sábado, 30 de novembro de 2013

Falcão: laudo foi manipulado

PT afirma que laudo sobre Genoino foi manipulado
30 Nov 2013

Rui Falcão diz que autoridades estão colocando vida de petista em risco


São Paulo- O presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse ontem que foi manipulado o laudo médico afirmando que o deputado José Genoino não pode ser considerado impossibilitado de trabalhar em definitivo. O documento, assinado por cardiologistas da Universidade de Brasília (UnB) e entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirma que a cardi-opatia do ex-presidente do PT "não se caracteriza como grave" e que não há necessidade de tratamento domiciliar permanente.
Falcão partiu para o ataque, durante encontro com intelectuais da Fundação Perseu Abramo, em São Paulo:
— E agora, não contentes com esse tipo de condenação política, humilham os companheiros na forma do cumprimento da pena. Colocam em risco, e serão responsabilizados por isso, a vida do companheiro Genoino, que padece de uma cardiopatia grave, e manipulam, inclusive, laudos para mantê-lo na prisão em condições que ele não pode suportar.
O presidente do PT declarou que Genoino, um dos presos do mensalão, deve ter direito não só à prisão domiciliar, como à aposentadoria. Segundo ele, "ninguém na prisão tem a mesma situação que tem em casa"
— Todos os cuidados que os laudos apontam que ele deve merecer nenhuma prisão pode garantir afirmou Falcão.
De acordo com o petista, o estado de saúde de Genoino inspira cuidados, como alimentação especial e acompanhamento cçgular da pressão sanguínea.
— Por todas as razões médicas e humanitárias, ele deveria ter direito não só à prisão domiciliar como à aposentadoria — disse Falcão.
O deputado licenciado está cumprindo prisão domiciliar temporária após passar mal na prisão e ser levado para o hospital. Segundo o laudo, Genoino não é portador de doença cardiovascular grave e, portanto, pode cumprir pena normalmente na penitenciária.

LICENÇA MANTIDA POR 90 DIAS

Médicos da Câmara divulgaram outro laudo, feito para o pedido de aposentadoria por invalidez de Genoino, que também atesta que o deputado não é portador de cardiopatia grave e nega a aposentadoria imediata.
Os médicos da Câmara decidiram manter a licença dele por motivo de saúde por mais 90 dias. Ao fim desse período, o ex-presidente do PT será reavaliado para que a Câmara possa decidir sobre a aposentadoria.
Já sobre a determinação da Justiça do Distrito Federal para que os condenados do mensalão recebam o mesmo tratamento dado aos demais presos no presídio da Papuda, Falcão disse que "não comenta decisão da Justiça" Procurados em Brasília, os médicos que assinam os laudos não foram encontrados.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Violência e democracia


http://agencia.fapesp.br/18278

Violência, democracia e direitos humanos

27/11/2013
Por Claudia Izique
Agência FAPESP – A taxa de homicídios por 100 mil brasileiros passou de 11,7 em 1980 para 26,2 em 2010. No mesmo período, cresceram também o número de execuções sumárias, muitas delas envolvendo policiais civis e militares, o tráfico de drogas, associado à luta pela conquista de territórios, e os conflitos nas relações interpessoais com desfecho fatal.
A evolução dos indicadores de violência nas últimas três décadas surpreendeu os que esperavam que o processo de democratização do país se traduzisse na pacificação da sociedade e na reconciliação da segurança com o respeito aos direitos humanos.
“A expectativa era que o fim das arbitrariedades desse lugar ao estado de Direito, mas, junto com a reinvenção institucional, o que se viu foi uma explosão de violência”, analisa Sérgio Adorno, coordenador do Centro para o Estudo da Violência (NEV), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.
A urbanização e migração para as cidades, consolidadas nos anos 1980, os déficits sociais e econômicos do passado e sucessivas crises econômicas alimentaram um ambiente de tensão, ao mesmo tempo em que o Estado se revelava ineficiente no papel de mediador de conflitos. “A polícia não investiga e os criminosos não são processados ou punidos, revelando um fosso entre o potencial de violência na sociedade e a capacidade do Estado de contê-la no marco do estado de Direito”, afirma Adorno.
As estatísticas dão provas disso: entre 1998 e 2003, dos 344 mil boletins de ocorrência policial registrados em 16 delegacias de polícia na cidade de São Paulo, apenas 6% converteram-se em inquérito policial. Entre os crimes violentos, 93% dos casos foram registrados como de autoria desconhecida. A impunidade não inibe a violência e alimenta a desconfiança da população. “Estamos vivendo uma situação de desencontro entre os cidadãos e suas instituições”, analisa Sérgio Adorno.
Crimes de autoria desconhecida
O controle legal da ordem e as políticas de direitos humanos são temas fundadores deste CEPID que começou se organizar como Núcleo de Estudos da Violência (NEV) na Universidade de São Paulo (USP), em 1987. Desde o início, o principal desafio do NEV – constituído como CEPID em 2000, no primeiro edital do Programa – foi entender por que, no Brasil, a democracia não se traduziu em segurança com respeito aos direitos humanos.
As pesquisas, aos poucos, mostraram que o sistema de justiça criminal brasileiro funciona como um funil: largo na base (o registro de entrada das ocorrências) e estreito no gargalo (o número de casos que recebem desfecho processual, inclusive condenatório).
Para compor esse quadro, os pesquisadores começaram perscrutando estatísticas oficiais, mas tiveram que recorrer a outros procedimentos metodológicos porque as informações disponíveis não permitiam acompanhar o andamento dos crimes no interior do sistema de Justiça criminal. Foi preciso, por exemplo, individualizar registros, monitorar notícias publicadas nos jornais e até criar um banco de dados para aprofundar a investigação.
“A polícia só registra homicídio, tentativa de homicídio, agressão seguida de morte, encontro de cadáver. Se não recorrer a outras fontes, não dá para conhecer os autores ou saber as circunstâncias em que esses crimes ocorreram”, descreve Nancy Cardia, coordenadora do CEPID. Apesar de o país contabilizar crimes desde o Império, as instituições de segurança pouco utilizam estatísticas para conhecer os fenômenos sociais que engendram os crimes ou para coordenar informações sobre segurança pública.
Utilizando informações secundárias, os pesquisadores puderam analisar mais detidamente 197 processos penais instaurados e julgados, para apuração de responsabilidade em crimes de homicídio, em um dos tribunais de júri da capital e traçar o perfil de vítimas, agressores, testemunhas e até do corpo de operadores técnicos do direito.
Surpreenderam-se com a “banalidade das mortes” e a incapacidade da Justiça de “traduzir diferenças e desigualdades em direitos”, comentou Adorno no artigo Crime, justiça penal e desigualdade jurídica, publicado na edição 132 da Revista USP, referente a pesquisa similar anteriormente realizada. Ele observou, por exemplo, maior incidência de sentenças condenatórias nos processos em que os réus eram defendidos por advogados dativos, constituídos pelo juiz para os que não têm recursos para pagar as custas dos processos.
Morosidade judicial
As pesquisas atestaram que a Justiça é morosa. Analisando 28 casos de linchamento, execuções e violência policial ocorridos nos anos 1980, por exemplo, constataram que o tempo de tramitação de um processo podia chegar a 120 meses (10 anos) e que, em apenas um caso, consumiu 10 dos 16 meses previstos no Código do Processo Penal para a conclusão de todos os procedimentos judiciais e judiciários.
O tempo passou consumido na obtenção de provas documentais, na localização e intimação de réus e testemunhas, e assim por diante. “É como se a Justiça desse caução ao sentimento popular: bandido precisa ser morto”, lembra Nancy Cardia. Consultados pelos pesquisadores, os operadores técnicos do direito consideraram “caduco” o prazo estabelecido pelo Código do Processo Penal, ainda na década de 1930, para a tramitação dessa modalidade.
O desempenho da polícia, do Ministério Público, dos juízes, entre outros atores do sistema Judiciário, também foi monitorado pelo Centro para o Estudo da Violência. “Levantamos informações sobre processo de seleção, treinamento, incentivo e promoções e pudemos constatar que o policial que se destaca vira chefe – o mesmo vale para juízes e promotores –, sem nenhum critério claro, e isso afeta o cotidiano da Justiça”, observa Nancy Cardia.
Esse diagnóstico, aliás, deu origem a um curso de treinamento e capacitação em segurança pública, de 180 horas, desenvolvido em parceria com a Faculdade de Economia e Administração (FEA/USP), a Escola Politécnica (Poli/USP), a Fundação Getúlio Vargas e o Banco Mundial. “Foram duas versões presenciais e uma na internet, com grande demanda”, conta a coordenadora do Centro.
Para suprir a falta de informações dos operadores da Justiça, o CEPID publicou, com a Fundação Ford e por meio da Editora da USP, seis volumes com temas relacionados à segurança pública e aos direitos humanos. “O sétimo volume é sobre a tortura e está saindo este ano. É resultado de um seminário organizado para discutir situações de agressão aos direitos humanos depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001”, ela explica.
Fadiga do sobrevivente
Aos poucos, as informações dos projetos de pesquisa foram “refinando” a reflexão da equipe e consolidando a visão de que a “credibilidade é o fundamento das instituições democráticas”, sublinha Adorno. Essa percepção colocou novas perguntas e abriu frentes de investigação: Como a população se relaciona com a violência? Qual a sua percepção de Justiça? Há, no Brasil, uma cultura de violência?
“Enquanto Adorno trabalhava com a polícia, iniciamos um estudo qualitativo, que comparava a percepção de 341 moradores de três dos distritos mais violentos de São Paulo – Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz –, tendo como comparação uma amostra de 1.000 entrevistados de outros distritos da capital”, conta Nancy Cardia.
O projeto coincidiu com uma mudança sensível – e favorável – nas estatísticas de homicídios na capital: entre 2000 e 2006, a taxa geral de assassinatos no Estado de São Paulo caiu de 42,07 por 100 mil habitantes para 19,90. “Foi possível documentar essa mudança e identificar seu reflexo nas pessoas mais expostas à violência e em sua percepção das instituições”, diz a pesquisadora.
A exposição à violência é medida por uma gradação que identifica vítimas, testemunhas de atos de violência e indivíduos que, dentro de um determinado período de tempo, tiveram conhecimento de envolvimento de parentes ou amigos próximos. “Os efeitos mais intensos da exposição à violência são observados entre as crianças e jovens”, constatou Nancy Cardia.
Manifestam-se na forma de sintomas físicos, como distúrbios do sono, ansiedade, depressão, entre outros qualificados pela literatura como “fadiga do sobrevivente”. A contrapartida desse sintoma, principalmente entre jovens – objeto de estudo do grupo – é a dessensibilização: “A violência que as vítimas sofrem passa a ser considerada normal”, ela explica em estudo publicado na revista Lusotopie em 2003. “Normalizar a violência resulta também em uma reduzida capacidade de confiar no outro, ou de se vincular ao outro, e em menor interdição quanto à prática de violência.”
Medo, sentimento generalizado
Quanto maior o grau de exposição dos jovens à violência, pior a imagem que eles têm da polícia, o que alimenta a sensação de insegurança. “Poucos acham que conseguiriam convencer um delegado a investigar um caso no qual tenham sido vítimas”, Nancy Cardia constata.
O medo é um sentimento generalizado no Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz e encoraja o isolamento: os vizinhos não convivem, não conversam e as crianças são proibidas de brincar nas ruas.
A casa, no entanto, parece não garantir a segurança das crianças e dos jovens. “A experiência da punição corporal em casa, geralmente perpetrada pela mãe, é mais importante do que podíamos imaginar”, diz a coordenadora do NEV. O castigo doméstico violento, conforme têm revelado as pesquisas, é uma experiência importante na vitimização.
“Descobrimos que os indivíduos que relatam terem sido vítimas de agressões violentas em casa, com força para produzir ferimentos ou sequelas, também relatam mais frequentemente alguma forma de exposição à violência nas ruas: conhecem amigos vítimas ou autores de agressão ou são, eles próprios, alvos de ações de terceiros ou da polícia.”
Legitimação da violência
O cenário que emerge da pesquisa qualitativa é preocupante. “Esperávamos que, na geração nascida após a Constituição de 1988, o repertório da força física não fosse mais utilizado para disciplinar crianças. Há anos a Lei da Palmada está parada no Congresso Nacional, depois de ter sido ridicularizada”, afirma Nancy Cardia.
E a violência não está apenas em casa: o espancamento é considerado solução legítima para conflitos na escola e a tortura seria autorizada contra suspeitos de crimes violentos, como estupro, assassinato, sequestro e latrocínio, sobretudo quando envolvem crianças. “Há fortes indícios de que a exposição à violência pode mudar as pessoas, seus comportamentos, suas crenças, seus valores e até a si mesmas.”
Há igualmente indícios de que essa experiência não encoraja uma maior abertura para a vida em comunidade. Ao contrário, encoraja as pessoas a buscar meios individuais de proteção e a se retirar do espaço público, isolando-se ainda mais em um processo que pode ter o efeito oposto: em vez de obterem mais proteção, ganham mais vulnerabilidade, adverte Nancy Cardia.
A descrença nas forças encarregadas de aplicar as leis e a aceitação do arbítrio e da força contra suspeitos de delitos graves crescem na razão direta da exposição à violência. “Se não podemos estancar a violência, como proteger esses jovens?”, ela indaga.
Monitoramento dos casos de letalidade
A agenda de pesquisa qualifica o Centro para o Estudo da Violência como interlocutor privilegiado em fóruns de debate sobre políticas públicas. Ao longo dos últimos 12 anos, o CEPID participou ativamente da elaboração dos programas Nacional e Estadual de Direitos Humanos, da implantação da Ouvidoria de Polícia em São Paulo e dos debates sobre mudança de jurisdição dos crimes de homicídio da Justiça Militar para a Justiça Civil, relaciona Adorno.
Organizou uma dezena de cursos, treinamentos e conferências sobre temas como gestão local de segurança, geoprocessamento e análise espacial do crime, prevenção da violência, entre outros. E compartilhou a experiência em pesquisa, georreferenciamento e análise de dados com diversos órgãos públicos, como a Fundação Sistema de Análise de Dados (Seade), a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), a Coordenadoria de Vigilância em Saúde do Município de São Paulo e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH).
A parceria com a SDH, por exemplo, permitiu o desenvolvimento de uma metodologia para monitoramento de casos de letalidade que serviu de insumo para a produção de um software a ser distribuído às ouvidorias de polícia para a padronização da classificação de informações.
O Centro também participou de avalições externas independentes de projetos como os de Melhoria da Gestão Penitenciária, Revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos, Manual de Policiamento Comunitário, Violência por Armas de Fogo no Brasil, entre outros.
Boa parte das informações de pesquisa, relatórios, documentos e uma robusta base de dados está disponível no site www.nevusp.org, que, entre 2008 e 2012, já contabilizou cerca de 1,5 milhão de visitas.
As atividades de pesquisa, educação e difusão do Centro para o Estudo da Violência continuarão pelos próximos 11 anos, durante a vigência do segundo edital do Programa CEPID. A investigação estará focada na construção da legitimidade das instituições em sua relação com os cidadãos e funcionários públicos.
“As pessoas apostam nas instituições, mas não nessas que estão aí”, afirma Adorno. “A democracia ficou mais complexa. No entanto, algumas exigências do Estado democrático de Direito não foram cumpridas, o que inclui a aplicação das leis, o que tem de ser universal. A Justiça não pode ser desigual. Tem que ser previsível. Tem que haver uma cultura de valorização dos direitos humanos e o principal agente socializador é o Estado.”
Veja também um vídeo com entrevista com Sérgio Adorno e Nancy Cardia em http://cepid.fapesp.br/materia/65.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Brasil deu certo?

Rubens Ricupero
O Brasil deu certo?

Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade brasileira a crença de que "o céu era o limite"
Em Zurique ou Seul ninguém precisa asseverar que a Suíça ou a Coreia do Sul deram certo. A frequência com que se vem fazendo essa afirmação entre nós indica que aumentaram ultimamente as dúvidas, já consideráveis no passado.
Em parte, isso tem a ver com os protestos. Demoliram a ilusão de que o Brasil se tornara um país "normal", no qual as massas não precisavam descer às ruas para suprir falhas das instituições. Outra razão: a economia não cresce, e, um a um, todos os estímulos fracassaram.
Cedo ou tarde se esgotarão os recursos para transferências sociais, inviabilizando continuar a reduzir a pobreza e a desigualdade, acarretando a seguir a inelutável erosão dos ganhos conquistados.
De 1999 a 2012, segundo Mansueto de Almeida, as transferências de renda a famílias representaram a assombrosa porcentagem de 84% da alta da despesa não financeira do governo. A partir de 2003, a proporção superaria 91%! É óbvio não ser possível ir muito além disso.
A contrapartida não é apenas a falta de recursos para investir. Já não haverá dinheiro para mais nada, nem para inevitáveis aumentos de salários de funcionários. Se a expansão de gastos se devesse ao custeio da máquina governamental, conforme alegado por alguns, seria talvez mais fácil obter consenso na sociedade para reagir.
O problema é que num país com consciência de culpa pelo passado de escravidão e injustiça, "transferência social" soa como algo ilimitadamente desejável, do qual jamais se poderá ter o bastante. Não existe no Brasil nem de longe o horror moral que os americanos sentem pelos "entitlements", isto é, as garantias de transferência de dinheiro sem contrapartida.
Depende da liderança política a iniciativa de educar o país a fazer a distinção entre o mais e o menos desejável nas transferências, que vão da Bolsa Família aos benefícios do INSS, da Loas para idosos e doentes, aos mais abusados seguro-desemprego e abono salarial.
Nos anos de fastígio, o governo passou à sociedade a crença de que "o céu era o limite". Tomou por prova de que o Brasil tinha dado certo para sempre o que não passava do efeito da maré que, ao subir, eleva todos os barcos. Elogiava-se o presidente porque, em seu governo, todos ganhavam e ninguém perdia.
Agora que a maré começou a baixar, não há espaço para que todos ganhem e os conflitos distributivos voltam a aparecer, constituindo um dos elementos dos recentes protestos. Evitar que eles polarizem e radicalizem a sociedade como nos anos 1960 e na Venezuela e Argentina de hoje vai ser o desafio existencial do próximo governo.
Como tudo prenuncia a reeleição de governo que não passou no teste da realidade, alguns concluíram que teremos quatro anos de declínio lento e gradual, na melhor das hipóteses. Esses tentam se proteger como podem. Não é porque o Brasil deu certo que uma em cada dez vendas de imóveis em Nova York tem brasileiro como comprador.
Aos outros resta a esperança de que uma equipe econômica renovada regenere a economia e que de alguma maneira a mesma liderança convença políticos e sociedade a moderar o apetite distributivo.
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E quanto aos réus pobres?

Entre mensalões e Amarildos

Autoridades questionam um caso em que houve ampla e cara defesa. E quanto aos réus pobres?

24 de novembro de 2013 | 2h 16

Maria Celina D'Araujo - O Estado de S.Paulo
Quando em meados de 2005 estourou o escândalo do mensalão, a primeira reação de muitos intelectuais, jornalistas, governistas e apresentadores como Jô Soares, entre outros, foi: Lula, um homem honrado, não sabia de nada, não estava envolvido com esses episódios. Dei uma entrevista então ao Estado de S. Paulo alegando quão difícil seria um presidente que estivera tão envolvido e dedicado a seu partido e às negociações para sua campanha em 2002 não estar a par dos acordos que o elegeram. Recorria a vários exemplos na história do País para mostrar de que forma os presidentes são informados do que se passa a seu redor, bem como sua capacidade de delegar poderes. Lula, uma vez eleito, transformou José Dirceu, o mentor de sua campanha, no homem forte que controlaria o governo e o PT.

Na mira. Estratégia do PT agora é evidenciar que tudo visou a desmoralizar o governo
No calor da denúncia veio a fase do vale de lágrimas. Lula, seguidores e amigos choraram em público admitindo que houvera um erro de comportamento de companheiros leais, porém pouco atentos às leis eleitorais. Como muitos pecadores, eles deviam ser perdoados, não sabiam o que faziam ou foram alvo de armações capciosas.
A fase seguinte foi pró-ativa: negação e resistência. Os crimes teriam sido uma invenção da mídia e da oposição. Advogados criminalistas famosos foram contratados, recursos e provas apresentados a favor dos réus, e o presidente sempre foi poupado, ao contrário do que aconteceu com Getúlio Vargas em 1954.
A estratégia agora era evidenciar que tudo não passava de uma campanha para desmoralizar o governo do PT e seus sucessos efetivos no combate à pobreza. A lentidão do Judiciário deu tempo para se construir argumentos e alimentar versões de todos os tipos. Permitiu que outros casos de desvio de dinheiro em campanhas viessem a público. O caixa dois foi anunciado como prática normal.
Iniciada a fase do julgamento judicial, o Supremo inovou ao recorrer ao princípio do domínio do fato e alimentou as críticas dos que se sentiam perseguidos. Para esses, os juízes não sabiam o que faziam, mas não deviam ser perdoados. Depois de oito anos chegamos ao fim do julgamento, mas não ao fim dessa história. Muitos ainda prometem falar o que sabem e o que pensam para comprovar como a justiça dos homens é falha ou vingativa. De metáforas em metáforas o Brasil, a meu ver, não tem muito a comemorar.
A oposição não festejou o resultado do julgamento e se o fez, foi de maneira discreta. É deselegante e desumano tripudiar sobre um perdedor, comemorar encarceramento de colegas na vida pública. Os pronunciamentos são comedidos. No entanto, os políticos que sabem o que fazem estão com as barbas de molho. Esta história ainda não acabou e outros processos virão, envolvendo diferentes partidos em várias campanhas. Prudência e canja não fazem mal a ninguém.
Por parte das autoridades constituídas, o tom tem sido o de não legitimar as ações do Judiciário. Parece haver um trunfo na manga dos julgados e de seus amigos que acabará mostrando a farsa. Um julgamento que acaba assim, tão desacreditado pelo poder constituído, seja qual for a razão, é preocupante. Fortalece, entre nós, a crônica falta de confiança na Justiça, associa julgamento a vendeta, trata o custo de transgressão como punição indevida e fortalece a cultura da impunidade.
No caldo das mazelas que cercam nosso respeito às leis, vive-se o triste episódio do desaparecimento do operário Amarildo, assassinado por policiais da UPP da Rocinha no Rio de Janeiro. O que Amarildo tem em comum com caixa dois? Tem muito. Se entre certas elites caixa dois não deve ser crime, tortura policial para pobres e para bandidos pobres também pode ser legítima. Ao contrário de algumas personalidades da República, eles, os pobres, são pessoas comuns. E, se cometerem crimes, deixam de ser pessoas. A eles tudo pode acontecer, inclusive perder a vida sem que o cadáver apareça.
Comemoro o espírito democrático que vivemos no País desde a Constituição de 1988, a Constituição cidadã. Louvo, em crises políticas como a do impeachment de Collor e a do mensalão, a vinda das soluções de forma constitucional. Seria importante, contudo, que esses e outros julgamentos fortalecessem a crença na Justiça. A maior parte dos brasileiros sabe que os réus pagaram advogados caros, custo com que a maioria dos brasileiros não pode arcar. Foi um julgamento de ricos num país em que, segundo a professora Julieta Lemgruber, centenas de pessoas ficam presas em delegacias em condições sub-humanas para depois se descobrir que os delitos que cometeram não seriam passíveis de penas que os levassem à prisão.
O julgamento do mensalão, justo ou não, comprovou que no Brasil a Justiça existe especialmente para ricos e poderosos. De outra parte, teve um saldo positivo: esses políticos acusados de crimes contra o patrimônio ou as leis nacionais tiveram a oportunidade de se defender. Não foram cassados nem obrigados a morrer no exílio como João Goulart. Algumas autoridades estão questionando o procedimento da Justiça num caso em que houve ampla e cara defesa. Questionarão também publicamente o tratamento dado aos Amarildos?
 
*Maria Celina D'Araujo é professora de Ciência Política da PUC-Rio

domingo, 24 de novembro de 2013

MST: recuo das conquistas democráticas

Blog do Jamildo

MST defende em carta liberdade de Dirceu e Genoino

POSTADO ÀS 19:00 EM 23 DE Novembro DE 2013
Da Agência Estado

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) publicou, na sua página na internet, uma carta em defesa da liberdade dos políticos petistas José Dirceu e José Genoino. No comunicado, que foi replicado pela equipe que gerencia o blog de José Dirceu o MST diz repudiar "com veemência a ação do judiciário brasileiro, em especial do Supremo Tribunal Federal, serviçal à classe dominante no País, que há anos vem atuando contra a classe trabalhadora, os movimentos sociais e a luta política".
O movimento avalia que a condenação dos políticos representa um "recuo das conquistas democráticas" das quais Dirceu e Genoino são "sujeitos protagonistas". O MST afirma que o movimento também têm sido alvo da atuação parcial do Judiciário. "Diante disso, reafirmamos o nosso compromisso em denunciar e combater as práticas promíscuas de parte do judiciário e da mídia burguesa brasileira". A carta termina pedindo a liberdade imediata dos dois políticos.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Estadão: "O Estado de Direito está real e gravemente ameaçado no Brasil"

O que trama o PT?

O Estado de S. Paulo - 21/11/2013 -editorial
 
O manifesto petista divulgado na terça-feira, que classifica de "ilegal" a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, de mandar recolher à prisão 12 dos condenados no processo do mensalão, afirma que "uma parcela significativa da sociedade" teme "pelo futuro do Estado Democrático de Direito no Brasil". Têm razão os signatários do documento.
O Estado de Direito está real e gravemente ameaçado no Brasil, mas pelos sectários, pelos oportunistas fisiológicos e pelos inocentes úteis do PT que, por razões diversas, se empenham numa campanha nacional de desmoralização do Poder Judiciário, ferindo fundo a estabilidade institucional e colocando em risco, em benefício da hegemonia política do partido, o futuro da democracia no País.
O tal manifesto não é um documento oficial do PT. Mero detalhe. As posições "oficiais" do partido, ditadas pelo pragmatismo eleitoral, são traduzidas pela linguagem melíflua das notas oficiais, hábeis em camuflar o verdadeiro pensamento da elite petista. Mas esse pensamento está explicitado no manifesto de terça-feira, que tenta em vão dissimular seu caráter eminentemente politico-partidário com a adesão de "companheiros" intelectuais e juristas. Mas assinam a nota o presidente Rui Falcão e todos os demais integrantes do Diretório Nacional do partido. Está ali, portanto, o que pensa o PT.
Da mesma forma como ataca sistematicamente a imprensa, ao investir contra o Poder Judiciário, lançando mão do recurso de demonizar a figura do ministro Joaquim Barbosa, o PT deixa claro o modelo de "democracia" que almeja: aquele em que ninguém ousa contrariar suas convicções e seus interesses nos meios de comunicação, na aplicação da Justiça, na atividade econômico-financeira. Em todas as atividades, enfim, em que entendem que o Estado deve dar sempre a primeira e a última palavra, para promover e proteger os interesses "do povo".
Para visualizar esse modelo dos sonhos dos petistas radicais sem ir muito longe, basta olhar para a Venezuela e demais regimes "bolivarianos" da América Latina, sem falar no clássico exemplo da ilha dos Castros. Esses países, em que vigora o "socialismo do século 21", são comandados pelos verdadeiros amigos do peito e de fé de Lula, Dilma e companheirada.
Mas nem todo mundo no PT está preocupado com dogmatismo ideológico. Ao longo de 10 anos, boa parte da militância petista aprendeu a desfrutar das benesses do poder e hoje reage ferozmente a qualquer ameaça de ter que largar o osso. São os oportunistas que tomaram conta do aparelho estatal em todos os níveis e a ele dedicam todo seu despreparo e incompetência gerencial.
E existem ainda os inocentes úteis, em geral mal informados e despolitizados, que engrossam as fileiras de uma militância que comprou a ideia-força lulopetista de que o mundo está dividido entre o Bem e o Mal e quem está "do outro lado" é um "inimigo" a ser ferozmente dizimado. As redes sociais na internet são o ambiente em que melhor prospera esse maniqueísmo de esgoto.
O que pretende esse amplo e variado arco de dirigentes e militantes petistas que, a pretexto de se solidarizarem com os condenados do mensalão, se mostram cada vez mais ousados em suas investidas contra o Poder Judiciário? O País tem estabilidade institucional suficiente para impedir que, num golpe de mão ou num passe de mágica, a condenação dos mensaleiros seja anulada. Mas os radicais sabem que para alcançar seus objetivos precisam criar e explorar vulnerabilidades na estrutura institucional de nossa democracia. Os oportunistas sabem que precisam ficar bem com os donos do poder a que aderiram. E os inocentes úteis não sabem nada. Agem por impulso, movidos por apelos emocionais. Acreditam até no argumento falacioso de que é preciso ser tolerante com a corrupção e os corruptos porque sem eles é impossível governar.
A quem não entra nessa lista resta comemorar, enquanto pode, uma singela obviedade: feliz é o país em que a Justiça pode contrariar os interesses dos poderosos de turno.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PT preocupado com o Estado Democrático de Direito

Leia a íntegra do manifesto do PT
  A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de mandar prender os réus da Ação Penal 470 no dia da proclamação da República expõe claro açodamento e ilegalidade. Mais uma vez, prevaleceu o objetivo de fazer do julgamento o exemplo no combate à corrupção.
Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um desfile aéreo, custeado com dinheiro público e com forte apelo midiático, para levar todos os réus a Brasília. Não faz sentido transferir para o regime fechado, no presídio da Papuda, réus que deveriam iniciar o cumprimento das penas já no semiaberto em seus estados de origem. Só o desejo pelo espetáculo justifica.
Tal medida, tomada monocraticamente pelo ministro relator Joaquim Barbosa, nos causa profunda preocupação e constitui mais um lamentável capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais.
A imprecisão e a fragilidade jurídica dos mandados expedidos em pleno feriado da República, sem definição do regime prisional a que cada réu teria direito, não condizem com a envergadura da Suprema Corte brasileira.
A pressa de Joaquim Barbosa levou ainda a um inaceitável descompasso de informação entre a Vara de Execução Penal do Distrito Federal e a Polícia Federal, responsável pelo cumprimento dos mandados.
O presidente do STF fez os pedidos de prisão, mas só expediu as cartas de sentença, que deveriam orientar o juiz responsável pelo cumprimento das penas, 48 horas depois que todos estavam presos. Um flagrante desrespeito à Lei de Execuções Penais que lança dúvidas sobre o preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo.
Um erro inadmissível que compromete a imagem e reputação do Supremo Tribunal Federal e já provoca reações da sociedade e meio jurídico. O STF precisa reagir para não se tornar refém de seu presidente.
A verdade inegável é que todos foram presos em regime fechado antes do "trânsito em julgado" para todos os crimes a que respondem perante o tribunal. Mesmo os réus que deveriam cumprir pena em regime semiaberto foram encarcerados, com plena restrição de liberdade, sem que o STF justifique a incoerência entre a decisão de fatiar o cumprimento das penas e a situação em que os réus hoje se encontram.
Mais que uma violação de garantia, o caso do ex-presidente do PT José Genoino é dramático diante de seu grave estado de saúde. Traduz quanto o apelo por uma solução midiática pode se sobrepor ao bom senso da Justiça e ao respeito à integridade humana.
Tais desdobramentos maculam qualquer propósito de fazer da execução penal do julgamento do mensalão o exemplo maior do combate à corrupção. Tornam também temerária a decisão majoritária dos ministros da Corte de fatiar o cumprimento das penas, mandando prender agora mesmo aqueles réus que ainda têm direito a embargos infringentes.
Querem encerrar a AP 470 a todo custo, sacrificando o devido processo legal. O julgamento que começou negando aos réus o direito ao duplo grau de jurisdição conheceu neste feriado da República mais um capítulo sombrio.
Sugerimos aos ministros da Suprema Corte, que na semana passada permitiram o fatiamento das prisões, que atentem para a gravidade dos fatos dos últimos dias. Não escrevemos em nome dos réus, mas de uma significativa parcela da sociedade que está perplexa com a exploração midiática das prisões e temem não só pelo destino dos réus, mas também pelo futuro do Estado Democrático de Direito no Brasil.
19 de Novembro de 2013

Barbosa sob ataque petista

Em manifesto e da tribuna do Congresso, petistas atacam presidente do Supremo
20 Nov 2013
 
Após evitar críticas diretas em nota oficial sobre prisões de condenados, direção da sigla apoia documento no qual signatários dizem que Corte não pode "ficar refém" de Barbosa; líder do partido diz que "toga que deu cobertura silenciosa à ditadura é a mesma que criminaliza" direção do PT
Motivado pelo que considera "arbitrariedade" nas prisões dos condenados no mensalão, o PT iniciou ontem uma reação contra o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, colocando em dúvida seu "preparo ou boa-fé" e conclamando os demais membros do Supremo a "reagir para não se tornar refém de seu presidente".
A investida contra Barbosa, que havia sido poupado pela nota oficial do partido sobre as prisões divulgada anteontem, veio de diversos lados. Além de um manifesto de repúdio às prisões em duro tom contra o presidente do STF, petistas foram às tribunas da Câmara e do Senado para fustigá-lo. O deputado José Guimarães, irmão de José Genoino e líder do PT na Câmara, comparou a prisão dos condenados no mensalão a ações do Judiciário da época da ditadura militar.
"A toga que deu cobertura silenciosa à ditadura é a mesma toga que criminaliza dirigentes do PT que não cometeram nenhum crime. Como aceitar?", disse o parlamentar petista.
Em um texto intitulado "Manifesto de repúdio às prisões ilegais", petistas e familiares dos condenados, além de juristas e personalidades simpáticos ao I PT, criticaram o que chamaram de "flagrante desrespeito à lei de execuções penais" e sugeriram aos ministros da Corte "que atentem para a gravidade dos fatos dos últimos dias".
Embora não seja um documento oficial do partido, ele é assinado por toda a direção do PT nacional, além de integrantes de diretórios estaduais e municipais, bem como de movimentos sociais, sindicais e populares ligados aos petistas.
A pedido dos petistas condenados, que ainda têm direito a novo julgamento em alguns crimes e podem ter a pena do regime fechado revertida para o semiaberto, e orientada da mesma forma pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a direção do PT evita, desde novembro do ano passado, ataques diretos ao Supremo e a Barbosa.
Contudo, as incertezas que restam sobre o local, o regime e as condições de cumprimento i da pena, o entendimento de que Barbosa continua orquestrando uma ação midiática contra os condenados e o PT, bem como os problemas de saúde enfrentados pelo deputado licenciado José Genoino fizeram com que o partido decidisse reagir.
Além disso, setores petistas entendem que a tentativa de emparedar o presidente do STF não produz efeitos no julgamento dos embargos infringentes, uma vez que os ministros que podem alterar o placar a favor dos condenados são os novatos Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki.
Além de José Guimarães, o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), foi outro a | atacar o presidente da Corte.
"Não sei se por interesse político ou pessoal, Joaquim Barbosa não se pauta pela legalidade."
No Senado, o vice-presidente da Casa, Jorge Viana (PT-AC),foi à tribuna para questionar a legalidade das prisões. "Se o presidente do Supremo pode agir fora do que estabelece a Constituição, e os outros juízes deste País?"
A situação de Genoino foi a mais mencionada por parlamentares que estiveram na Papuda, que cobraram a concessão do benefício de prisão domiciliar. "Será que o Supremo quer ver a morte do deputado Genoino?", indagou o vice-líder do PT Sibá Machado (AC).
O presidente do PT, Rui Falcão, após a visita ao presídio, manifestou preocupação com a situação de Genoino. Ele reafirmou que o partido não poderá alocar recursos diretamente para ajudar os condenados a pagar as multas impostas pelo STF, mas disse que uma "rede ; de solidariedade" deverá ser 5 montada para auxiliá-los.
Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) reclamou também do STF por não ter recebido oficialmente qualquer comunicado da prisão de Genoino. Decidiu que a Casa não tomará qualquer medida para abrir processo de cassação enquanto isso não ocorrer e já adiantou que o salário de Genoino será mantido até 6 de janeiro, quando terá sua situação de saúde avaliada por uma junta médica da Casa que poderá conceder-lhe o direito a uma aposentadoria por invalidez.
 

Nomes.

O manifesto divulgado ontem é assinado por 150 pessoas, entre as quais os juristas Dalmo Dallari e Celso Antonio Bandeira de Mello; a mulher de Genoino, Ryoko; o presidente da CUT, Vagner Freitas; e o coordenador do MST João Pedro Stédile; os escritores Fernando Morais e Eric Nepomuceno; o cineasta Luiz Carlos Barreto; e a filósofa Marilena Chauí. / Débora Álvares, Eduardo Bresciani, Fernando Gallo E Ricardo Brito

Terra de ninguém

Controle precário na fronteira facilita fugas
20 Nov 2013

 

Na divisa entre Brasil e Paraguai, não é preciso sequer mostrar identidade para ir ao outro lado

Flávio Freire

 
De um lado da rua, na brasileira Ponta Porã, casas simples, um tabelião de notas e um comércio de baixa gastronomia. Bem rapidinho, menos de um minuto, é possível atravessar o canteiro central da Avenida Internacional para chegar à paraguaia Pedro Juan Caballero. Não precisa de passaporte.
Sequer carteira de identidade, Se o ex—gerente de Marketing  do Banco do Brasil Henrique Pizzolato passou por ali, certamente não teve qual— quer dificuldade para chegar ao exterior, em meio a sacoleiros que transitam de um lado para o outro freneticamente em busca de ofertas de roupas a eletrônicos, de cosmético a pneus de caminhão.
Canos e motos transitam de um país para o outro sem qualquer cerimônia, Salvo alguns guardas de trânsito exercendo o poder no apito, em alto e bom som, o cuidado para evitar a entrada de um visitante indesejado está longe dos rigorosos sistemas de imigração aeroportuários. O mal-conservado canteiro central é facilmente vencido pelos que arrastam enormes sacolas e sacos de lixo ainda maiores, sempre com quilos e quilos de bugigangas.
— Aqui é fronteira seca, praticamente a mesma cidade. Tanto que muita gente anda de um lado para o outro sem saber em que país está. Qualquer pessoa de má-fé pode fugir de seu país sem dificuldade alguma — diz a delegada regional da Policia Federal de Ponta Porã, Paloma Alves.  À frente de uma equipe que tem atuado rigorosamente no combate ao tráfico de drogas, a delegada afirma que há, nos dois países, um serviço de imigração para controlar a entrada de pessoas de um país para o outro.
Mas ressalva:  — o serviço existe, mas as pessoas não procuram.  Pedro Juan Caballero fica a cerca de 600 quilômetros de Assunção, capital do Paraguai. Uma fonte da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul disse que tem sido comum procurados pela polícia fugirem do Brasil pelas fronteiras secas, não só do Mato Grosso do Sul, mas também do Mato Grosso.
A cidade tem sido também um dos principais destinos de traficantes e de chefes de quadrilhas.  — o que o Pizzolato teria feito (fugido por Pedro Juan) é o que todos (criminosos) fazem. Há anos essa é a principal porta de saída para quem pretende fugir. Não é segredo para ninguém que os governos (Brasil e Paraguai) não fazem nada para evitar isso — disse o advogado Mário Josué Zeferino, advogado criminalista que atua na região e que tem, entre outros clientes, alguns foragidos que tentam resolver a situação jurídica no país.
Em 2010, os então presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo acertaram medidas conjuntas para o combate ao narcotráfico na região, com instalação de bases da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança nas regiões de fronteira de 11 estados. Desde então, a polícia continua lutando contra o narcotráfico e  a entrada de mercadorias contrabandeadas.  O esforço, no entanto, não é o mesmo  quando se trata de tentar evitar que  condenados brasileiros usem o país vizinho  como "passaporte da liberdade".

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

As coisas estão fora de lugar?

 Folha de S. Paulo, 18 de novembro de 2013.
Ricardo Melo
Supremo Tapetão Federal

Num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar
Derrotada nas eleições, a classe dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos compêndios do "Direito" até encontrar casuísmos capazes de preencher as ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao tapetão.
O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva. A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada. O recurso é também o abrigo dos covardes. No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?
A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados? Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.
Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo. Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu. Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências. Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.
A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu. Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos. Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.
Os debates? Quantos momentos edificantes. Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório. Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto. Belo exemplo.
O que virá pela frente é uma incógnita. Para o PT, ficam algumas lições. Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro --o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo. Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas, como foi obra do PT, cadeia neles.
É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada --mesmo que a tenha devolvido. Agora, se a amiga da mesma madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.
Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais. Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas. Mas, num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.

domingo, 17 de novembro de 2013

Anistia: duas visões


O Globo, 17 de novembro de 2013.

Contra o legítimo

Tema em discussão - Revisão da Lei de Anistia

Nossa opinião



A anistia política costuma se seguir ao apaziguamento institucional, ou apressá-lo. São exemplares os perdões concedidos pelo presidente Juscelino Kubitschek, nos anos 50, a revoltosos da Aeronáutica, em motins promovidos a partir das bases, no interior do país, de Aragarças e Jacareacanga. Constituíam um grupo de intransigentes inimigos do trabalhismo varguista, do qual nascera o PSD, legenda de JK, cujo vice — outro motivo de irritação dos amotinados — era João Goulart, do PTB, também criado por Vargas. 
Já a Lei de Anistia de 1979, encaminhada  à aprovação do  Congresso pelo último presidente-General  da ditadura militar,  tem um alcance bem mais  amplo. A ordem constitucional  havia sido de fato rompida pelo  golpe de 64 — do qual participaram  egressos de Jacareacanga  e Aragarças. Ruptura aquela  aprofundada pela radicalização  do movimento em dezembro de  1968, na edição do Ato Institucional  n° 5, um aguçamento do golpe.
Diante dos 21 anos de regime de exceção, as duas revoltas na FAB foram arroubos juvenis.  E tanto foi assim que a Lei de Anistia não se constituiu um simples ato de poder, por decisão da cúpula do governo. Tratou-se do resultado de uma difícil e delicada costura política entre opositores do regime e generais.
A própria crise do modelo econômico da era militar — implodido pela excessiva dependência de empréstimos externos, tornados impagáveis pelo segundo choque de petróleo e a disparada  dos juros americanos — podia ajudar, como ajudou, na abertura consensual do regime. Mas também havia o risco de um recrudescimento. Nunca se deve descartar a possibilidade de um desfecho insensato em qualquer processo político. 
Restou provado que aquela anistia, pactuada entre o poder que se retirava e o que se instauraria — com apoio de egressos do antigo regime —, foi a melhor fórmula de apaziguamento da sociedade no processo de redemocratização lenta, segura e gradual.  Foi nesta moldura política que se formulou o perdão recíproco  — torturadores, guerrilheiros/terroristas. 
A Lei de Anistia tem, portanto, uma legitimidade política e histórica clara. Querer revê-la, como desejam setores do Ministério Público, é investir contra esta legitimidade. Além de contrariar entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), já proferido, de que agentes públicos atuantes na repressão àquela época não podem ser condenados na Justiça, tanto quanto estão livres de qualquer sentença militantes da luta armada, hoje em cargos públicos relevantes, em Brasília. 
Sequer decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos podem interferir neste ou em qualquer veredicto de uma Justiça nacional, como esclareceu o próprio presidente do tribunal, Diego García-Sayán, ao falar sobre outro assunto, de passagem por Brasília.  O MP pode até ter condições legais de agir nesta direção. Mas não deveria.





O Globo, 17 de novembro de 2013.

Questão em aberto

 

Tema em discussão - Revisão da Lei de Anistia

Outra opinião

Sergio Gardenghi Suiama


O GLOBO de 21/10 classificou como retrocesso o parecer do procurador-geral da República sobre a imprescritibilidade e não incidência da Lei de Anistia nos crimes da Ditadura. Segundo o jornal, "essa discussão já foi superada com a palavra final dada pelo STF no entendimento de que todos os envolvidos na ‘guerra suja' na Ditadura militar foram anistiados". 
Não é essa a posição do Ministério  Público Federal (MPF). Em  2011, sua câmara de revisão em  matéria penal rejeitou homologar  o arquivamento de dois crimes  cometidos em 1971, sob o argumento  de que é dever do Estado, e  particularmente do MP, cumprir a  sentença da Corte Interamericana  de Direitos Humanos do caso Gomes  Lund x Brasil (2010).
Na sentença,  a corte decidiu que "as disposições  de anistia que impedem  a sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos".  Em consequência desse entendimento, foram instauradas duas centenas de investigações de casos de sequestro, homicídio e ocultação de cadáveres.
E foram ajuizadas seis ações penais em três estados (RJ, SP e PA), contra 11  agentes. Quatro dessas ações foram recebidas pela Justiça Federal e, em uma delas — o sequestro de Edgar de Aquino Duarte —, foi marcada audiência para oitiva de testemunhas.  Do ponto de vista jurídico, a discussão sobre o alcance da lei de anistia e a prescritibilidade de certos crimes cometidos por agentes da Ditadura não foi superada por dois motivos: o primeiro é que a decisão da Corte Interamericana é posterior e tem fundamentos jurídicos diversos daqueles da ADPF 153.
O fato de a anistia ter sido considerada constitucional pelo STF não acarreta a validade da lei perante o direito internacional, nem exime o Estado brasileiro de suas obrigações junto a um tribunal ao qual ele próprio se vinculou. Em segundo lugar, ainda está pendente o julgamento de recurso contra o julgamento da ADPF 153. Não há, portanto, decisão definitiva a respeito da matéria no STF. 
Não é um dever só do procurador-geral, mas de todo o MP, promover a responsabilização criminal dos autores de homicídios e desaparecimentos cometidos na Ditadura. Não é demais notar que a permanência de ações clandestinas dessa espécie — vide o caso Amarildo — apenas reforça a necessidade do reconhecimento do caráter imprescritível dos crimes cometidos em regimes nos quais as instituições policiais e judiciais são incapazes de investigar e punir com seriedade.

Sergio Gardenghi Suiama é procurador da  República no Rio de Janeiro e membro do GT  Justiça de Transição do Ministério Público Federal




Fecha-se um ciclo?


[não concordo com vários pontos elaborados por Nassif mas acho que sua análise merece ser lida]



Com a prisão de Dirceu e Genoino, fecha-se um ciclo


A democracia se consolida nos grandes processos bem conduzidos de inclusão social e política.
Em determinados momentos da história, emergem novas forças políticas, inicialmente em estado bruto, ganhando espaço com a radicalização do discurso contra o status quo.
Em todos os tempos, as democracias passam por processos de estratificação nos quais os grupos que chegaram antes ao poder levantam um conjunto amplo de obstáculos – políticos, econômicos e legais – para impedir a ascensão dos que chegam depois.
Trava-se, então, uma luta feroz, na qual os grupos emergentes radicalizam o discurso, enfrentam as leis, as restrições e vão abrindo espaço na porrada.
É a entrada definitiva no jogo político que disciplina esas forças, enriquece a política e reduz os espaços de turbulência. Todos ganham. Rompe-se a inércia dos partidos tradicionais, amaina-se o radicalismo dos emergentes; abre-se mais espaço para a inclusão; permite-se uma rotatividade de poder que derruba a estratificação anterior.
Sem essas lideranças, as disputas políticas iniciais enveredam para o conflito permanente, deixando o legado de nações conflagradas, como na Colômbia e no México.
Daí a importância essencial dos líderes que unificam a ação, impedem a explosão das manadas e montam estratégias factíveis de tomada do poder dentro das regras do jogo.
Acabam enfrentando duas espécies de incompreensão. Dos adversários políticos, a desconfiança sobre suas reais intenções, manobrando o receio que toda sociedade tem em relação ao novo. Dos aliados, a crítica contra o que chamam de “acomodamento”, a troca do sonho por ações pragmáticas.
Em seu estudo sobre Mirabeau, Ortega y Gasset define bem o perfil do estadista e de outros personagens clássicos da política: o pusilânime e o intelectual. O estadista só tem compromisso com a mudança do Estado. É capaz de alianças com o diabo, desde que permita a suprema ambição de mudar um país, um povo. Já o intelectual se vale todos os argumentos do escrúpulo como álibi para a não ação.
Aliás, nada mais cômodo que o niilismo de um Chico de Oliveira, do bom mocismo de Eduardo Suplicy, dos homens que pairam acima dos conflitos, como Cristovam Buarque, dos apenas moralistas, como Pedro Simon. Para não se exporem, não propõem nada, não se comprometem com nada, a não ser com propostas genéricas de aprovação unânime que demonstrem seus bons sentimentos, sua boa índole, sua integridade intelectual – e que quase nunca resultam em mudanças essenciais.

As mudanças no PT

É por esse prisma que deve ser analisada a atuação não apenas de Lula, mas de José Dirceu e José Genoíno.
Ambos passaram pela luta armada. Com a redemocratização, ingressaram na luta política e das ideias. E ambos foram essenciais para a formação do novo partido e para a consolidação do mito Lula.
Na formação do PT, cada qual desempenhou função distinta.
José Genoíno sempre foi o intelectual refinado. Durante um bom período dos anos 90 tornou-se um dos mais influentes formadores de opinião do Congresso e do país, com suas análises sobre regimento da Câmara, sobre reforma política, sobre defesa.
Já José Dirceu era o “operador”, trabalhando pragmaticamente para unificar o PT em torno de um projeto de tomada do poder e, a partir daí, de reformas.
A estratégia política do PT passava por sua institucionalização, por um movimento em direção à centro-esquerda, ocupando o espaço da socialdemocracia aberto pelo PSDB – devido à guinada neoliberal conduzida por Fernando Henrique Cardoso e à ausência de lideranças sindicais.
Não foi um desafio fácil. O PT logrou juntar em torno de si uma multiplicidade de movimentos sociais, a parte mais legítima do partido mas, ao mesmo tempo, a parte menos talhada para a tomada de poder. Foram movimentos que surgiram à margem do jogo político, desenvolvendo-se nos desvãos da sociedade civil e sem nenhuma vontade de se sujar com a política tradicional.
Por outro lado, o papel unificador de Lula o impedia de entrar em divididas. Tinha que ser permanentemente o mediador.

O papel do operador Dirceu

Sobrava para Dirceu o papel pesado de mergulhar no barro. De um lado, com o enquadramento das diversas tendências – o que fez com mão de ferro -, dando ao PT uma homogeneidade que tirava o brilho inicial do partido, mas conferia eficiência no jogo político tradicional trazendo-o para o centro.
E o jogo político exigia muito mais do que enquadrar os grupos sociais do PT.
As barreiras eram enormes. Passava por montar formas de financiamento eleitoral, pela aproximação com o status quo econômico, pelos pactos com os grupos que atuam na superestrutura do poder, com os operadores dos grandes interesses de Estado, pelo mercado, pelo estamento militar, pela mídia.
Dirceu foi essencial para essa transição, tanto para dentro como para fora.
Um retrato honesto dele, mostrará a liderança inconteste sobre largas faixas do PT, o único a se ombrear com Lula em influência interna e com uma visão do todo que o coloca a léguas de distância de outros pensadores do partido.
Mas também era dono de um voluntarismo até imprudente.
Lembro-me de uma conversa com ele em 1994 em Brasília, com Lula liderando as pesquisas. Falava do projeto popular do PT e do projeto de Nação das Forças Armadas, sugerindo um pacto não muito democrático.
Não por outro motivo, em diversas oportunidades Lula confessou que, se tivesse sido eleito em 1994, teria quebrado a cara.
Com o tempo, o voluntarismo foi sendo institucionalizado. Internamente, no governo, Dirceu exercia uma pressão similar à de Sérgio Motta sobre FHC. Queria avançar mais, queria menos cautela na política econômica, queria um projeto de industrialização.
Sua grande obra de arte política, nos subterrâneos do poder, no entanto, foi ter mapeado os elos da superestrutura que garantia FHC e inserido o PT no jogo.
Esse mapeamento resultou na viagem aos Estados Unidos, desarmando as desconfianças do Departamento de Estado, dos empresários e da mídia; a ocupação de cargos-chave no Estado, que facilitaram negociações políticas com grupos de influência. Nada que não fosse empregado pelos partidos que já haviam chegado ao poder e que precisaram garantir a governabilidade em um presidencialismo torto como o nosso.

O veneno do excesso de poder

Assim como Sérgio Motta, no entanto, as demonstrações de excesso de poder tornaram-no alvo preferencial da mídia.
Trata-se de uma regra midiática clássica, que não foi seguida por ambos. Quando a mídia sente alguém com superpoderes, torna-se um desafio derrubá-lo. Com exceção de ACM e José Serra – a quem os grupos de mídia deviam favores essenciais e, em alguns casos, a própria sobrevivência -, todos os políticos que exibiram musculatura excessiva – de Fernando Collor ao próprio FHC (no período de deslumbramento), de Sérgio Motta a José Dirceu - terminaram fuzilados.
No auge do poder de Dirceu, creio que foi o Elio Gaspari quem o alertou para o excesso de exibição de influência. Foi em vão.
O reinado terminou em um episódio banal, a história dos R$ 3 mil de propina a um funcionário dos Correios. Tratava-se de uma armação de Carlinhos Cachoeira com a revista Veja, visando desalojar o grupo de Roberto Jefferson para reabilitar os aliados de Cachoeira (http://bit.ly/19sMvtX).
O que era claramente uma operação criminosa midiática, de repente transformou-se em um caso político, por mero problema de comunicação. Roberto Jefferson julgou que a denúncia tinha partido do “superpoderoso” Dirceu, para amainar sua fome por cargos. E deu início ao episódio conhecido por “mensalão”.
E aí Dirceu – e o próprio Genoíno – sentiram o que significa ter chegado tardiamente ao jogo político, não dispor de “berço” e de blindagem contra as armadilhas institucionais do Judiciário e da mídia.

A cara feia da elite

É uma armadilha fatal. Para chegar ao poder, tem que se chegar de acordo com as regras definidas por quem já é poder. Mas, sem ter sido poder, não se tem a mesma blindagem dos poderosos “de berço”.
O episódio do “mensalão” acabou explodindo, revelando – em toda sua extensão – a hipocrisia política e jurídica brasileira, o uso seletivo das denúncias, o falso moralismo do STF (Supremo Tribunal Federal).
Nos anos 40, Nelson Rockefeller tinha um diagnóstico preciso sobre o subdesenvolvimento brasileiro: havia a necessidade de um choque de modernidade, de criação de uma classe média urbana que superasse o atraso ancestral das elites brasileiras, dominada pelo pensamento de velhos coronéis.
Uma coisa é a leitura fria dos livros de história, as análises de terceiros sobre a República Velha, sobre o jogo político dos anos 30, 40, 50. Outra, é a exposição dos vícios brasileiros em plena era da informação.
Para a historiografia brasileira, o “mensalão” é um episódio definitivo, para entender a natureza de certa elite brasileira, a maneira como o conservadorismo vai se impondo, amalgamando candidatos a reformadores de poucas décadas atrás, transformando-os em cópias do senador McCarthy. E não apenas no discurso antissocial e na exploração primária ao anticomunismo mais tosco, mas na insensibilidade geral, de chutar adversários caídos, de executar adversários moribundos no campo de batalha, de abrir mão de qualquer gesto de grandeza.
Expõe, também, de maneira definitiva as misérias do STF.
Aliás, Lula e o PT foram punidos pela absoluta desconsideração pelo maior órgão jurídico brasileiro. Só o desprezo pelo STF pode explicar a nomeação de magistrados do nível de Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Dias Tofolli, somando-se aos inacreditáveis Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, à fragilidade de Rosa Weber e Carmen Lucia e ao oportunismo de Celso de Mello.
O resultado final do julgamento foi o acirramento da radicalização, o primado da vingança sobre a justiça, a exposição do deslumbramento oportunista de Ministros sem respeito pelo cargo.
No plano político, sedimentam no PT a mística de Genoino e Dirceu.
Se deixam ou não o jogo político, não se sabe. Mas, com sua prisão, fecha-se um ciclo que levou um partido de base ao poder, institucionalizou um novo jogo político e, sem o radicalismo dos sonhadores sem compromissos, permitiu mudar a face social do país.
Não logrou criar um projeto de Nação, como pensava Dirceu. Mas deixou sua contribuição para a luta civilizatória nacional.
A democracia brasileira deve muito a ambos.