa minimizou o conflito classificando-o como uma ação de inspiração sindicalista que reuniu pouco mais de uma centena de funcionários num universo de 800. Não se fala em punições, o que não significa que não ocorram: antes, pode haver até afastamentos.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Elito de Siqueira, alvo mais visível da rebelião, não fala publicamente sobre o assunto, mas tem admitido informalmente que está em curso um processo de correção de rumos na agência.
O conceito a orientar a mudança é o de que a Abin não é órgão de espionagem nem gabinete de crise, mas de prevenção de crises, o que a levará a se concentrar no monitoramento de cerca de 400 pontos de um mapa logístico considerado de segurança nacional - abrangendo desde as fronteiras terrestres, marítimas e aéreas até sistemas vitais ao País como o elétrico, hidrelétrico e energético.
A ideia é manter a presidente da República previamente informada sobre assuntos de importância estratégica, para que o governo se antecipe aos fatos.

domingo, 13 de março de 2011

É para valer?

Folha de S. Paulo 13 março 2011.

JANIO DE FREITAS

Contra as verdades



Assim é há um quarto de século e o será por muito tempo, porque as gerações de militares não mudaram


A NOTA do Ministério da Defesa sobre a má recepção militar à futura Comissão da Verdade não é verdadeira. O que "está superado" desde 2010 não é o documento feito no comando do Exército com restrições ao propósito da Comissão, como induz a nota do ministério, e portanto do não assinado ministro Nelson Jobim. Superada foi a intenção dos comandos de tornar o documento oficialmente público, contra a opinião de Jobim. O que não impediu seu recente vazamento, sem que caísse do céu, para "O Globo".
A Comissão da Verdade - projeto encaminhado ao Congresso pelo governo Lula -, ainda que tenha finalidade apenas histórica e não questione a anistia, é considerada revanchista pelos comandos militares. Foi em represália a esse projeto que o patrono designado para a turma de aspirantes de 2010, no Exército, é o general Médici, patrono também do período ditatorial em que se deram os piores e mais numerosos crimes da repressão militar.
Assim é há um quarto de século e assim será por tempo imprevisível, porque as gerações de militares se sobrepuseram, mas a formação dos atuais não mudou e a dos futuros comandos, como informa a escolha do mais recente patrono, continua a mesma. Constou, tem algum tempo, que Nelson Jobim pensava na introdução de duas novas matérias em alguma altura dos cursos de cadetes: Constituição e Direitos Humanos. A escolha é significativa por si só, mas com relevância especial para a indicada necessidade de que seja o caso, ainda, de impor o conhecimento da Constituição. Não é preciso dizer mais sobre a formação.

re: Descaso com as FFAA

Folha de S. Paulo 13 março 2011.

Metade dos armamentos do país está indisponível

Estudo do Ministério da Defesa revela fragilidade das Forças Armadas

Blindados, navios e caças sem condições de combate e concentração de tropas no Sudeste expõem deficiência

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


Um levantamento reservado com uma detalhada radiografia das Forças Armadas brasileiras mostra o sucateamento do equipamento militar do país. Explicita também as conhecidas distorções na distribuição de tropas no território nacional, confrontando o discurso oficial de que a Amazônia é uma prioridade.
O estudo ao qual a Folha teve acesso é produzido pelo Ministério da Defesa e atualizado todo mês. Ele mostra que metade dos principais armamentos do país, como blindados, aviões e navios, está indisponível para uso.
O levantamento é usado provisoriamente pelo governo, enquanto não é elaborado o chamado "Livro Branco", que trará, segundo decreto assinado neste ano, todo esse diagnóstico.
O livreto obtido pela Folha tem 76 páginas e traz dados orçamentários, operacionais e de pessoal que são difíceis de encontrar com esse grau de detalhe.
Quando alguém precisa elaborar comparações com outros países, como fez a Folha em sua edição de 20 de fevereiro, a praxe é buscar fontes externas -confiáveis, mas não tão detalhadas.
O documento usado nesta reportagem traz um inventário dos chamados meios de cada Força, ou seja, os principais equipamentos para uso em guerra.
O resultado dá argumentos aos defensores do reequipamento militar, um processo caro, demorado e que costuma esbarrar em obstáculos como pressões políticas.
O caso da Marinha é paradoxal. Especialistas consideram a Força a mais bem aparelhada, mas 132 dos seus 318 principais equipamentos estão parados. Metade dos 98 navios está no estaleiro.
A aviação naval é figurativa: apenas 2 de seus 23 caças voam, e só para treino. Isso no fim de 2010 -hoje, só um funciona. O porta-aviões São Paulo ficou anos parado e agora está em testes.

DEFICIÊNCIA CRÔNICA O Exército contribui para que o resultado geral de disponibilidade de meios atinja ilusórios 68% -isso porque a Defesa coloca na conta as "viaturas sobre rodas", que basicamente são quaisquer veículos. Dessas, 5.318 das 6.982 estão funcionando.
Dos 1.953 blindados do Exército, só metade está à disposição. Metade dos helicópteros está no chão, isso sem contar a deficiência crônica de defesa aérea, maior fragilidade militar do país.
Por fim, a Força Aérea tem indisponíveis 357 dos seus 789 meios, que incluem 48 lançadores portáteis de mísseis, todos funcionando. O governo avalia ter 85 dos seus 208 caças disponíveis, o que parece algo otimista. Seja como for, a renovação da frota de combate, unificada em um modelo, está postergada novamente por causa de cortes orçamentários.
Fica também explícito um problema que a Estratégia Nacional de Defesa editada em 2008 promete combater.
Na Estratégia, a Amazônia aparece como prioridade do Exército. Só que a disposição das tropas ainda reflete a ideia de que o país um dia poderia entrar em guerra com sua antiga rival, a Argentina, hoje longe de representar uma ameaça militar.
A região Sul concentra 25% das forças terrestres do Brasil, enquanto a área amazônica só tem 13% do efetivo. Outros 23% estão estacionados na área do Comando Militar do Leste, no Rio.
A concentração no Rio também é perceptível no poderio aéreo. Nada menos que um terço do efetivo da FAB está por lá, enquanto a enorme região Norte não soma 15% com dois comandos aéreos separados.
A Marinha também está baseada no Rio, de forma avassaladora: 71% do efetivo está lá. Há planos para criação de uma segunda esquadra no Nordeste e no Norte.
Essa concentração no Rio é uma herança dos tempos em que a cidade centralizava o poder no país.

ASSIMETRIA A Estratégia critica essa assimetria na disposição geográfica das tropas, mas a mudança depende de vontade política e de recursos cuja justificativa sempre é difícil num país de tradição pacífica e cheio de problemas sociais.
Por fim, o mapa lembra também detalhes do comprometimento financeiro. Em outubro de 2010, o governo gastou quase igualmente com pessoal ativo, aposentados e pensionistas, somando uma folha salarial de R$ 2,9 bilhões naquele mês.
No Orçamento de 2011, antes do corte anunciado recentemente pelo governo, a despesa com pessoal representava 72% do gasto total.
Ainda sobre pessoal, destaca-se a alta proporção de oficiais-generais. Há um deles para cada 971 homens. No mais poderoso exército do mundo, o americano, esse número salta para um para cada 1.400 soldados.

Folha de S. Paulo 13 março 2011.

Despreparo militar marca história do país

Num mundo de comunicação rápida, onde conflitos surgem a toda hora, falta de prontidão é receita de fracasso

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

Despreparo crônico em tempo de paz e, portanto, no começo de conflitos, é uma constante na história militar luso-brasileira. Por que seria diferente em pleno século 21?
No passado, houve tempo para as Forças Armadas "pegarem no tranco" e terminarem bem-sucedidas em combate.
Mas em um mundo de comunicações rápidas, de mísseis balísticos, de guerra eletrônica, essa tradicional demora na prontidão é uma receita perfeita para o fracasso.
Uma rara exceção no despreparo das Forças são as chamadas tropas de "pronto emprego" ou "ação rápida".
São núcleos de excelência que podem agir em emergências pontuais, como a aviação do Exército, os paraquedistas, os fuzileiros navais, os batalhões de selva.
Um bom exemplo foi a rápida e eficiente reação em 1991, após guerrilheiros colombianos atacarem um posto de fronteira no rio Traíra e matarem três militares.
Em 1711, o francês René Duguay-Trouin tomou o Rio de Janeiro em ousado golpe.
A cidade estava despreparada. Reforços vieram do interior -rapidamente, para os padrões da época-, mas já era tarde demais.
Em 1808, os franceses tomam Portugal e a família real foge para o Brasil -mas o comboio precisou de escolta da Marinha britânica.
Na guerra com a Argentina pela província Cisplatina (Uruguai), de 1825 a 1828, o Brasil começou colhendo fracassos, até se afirmar -principalmente no mar- e terminar o conflito em "empate".
O exército paraguaio estava mais preparado que o brasileiro e até invadiu território do país na Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). A falta de preparo inicial levou a cinco anos de guerra.
Em 1897 em Canudos, Bahia, o Exército também sofreu derrotas para os "jagunços" do líder religioso Antonio Conselheiro e mostrou sérias falhas de logística.
Não havia tropas bem treinadas e equipadas para participar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918); a Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma série de improvisos do início ao fim pelos dois lados.
O Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em agosto de 1942, mas só em julho de 1944 a Força Expedicionária Brasileira desembarcou na Itália -e, mesmo assim, era apenas uma das três divisões de infantaria inicialmente planejadas, e seu armamento era todo de origem americana.
As Forças Armadas do país têm operado bem em missões de paz ou na recente ajuda à polícia do Rio. Mas, como demonstrou o terremoto no Haiti, foi a rápida intervenção dos EUA que evitou uma tragédia ainda maior.

A quem serve o Estado brasileiro?

O Estado de S. Paulo 12 março 2011

Inchaço cria ‘Esplanada oculta’ e gasto de R$ 100 milhões por ano para União

Para acomodar estruturas administrativas de novos ministérios e um volume crescente de servidores, governo federal paga aluguéis exorbitantes

12 de março de 2011 | 16h 26
Leandro Colon e Tânia Monteiro
Em meio às dificuldades do governo da presidente Dilma Rousseff em passar a faca nas despesas de custeio, Brasília é hoje vitrine de um fenômeno de gastança descontrolada: as dezenas de imóveis alugados fora da Esplanada dos Ministérios para acomodar o inchaço da máquina administrativa. Levantamento do Estado mostra que prédios e salas, só do primeiro escalão do Poder Executivo, pagam pelo menos R$ 9 milhões mensais de aluguel. A chamada "Esplanada oculta" custa, no mínimo, R$ 100 milhões por ano, dinheiro suficiente para construir cerca de 2.700 casas do programa Minha Casa, Minha Vida.
O inchaço ministerial começou no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Ele recebeu 26 ministérios do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas entregou 37 à presidente Dilma - que pretende criar mais dois: o da Micro e Pequena Empresa e o da Infraestrutura Aeronáutica.
Na acomodação das novas pastas e ampliação das antigas, o governo "coloniza" prédios fora da Esplanada desenhada por Lúcio Costa e costuma dispensar licitação para escolher os imóveis a alugar. A suntuosidade e o custo do aluguel dos prédios muitas vezes é inversamente proporcional à relevância política e econômica do ministério.
O caso mais evidente desse descompasso é o Ministério da Pesca e Aquicultura. A pasta da ministra Ideli Salvatti (PT) gasta R$ 575 mil por mês, num contrato de R$ 7 milhões por ano. Esse é o aluguel de um prédio espelhado de 14 andares, onde 374 servidores estão lotados. A ministra e 67 assessores nem ficam lá - dão expediente num prédio da Esplanada. Nos oito anos dos dois mandatos de Lula, os recursos da Pesca aumentaram mais de 70 vezes, de R$ 11 milhões para R$ 803 milhões, mas a produção nacional de pescado continuou em 990 mil toneladas.

O Ministério do Meio Ambiente tem sua sede própria na Esplanada, mas alugou um bloco inteiro num prédio para acomodar mais 800 funcionários. Para tanto, paga por mês R$ 530 mil.
O Ministério da Cultura gasta R$ 1,4 milhão com dois imóveis, embora também tenha sede na Esplanada. Caso parecido é o do Esporte, que aluga por R$ 185 mil mensais cinco andares de um prédio na região norte de Brasília, onde há 460 servidores.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem à sua disposição um espaço no bloco A da Esplanada dos Ministérios e o prédio do Incra, mas alugou cinco pavimentos para ocupar 3,4 mil metros quadrados no Setor Bancário Norte de Brasília. O valor do contrato de locação é de R$ 128 mil por mês para abrigar 144 servidores. O ministério diz que o espaço é necessário porque não consegue "acomodar" os funcionários na Esplanada, cujos prédios têm nove andares.
Por R$ 100 mil por mês, o Ministério do Turismo, que tem dois andares na Esplanada, ocupa ainda três pisos de um prédio comercial. A pasta foi criada em 2003, mas em oito anos praticamente dobrou o número de servidores. Assim como no Turismo, a escolha dos imóveis para alugar é feita segundo o critério de cada ministério. A pasta das Cidades paga R$ 7,7 milhões por ano por um prédio inteiro.

A Secretaria de Portos não tem uma sala sequer na Esplanada. Para "existir", gasta R$ 191 mil por mês com salas em cinco andares de um edifício comercial na região central do DF. A poucos quarteirões dali, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio alugou um espaço por R$ 62 mil. Entre 2009 e 2010, 400 novos funcionários foram empregados na pasta.
Cerca de 900 funcionários do Ministério do Desenvolvimento Social estão distribuídos por três prédios alugados por R$ 481 mil mensais. A Advocacia-Geral da União (AGU) tem sede própria num prédio fora da Esplanada, mas locou outro imóvel por R$ 1,3 milhão mensais. A pasta de Direitos Humanos ocupa três andares de um prédio novo. O aluguel para acomodar 450 funcionários custa R$ 575 mil.
O número de empregados pela União aumentou em 204 mil ao longo dos oito anos do governo Lula, segundo dados do Ministério do Planejamento. Os gastos anuais com a folha federal saltaram de R$ 75 bilhões, em 2002, para R$ 179,5 bilhões em 2010, um crescimento de 139,3%.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Brasil na contra-mão


http://www.conjur.com.br/2011-mar-10/coluna-lfg-lei-anistia-viola-convencoes-direitos-humanos


A Lei de Anistia viola convenções de direitos humanos


** A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso “Julia Gomes Lund e outros” (caso “Guerrilha do Araguaia”), em absoluto respeito aos direitos das vítimas e seus familiares, decidiu (sentença de 24.11.10, publicada em 14.12.10) que os crimes contra a humanidade (mortes, torturas, desaparecimentos), cometidos pelos agentes do Estado, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), devem ser devidamente investigados, processados e, se o caso, punidos.[1]
A Corte seguiu sua jurisprudência já fixada em relação à Argentina, Chile etc. (casos Barrios Altos, Almonacid Arellano e Goiburú, dentre outros). O processo foi provocado por três ONGs brasileiras (Centro Pela Justiça e o Direito Internacional, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo).
Sobre a Lei de Anistia brasileira pode-se de plano concluir: ela (Lei 6.683/1979) não possui nenhum valor jurídico para impedir doravante a apuração dos referidos crimes cometidos pelos agentes do Estado (ditadores ou por quem agiu em nome da ditadura).
A Lei de Anistia brasileira é inconvencional?
Sim. A Lei de Anistia brasileira, embora recebida pela Constituição de 1988 (de acordo com a visão do STF), é inconvencional (por violar as convenções de direitos humanos ratificadas pelo Brasil) e inválida (por contrariar frontalmente o jus cogens internacional). Nem tudo que o STF diz ter sido recebido pela Constituição de 1988 é compatível com os tratados em vigor no Brasil e detém validade.
A prisão civil do depositário infiel, por exemplo, foi declarada inválida pelo STF justamente tendo em conta os tratados de direitos humanos por nós ratificados, que segundo o próprio STF guardam na ordem jurídica brasileira nível superior às leis (RE 466.343-SP).
As leis brasileiras estão sujeitas a dois tipos de controle vertical: (a) de constitucionalidade e (b) de convencionalidade. Nem tudo que é recebido pela Constituição é convencional e válido, porque agora as leis devem também ter compatibilidade com as Convenções internacionais. Uma lei pode ser constitucional, mas inconvencional. Tanto no caso de inconstitucionalidade como na hipótese de inconvencionalidade, a lei não vale. É preciso que os operadores jurídicos brasileiros se familiarizem com os controles de constitucionalidade e de convencionalidade.
A decisão da CIDH afeta a soberania brasileira?
Não. Todos os países, ao firmarem um tratado internacional, perdem parte da sua soberania externa (consoante lição do jurista italiano Luigi Ferrajoli). O conceito de soberania está reduzindo o seu valor. Foi útil, no princípio do século XX, para que os Estados adotassem suas políticas autoritárias (guerras, fascismo, nazismo, Estado Novo etc.). Hoje o mundo (de um modo geral) está se voltando para os interesses internacionais.
É válida a lei quando ela contraria as ordens jurídicas superiores?
Não. Toda iniciativa legislativa hoje, precisamente porque se acha no plano ordinário, só tem valor jurídico quando compatível com as ordens jurídicas superiores: constitucional, internacional e universal. Foi decretado o fim do dogmatismo do legislador. O tempo do legalismo puro (tudo se resolvia com o texto puro da lei) está ultrapassado.
A Justiça brasileira é obrigada a acatar as decisões da CIDH?
As decisões da Corte Interamericana vinculam sim o país, vinculam obviamente o Brasil. Se a Justiça brasileira faz parte do Estado, ela também está obrigada a respeitar tais decisões. Também ela está vinculada, sob pena de novas violações à Convenção Americana. Todos estamos convidados a refletir sobre a nova cultura jurídica que está se formando.
A Lei de Anistia resultou de um pacto “imposto” pelo Governo militar da época. Isso significa, na visão da Corte, uma autoanistia. Toda autoanistia é inválida (isso já ocorreu com Argentina, Chile, Peru etc.), consoante a decisão da CIDH. As leis de autoanistia não contribuem para a construção de uma sólida democracia, ao contrário, denegam sua existência.
A lei de anistia continua valendo?
Não. A lei de anistia brasileira, em relação aos agentes do Estado que praticaram torturas, mortes e desaparecimentos, passou a ser um “nada jurídico”.
O cumprimento da decisão da CIDH aprofunda a nossa noção de democracia?
Sim. Bem sublinhou Felipe González (O Estado de S. Paulo de 19.12.10., p. A8), presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington): “O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse [prontamente] as determinações [da CIDH]. Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos”.
O Brasil tem que cumprir a decisão da Corte, sob pena de desprestígio internacional. Justamente agora que o Brasil vem tendo certo reconhecimento mundial em termos econômicos, seria estarrecedor ostentar atraso na cultura jurídica internacional.
Como devem ser tratadas as leis de anistia (autoanistia) dos crimes contra a humanidade?
É dentro de todo esse quadro teórico (desenhado até aqui) que deve ser discutida a validade das já citadas “leis de anistia” (ou autoanistia), notadamente no contexto brasileiro. Para nós, está correta a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (sustentada na sentença de 24.11.10, caso Araguaia) de que as leis de anistia (no Brasil, trata-se da Lei n.º 6.683/79) são inválidas (não obstante vigentes) em relação aos atos desumanos, generalizados ou sistemáticos, praticados contra a população civil, durante a ditadura militar, pelos agentes públicos ou pessoas que promoveram a arbitrária política do Estado ditatorial, com conhecimento desses agentes.[2]
A lei de anistia brasileira foi fruto de uma “conciliação nacional”?
Em relação à lei de anistia brasileira, que abrange os crimes cometidos no país de 1961 a 1979, assim leciona Flávia Piovesan:
“(…) há que se afastar a insustentável interpretação de que, em nome da conciliação nacional, a lei de anistia seria uma lei de ‘duas mãos’, a beneficiar torturadores e vítimas. Esse entendimento advém da equivocada leitura da expressão ‘crimes conexos’ constante da lei. Crimes conexos são os praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, que se encadeiam em suas causas. Não se pode falar em conexidade entre fatos praticados pelo delinquente e pelas ações de sua vítima. A anistia perdoou a estas e não àqueles; perdoou às vítimas e não aos que delinquem em nome do Estado. Ademais, é inadmissível que o crime de tortura seja concebido como crime político, passível de anistia e prescrição”.[3]
Por que não valem as leis de anistia (autoanistia)?
Como já referido, os crimes contra a humanidade (como é, v.g., o crime de tortura durante o período ditatorial), assim como os crimes de genocídio e contra a paz não podem ser considerados como crimes comuns (ou políticos), sendo por isso insuscetíveis de anistia ou prescrição, tal como já decidido pelas instâncias internacionais de direitos humanos. As leis de anistia (ou autoanistia) são, portanto, leis que por perpetuarem a impunidade e impedirem as vítimas de conhecer a verdade e receber a devida reparação, são leis que não contam com qualquer validade jurídica.[4]
Para além de violarem os instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no país, as leis de anistia violam também as normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens), que contam com valor supraconstitucional.
A condenação da CIDH
A Corte Interamericana condenou o Brasil pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 62 pessoas, incluindo-se dentre elas membros do PCdoB e camponeses da região. As operações arbitrárias do Exército brasileiro foram empreendidas entre 1972 e 1975, com o objetivo de erradicar a chamada “Guerrilha do Araguaia”. Ressalte-se que dos 62 desaparecidos no Araguaia (há quem fale num número maior), só foram encontrados quatro corpos, todos graças à ação de parentes.
Entendeu a Corte que o Brasil não empreendeu as ações necessárias para investigar, julgar e condenar os responsáveis pelo desaparecimento forçado das 62 vítimas e pela execução extrajudicial da Sra. Maria Lucia Petit da Silva, cujos restos mortais foram encontrados em 14 de maio de 1996.
Entendeu ainda a Corte que os recursos judiciais dos familiares das vítimas, com o objetivo a obter informação sobre os fatos, não foram efetivos para garantir-lhes o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia, além do que as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo governo brasileiro (v.g., a promulgação da lei de anistia) restringiram indevidamente o direito de acesso à informação desses familiares.[5]
As disposições da lei de anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos “são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e não podem “continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.[6]
Obrigações do Brasil decorrentes da condenação internacional
Doravante o Brasil terá que eliminar todos os obstáculos jurídicos (como a lei de anistia) que durante anos impediram as vítimas do acesso à informação, à verdade e à Justiça. Não se pode subtrair de nenhum povo o direito à memória e à justiça. Essa é a principal lição da decisão da Corte Interamericana que deve ser vista como legado humanista para as futuras gerações.
Deve o Estado brasileiro “conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha”,[7] além de “um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso, referindo-se às violações estabelecidas na presente Sentença”.[8]
Outra determinação (contra o Brasil) é a necessidade de implementar em prazo razoável “um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”.[9]
O Brasil sequer pode cogitar da possibilidade de não cumprir as decisões da CIDH. Poderia sofrer sanções internacionais e ser excluído da OEA. O não cumprimento pelo Estado brasileiro da sentença da Corte Interamericana acarreta nova responsabilidade internacional ao país, a ensejar nova ação internacional na mesma Corte e nova condenação, e assim por diante. A posição do Ministro Nelson Jobim no sentido de que o Brasil poderia deixar de cumprir as decisões da CIDH é totalmente equivocada. O STF nada mais pode fazer. As decisões da Corte devem ser cumpridas pelo Brasil necessariamente.
O STF já não tem a última palavra em matéria de direitos humanos
O STF, mantendo a tradição do Judiciário brasileiro no sentido de ser tendencialmente autoritário, em abril de 2010, validou a citada lei de anistia (7 votos contra 2), impedindo dessa maneira o reconhecimento dos direitos dos familiares dos mortos, torturados e desaparecidos, ou seja, a apuração e o processamento desses crimes contra a humanidade.
Ocorre que na era do direito globalizado e universalizado (direito pós-moderno) as decisões do STF, em matéria de direitos humanos, já não significam a última palavra. Acima do Judiciário brasileiro está o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que é composto de dois órgãos: Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos. A primeira está sediada em Washington, enquanto a segunda está na Costa Rica.
Quando nossos direitos, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, não são amparados pela Justiça brasileira, temos possibilidade de recorrer à Comissão Interamericana, que passa a ser uma espécie de “5ª instância”. Todas as violações de direitos humanos não amparadas pelo Judiciário brasileiro podem (e devem) ser levadas ao conhecimento da citada Comissão, que resolve o assunto (tal como fez no caso Maria da Penha) ou o encaminha para a Corte (assim foi feito no Caso Araguaia).
Sob o aspecto jurídico a decisão da Corte Interamericana demonstra que as decisões do STF já não são definitivas, quando em jogo está um direito previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, ratificado pelo Brasil em 1992 sem qualquer reserva).
Louvor aos votos vencidos de Lewandowski e Ayres Britto
Quando o STF validou a lei de anistia brasileira, dois foram os votos vencidos: Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Foram os dois únicos a compreender (na ocasião) a atual dimensão da proteção dos direitos humanos, que não é mais só doméstica. Em matéria de direitos humanos a última palavra é da Comissão ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os dois Ministros citados foram os únicos que admitiram que a clássica jurisprudência da Corte não iria secundar a lei de anistia brasileira.
Do domestic affair ao international concern
Do sistema do domestic affair (a tutela dos nossos direitos compete exclusivamente aos juízes nacionais) passamos para o sistema do international concern (se os juízes nacionais não tutelam um determinado direito, isso pode ser feito pelos juízes internacionais). Os juízes internos fiscalizam o produto legislativo do Congresso Nacional. Se eles não amparam os direitos das pessoas, compete aos juízes internacionais cumprir esse papel.
Finalmente, o “acerto de contas”
O “acerto de contas” relacionado com os crimes cometidos durante o período da ditadura militar finalmente tornou-se possível. O STF, majoritária e autoritariamente, tinha fechado as portas para a Justiça de Transição (Justiça do “acerto de contas”, Justiça transicional). Mas suas decisões já não são absolutas (quando há flagrante violação dos direitos humanos das vítimas).
Respeito aos direitos humanos das vítimas
Falar de violação de direitos humanos das vítimas (ou de seus familiares) num país tradicionalmente autoritário e antidemocrático parece assunto fora de moda. Mas não nos resta outra alternativa, se queremos denunciar uma vez mais essa tradicional simbiose entre o autoritarismo (militar ou não militar) e amplos setores do Poder Judiciário.
Não se pode esquecer que o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1937, durante o Estado Novo, que aceitava a presunção de culpabilidade do agente, salvo prova em sentido contrário, constituía expressão exuberante dessa conivência institucional.
O nazismo e o fascismo, na Alemanha e na Itália, tanto quanto os regimes autoritários no Brasil, nunca prescindiram da conivência de alguns setores do Poder Judiciário. Nisso reside a chamada “judicialização do autoritarismo” (ou da repressão), que voltou a se manifestar não na edição da lei de anistia (lei de autoanistia, na verdade), senão na decisão do STF que ignorou completamente a jurisprudência da CIDH.
Fim da “legalidade autoritária”
A “legalidade autoritária” tradicional no Brasil (consoante lição de Anthony Pereira), que é fruto de uma ancestral conivência (explícita ou implícita) entre o Poder Político (Legislativo e Executivo) e alguns setores do Poder Judiciário, acaba de se desmoronar (em relação aos crimes da ditadura). O Poder Político brasileiro, para acobertar tais crimes, aprovou em 1979 uma lei que foi considerada (pela Corte) como uma verdadeira auto-anistia.
O legislador também se equivoca. Sua palavra é somente a primeira, sobre a construção do direito. Nem tudo que ele aprova vale. Lei vigente não se confunde com lei válida. A vontade última do direito não é do legislador, sim, dos juízes. O século XXI é o século dos juízes (assim como o XIX foi do legislador e o XX foi do Executivo).
Recomendamos a leitura da sentença da CIDH, especialmente os parágrafos 147 a 182.
** Artigo escrito pelo colunista Luiz Flávio Gomes em parceria com Valério Mazzuoli, pós-doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, professor Adjunto de Direito Internacional Público e Direitos Humanos da UFMT e coordenador do Programa de Mestrado em Direito da mesma universidade.

[1]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, disponível em:
[2] No sentido de que essas leis de anistia (ou autoanistia) não possuem valor em relação aos agentes dos crimes contra a humanidade, veja-se: a) Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa (art. 10); b) Comitê de Direitos Humanos da ONU (relatório de 2007); c) Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Barrios Altos. Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú etc. V., por tudo, Parecer técnico do Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade…, cit., p. 400 e ss.
[3] Piovesan, Flávia. Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. Revista
da Faculdade de Direito da FMP, n.º 4, Porto Alegre: FMP, 2009, p. 117.
[4] Cf. Piovesan, Flávia. Idem, p. 118-119.
[5]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 2.
[6]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 174.
[7]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 256.
[8]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 277.
[9]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 283.