Espiões espionados
Atividades habituais de vigilância entre países não se confundem com a
invasão da privacidade dos cidadãos feita pelo governo dos EUA
Aliados ou inimigos, ditatoriais ou democráticos, países de todos os
tipos não deixarão tão cedo de espionar-se mutuamente. A constatação, de
que se duvida pouco, tem-se prestado todavia a utilizações duvidosas.
Dizer que "todos se espionam" não se confunde com a ideia, cada vez mais transposta à prática corrente, de que seja lícito invadir a privacidade de qualquer cidadão, sem devidas e fundamentadas autorizações legais.
Feita pela Folha, a revelação de que diplomatas russos, iranianos e iraquianos foram vigiados por agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em 2003 e 2004 é sem dúvida surpreendente. Não chega a causar, por si, fraturas na atitude da presidente Dilma Rousseff diante das atividades, muito mais abusivas, do governo Barack Obama na área de inteligência.
Talvez sirva, ao contrário, para delimitar melhor as fronteiras de um assunto que admitiu declarações algo irrealistas e demagógicas por parte de lideranças mundiais.
"Espionagem entre amigos, isso não se faz", disse a chanceler alemã Angela Merkel ao deparar-se com indícios de que seu celular foi submetido à escuta americana.
Abuso houve, certamente. Tanto mais injustificável se, como no caso brasileiro, em que Dilma teve seu sigilo violado pelos EUA, interesses comerciais privados se imiscuem na operação.
Laços entre países, porém, não se medem pelo mesmo critério das relações entre indivíduos. Nesse sentido, as desculpas que, com razão, Dilma exige de Obama talvez pudessem ser entendidas mais num plano pessoal que de Estado.
De outra ordem de considerações --e nisso a concordância entre Alemanha e Brasil se funda em solo mais fértil-- é a necessidade de encontrar mecanismos internacionais capazes de controlar o poder exclusivo dos EUA no tráfego de informações eletrônicas.
Que cidadãos comuns estejam expostos à invasão e ao armazenamento de seus dados por uma agência de espionagem --nacional ou estrangeira-- é fato bem mais grave do que mútuas bisbilhotices entre funcionários governamentais de qualquer país.
Gravíssimo, se se trata de agências estrangeiras, insubmissíveis à legislação local. Grave, ainda, quando são atividades de órgãos nacionais, de cujas operações pouco se sabe e menos se controla.
A que tipo de autorizações oficiais, cumpre indagar, a Abin se submete? No Legislativo, silêncio: a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência não realiza reuniões periódicas nem exerce acompanhamento metódico sobre a espionagem nacional.
É o que declara seu próprio presidente, deputado Nelson Pellegrino (PT-BA). Só falta, aos brasileiros, esperar que a ONU tenha de cuidar desse controle também...
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