terça-feira, 30 de abril de 2013

.Forma sorrateira do autoritarismo se expressar

O Estado de S. Paulo, 30 de abril de 2013.

Lição do abismo


Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
 
O Dia que Durou 21 Anos é um documentário para ser visto e compreendido em duas dimensões, a explícita e a implícita. Trata da influência do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964, mas não é só isso.
Subjacente às urdiduras norte-americanas no Brasil, o argumento do jornalista Flávio Tavares confere nitidez à linha tênue que separa as palavras ditas das intenções pretendidas quando o nome do jogo é Poder.
No filme, Newton Cruz, um dos mais coléricos personagens do período, diz uma frase que surpreende pela autoria e deixa patente a diferença entre o discurso de defesa da democracia que justificou a conspirata para derrubar João Goulart e a prática que logo revelaria o intuito de instalar uma ditadura militar longeva no País.
"Disseram que iriam arrumar a casa, mas ninguém leva 20 anos para arrumar uma casa", aponta o aposentado general quase ao final dos 77 minutos de projeção. Para além do relato em si, a constatação convida o pensamento a passear pelo terreno das razões alegadas e dos métodos utilizados por aqueles com vocação autoritária.
Gente refratária ao contraditório, obstinada na perseguição de seus objetivos, convicta de que seus fins justificam o emprego de quaisquer meios e, sobretudo, partidária da ideia de que alternância no exercício do poder é praticamente um crime de lesa-pátria.
O procedimento mais tradicional observado nesses grupos é o uso da força, a truculência sem ambiguidades, a ilegalidade impudente. Assim foi a partir daquele dia de março/abril do qual se ouvirá falar muito, junto com Copa e eleições, em 2014 por ocasião da passagem de seu meio século.
Há, porém, outras maneiras de o autoritarismo se expressar. Ladinas, sorrateiras, mas sempre ao abrigo do discurso de defesa de ideais democráticos. Ambas as formas são perigosas, mas a segunda pode ser mais ruinosa justamente porque não ataca de frente preferindo comer o mingau pelas beiradas.
Persistentemente, construindo o cerco à atuação dos adversários, o enfraquecimento das instituições e a debilitação dos instrumentos de guarda da legalidade, nos detalhes. Um aqui, outro ali, sem nunca descuidar de distribuir benesses pontuais e promover uma sensação geral de bem-estar a fim de que seus propósitos não despertem reações.
E, se despertarem, que possam ser atribuídas aos invejosos, aos conspiradores, aos preconceituosos, aos inimigos do povo, aos que não se conformam com o êxito dos locatários do poder que pretendem dele se tornar proprietários.
De onde é preciso estar atento. Não se deixar confundir nem iludir. Nunca menosprezar gestos aparentemente laterais, insignificantes, pitorescos até.
Nada tem de inocente a proposta apresentada por um deputado supostamente secundário do PT para que se derrube o pilar do sistema republicano de equilíbrio entre Poderes e se submetam decisões da Corte Suprema ao crivo do Legislativo ou de plebiscitos.
Não houvesse imprensa livre para denunciar e Judiciário independente para reagir, a proposta poderia prosperar. Se hoje tivéssemos o conselho de controle e fiscalização dos meios de comunicação proposto no início do primeiro mandato de Lula, se os ministros indicados por governos do PT ao STF tivessem se curvado à lógica de que à indicação deveria corresponder conduta submissa, talvez a ideia do deputado Nazareno não fosse tratada como a ignomínia que é.
De onde é preciso prestar muita atenção à tal de Comissão Especial de Aprimoramento das Instituições instalada em novembro na Câmara por iniciativa do PT, com a tarefa de rediscutir os papéis do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Disso já trata a Constituição que, uma vez respeitada, cuida bem de manter afastados do Brasil os males do arbítrio.

E o artigo .142 da CF, que tal?

Folha de S. Paulo, 30 de abril de 2013.

A lei obscura é a pior das normas

TENDÊNCIAS/DEBATES

 

Para que cumpra seus fins, a lei há de ser objetiva; a história mostra que regras imprecisas deram roupagem legal a regimes totalitários

Janaína Conceição Paschoal


Por ser contrária à redução da maioridade penal e, não obstante, reconhecer que a internação por três anos se revela desproporcional para atos infracionais mais reprováveis, recebi bem a notícia de que um projeto de lei, visando ao alargamento de tal prazo, fora enviado ao Congresso Nacional.
Minha simpatia também se deveu à informação de que os internos mais maduros ficariam separados dos mais jovens, evitando-se abusos inerentes à junção de fortes e fracos.
Infelizmente, a leitura do projeto de lei 5.385/13, assinado pelo deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) fez cessar as expectativas positivas.
O texto não segue uma linearidade. Ao que parece, pretendeu tratar, de forma independente, do prazo dilatado e de um novo Regime Especial de Atendimento; entretanto, a todo tempo, os dois institutos se confundem, dando margem ao arbítrio.
Não fica claro, por exemplo, se o tal Regime Especial de Atendimento constitui uma nova modalidade de medida socioeducativa, a ser aplicada no momento da sentença, ou se representaria uma espécie de regime disciplinar diferenciado.
Segundo a proposta, esse regime terá o prazo máximo de oito anos. Apesar de, em princípio, estar condicionado à prática de infrações graves, o próprio projeto prevê que o interno maior de 18 anos que se envolver em motins também poderá ser inserido no regime especial.
Ora, o jovem internado por infração menos grave que as elencadas, se acusado de integrar motim, poderá ficar oito anos no tal Regime Especial de Atendimento?
É certo que, se o maior de 18 anos, no curso do cumprimento da internação, praticar algum crime, sua punição dependerá da devida apuração, não havendo respaldo para prolongar a internação por tanto tempo. Mas o texto proposto não é explícito com relação a isso.
De forma atentatória à Constituição e às leis vigentes, o projeto desrespeita os princípios da legalidade, proporcionalidade e individualização da medida socioeducativa.
Sua falta de objetividade também confere ao juiz a possibilidade de interpretar que, independentemente da sentença proferida, o jovem acusado da prática de ato infracional grave, ao completar 18 anos, automaticamente, terá sua internação estendida em mais oito anos.
A vigorar tal raciocínio, se o rapaz foi internado aos 16 anos, ao final, poderá ficar recluso por dez anos, pois aos dois anos já cumpridos seriam somados oito! Com todo o respeito, se esse é o objetivo, que se o diga expressamente.
O projeto ainda cria a possibilidade de pena perpétua, já que, se houver diagnóstico de doença mental, este ensejará a internação compulsória por prazo indeterminado.
O cotejo com a exposição de motivos não deixa claro se está a falar de doença mental presente à época da prática do ato infracional ou se diz respeito a doença mental desenvolvida depois. Até para maiores de idade as implicações são diferentes!
De nada adianta apenas dizer que o adolescente não poderá ter tratamento mais gravoso que o adulto.
O projeto traz ainda uma agravante para o maior que comete um crime com um menor --esta é desnecessária, pois o Código Penal já prevê a elevação da pena para o agente que instiga alguém não punível a cometer crime (artigo 62, inciso 3º), e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente criminaliza a prática de infração penal com menor de 18 anos (artigo 244-B).
Para que cumpra seus fins, a lei, sobretudo a que priva a liberdade, há de ser objetiva. Afinal, eventual efeito intimidador somente se alcança quando há clareza das consequências do descumprimento.
O intuito de corrigir injustiças não pode legitimar a fluidez da norma. O que entra em vigor não é a intenção, mas o texto de lei conforme proposto e aprovado. A história bem mostra que regras imprecisas e confusas conferiram roupagem legal para regimes totalitários.

JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL, 38, advogada, é professora livre-docente de direito penal na USP

Risco bolivariano

O Globo, 30 de abril de 2013.

O risco bolivariano
30 Abr 2013

Rodrigo Constantino


Com petistas, todo cuidado é pouco. O país assistiu, nos últimos dias, a uma tentativa escancarada de ataque à democracia. Enquanto artistas da esquerda caviar protestavam contra o pastor Feliciano, dando beijos uns nos outros, os "mensaleiros" da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) tentavam usurpar o poder do STF à surdina. Montesquieu ficaria horrorizado com tanto descaso à divisão entre os poderes.
A autoria da proposta de emenda constitucional aprovada é de Nazareno Fonteles, deputado petista pelo Piauí. Não é sua primeira proposta absurda. Em 2004, ele apresentou um projeto de lei complementar que estabeleceria uma "poupança fraterna". Puro eufemismo: tratava-se de uma medida avançada rumo ao socialismo.
O artigo primeiro dizia: "Fica criado o Limite Máximo de Consumo, valor máximo que cada pessoa física residente no País poderá utilizar, mensalmente, para custear sua vida e as de seus dependentes." Acima desse valor arbitrário definido pelo governo, a renda seria confiscada para essa poupança compulsória coletiva. Uma bizarrice que nos remete ao modelo cubano.
É realmente espantoso que, em pleno século 21, ainda tenhamos que combater uma ideologia tão nefasta quanto o socialismo, que deixou um rastro de escravidão, morte e miséria por onde passou. Mas uma ala petista, com outros partidos da esquerda radical, ainda sonha com essa utopia assassina. Tanto que chegaram a assinar carta de apoio ao ditador coreano!
São os nossos "bolivarianos", que se inspiram no falecido Hugo Chávez, cujo "socialismo do século 21"é exatamente igual ao do século 20. Vide a militarização crescente imposta por Maduro, o herdeiro do caudilho venezuelano, assim como a inflação fora de controle e o aumento da violência. Socialismo sempre estará associado ao caos social e à opressão.
Países que já sofreram na pele com esse regime não querem mais saber de partidos ostentando tal ideologia. A Hungria, seguindo outros países do Leste Europeu, acaba de vetar símbolos nazistas e comunistas. Não há por que proibir a suástica e permitir a foice com o martelo. Ambos representam regimes assassinos, totalitários, antidemocráticos.
Se o socialismo é o mesmo de sempre, a tática para chegar a ele mudou. Hoje, os socialistas tentam destruir a democracia de dentro, ruindo seus pilares, mas mantendo as aparências. Eles aparelham toda a máquina estatal, infiltram-se em todos os lugares, e partem para uma verdadeira revolução cultural, sustentada pelo relativismo moral exacerbado.
Não existem mais valores objetivos, ninguém pode julgar nada, vale tudo, e quem discorda sofre de preconceito e é moralista. Com essa agenda politicamente correta, os socialistas modernos vão impondo uma mentalidade fascista que, em nome da "tolerância" e da "diversidade", não tolera divergência alguma.
Triste é ver que alguns homossexuais aderem a esse movimento, ignorando que o socialismo sempre perseguiu os gays. Chega a ser cômico ver o deputado Jean Wyllys usando boina no estilo Che Guevara, um facínora que achava que os gays tinham de ser "curados" em campo de trabalho forçado.
Como não temos uma oposição política organizada que valha o nome, resta como obstáculo a esse golpe bolivariano basicamente a força de quatro instituições: família, igreja, imprensa e Judiciário. Não por acaso são esses os principais alvos dos golpistas. Eles sempre menosprezam o núcleo familiar tradicional, atacam ou se infiltram nas igrejas (vide a Teologia da Libertação ou a própria CNBB), insistem no "controle social" da imprensa, e desejam diluir o poder do Ministério Público e do STF.
Há até mesmo uns dois ali que mais parecem petistas disfarçados de ministros. Não é exclusividade latino-americana tentar ir por esse caminho. Roosevelt tentou expandir a quantidade de ministros da Suprema Corte para diluir a oposição ao seu "New Deal", claramente inconstitucional. Mas as instituições americanas são mais resistentes e suportaram o golpe. Na América Latina, infelizmente, há terreno mais fértil para populistas autoritários.
Nesse ambiente, os defensores da liberdade e da democracia não podem cochilar jamais. É preciso tomar cuidado com as cortinas de fumaça criadas para esconder o jogo sujo dos bastidores. Foi marcante, por exemplo, a discrepância entre a reação histérica ao pastor Feliciano, e a postura negligente com os "mensaleiros" na CCJ. Estranhas prioridades.
Nossa liberdade corre sério perigo, e seus principais inimigos são os jacobinos disfarçados de democratas. Acorda, Brasil!

Crime organizado endógeno e exógeno



O áudio pode ser ouvido pelo link abaixo.

Leia mais: http://cbn.globoradio.globo.com/cbn-rj/cbn-rj/2013/04/30/OPERACAO-NA-ZONA-OESTE-DO-RIO-MOBILIZA-400-HOMENS-PARA-PRENDER-78-POR-PROPINA-60-SAO-P.htm#ixzz2RxhGTwAN


Policiais são presos por cobrar propina de feirantes
01 Mai 2013

Quadrilha de Bangu e Honório Gurgel tinha 56 agentes públicos

Fernando Quevedo


A Secretaria de Segurança Pública e a Corregedoria da Polícia Militar prenderam ontem 72 pessoas acusadas de cobrar propina de comerciantes, camelôs e mototaxistas em Bangu e Honório Gurgel. Entre os presos da Operação Compadre estão 50 policiais militares, seis policiais civis, o administrador da 34ª DP (Bangu) e 14 cúmplices. A quadrilha vinha sendo investigada desde abril do ano passado. Sete pessoas seguem foragidas da Justiça. Os policiais presos tiveram as carteiras, distintivos e armas apreendidas.
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que os policiais envolvidos nas irregularidades deverão ser expulsos das suas corporações:
- Não vejo outra resposta a não ser a demissão de todas essas pessoas. As acusações são graves e a composição da prova é de qualidade.
Durante as investigações foi constatado o envolvimento de policiais na cobrança de propina de comerciantes que trabalhavam em três feiras dos dois bairros, além dos pontos de mototáxis da região sob responsabilidade do 14º BPM (Bangu). Os mandados de prisão expedidos contra policiais civis foram cumpridos por agentes da Corregedoria da Polícia Civil (Coinpol).
- É um trabalho de contrainteligência, no qual se investiga policiais. Por isso se torna um trabalho mais difícil, considerando que muitas vezes os métodos são conhecidos pelos próprios policiais - disse Beltrame. - A corrupção policial é um problema sério e crucial que temos no Brasil. Agentes públicos que têm que defender a população se locupletam da condição de servidores públicos para auferir ganhos indevidos.
As investigações começaram após denúncia de cobrança de quantias em dinheiro de comerciantes e camelôs nas feiras. Feirantes e comerciantes eram obrigados a pagar à quadrilha para não serem incomodados. Os comerciantes que trabalhavam com mercadorias pirateadas (DVDs, aparelhos eletrônicos, telefones celulares, roupas e relógios usados) eram coagidos a pagar R$ 70, divididos em duas parcelas de R$ 35 cobradas todas as quartas e quintas-feiras. Já dos vendedores de mercadorias lícitas era cobrada a quantia de R$ 5, sempre às sextas e sábados.

PROPINA NO CARRO

Em flagrantes feitos pelas equipes de Inteligência da Secretaria de Segurança foi detectado ainda que um homem, que se passava por policial civil, e policiais militares repartiam o dinheiro recolhido com duas viaturas. O esquema de corrupção envolvia policiais do 14º BPM (Bangu), 9º BPM (Rocha Miranda) da 34ª DP (Bangu) e da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). Com o passar do tempo, os policiais foram transferidos de unidade. Atualmente, os PMs envolvidos na quadrilha pertencem ao 20º BPM (Mesquita) , 6º BPM (Tijuca), 4º BPM (São Cristóvão), 41º BPM (Irajá), 15º BPM (Caxias), do Centro de Formação de Praças (Cefap), além do 14º e do 9º BPM. Os denunciados são acusados dos crimes de formação de quadrilha, concussão (extorsão praticada por funcionário público) e roubo.
Durante a apuração da denúncia, mototaxistas revelaram não possuir carteira nacional de habilitação e não trafegar de acordo com as leis de trânsito. Muitos faziam ainda o transporte de drogas para usuários. Com a propina paga aos policiais, as irregularidades não eram coibidas. Desde 2008, ações investigativas das corregedorias das polícias Civil e Militar já resultaram na exclusão de 1.400 policiais civis e militares envolvidos em crimes.
- Todas as instituições que cresceram e modificaram foram por meio de exclusões e punições. Nós estamos fazendo esse papel. Mostramos à sociedade que ela pode confiar no nosso trabalho. Várias denúncias estão sendo apuradas. Isso é o mais gratificante. A sociedade acredita que hoje a PM está fazendo o trabalho correcional forte para limpar a instituição - disse o coronel Erir Costa Filho, comandante-geral da PM.
Em julho do ano passado, três sargentos e um cabo do 14º BPM tiveram as prisões decretadas pelo juiz Jorge Luiz Le Cocq, da 2ª Vara Criminal. Ricardo Caminha Freire, Diomedio Rocha Bezerra, Anderson Fernandes Fonseca e Wellington Oliveira de Souza são acusados de homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Em dezembro de 2006, 75 policiais militares foram presos na Operação Tingui. Os policiais formavam grupos distintos e praticavam extorsão, sequestro e repasse de armas e drogas.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Relembrando o ex-ministro da Justiça



Folha de S. Paulo,  4 de maio de 2005

A espada e o "ou"
SAULO RAMOS

Contrariando a apreciação do senador Marco Maciel sobre nossa transição para a democracia, o professor da Universidade Federal de Pernambuco Jorge Zaverucha escreveu, aqui em "Tendências e Debates" (26/4/ 05), uma das maiores bobagens que já li sobre a história recente do Brasil.
Deixando de lado suas comparações com a Espanha, afirmou o articulista que "Tancredo Neves/José Sarney foram eleitos por instituições criadas pelo regime autoritário para favorecer seus interesses". Chegou a essa conclusão o curioso detetive da história dizendo que Sarney presidiu o PDS, braço político do regime militar. Seria, portanto, um agente infiltrado nas forças que lutavam pela democracia. E vai mais longe, ao dizer: "Com a morte de Tancredo, surgiu uma disputa jurídica sobre quem o deveria suceder. A solução foi sobretudo militar. Curiosamente, Ulysses Guimarães apareceu na mídia como estadista capaz de abrir mão generosamente da disputa pelo poder presidencial".

Figueiredo, que odiava Tancredo, passou a odiar Sarney. Na Aeronáutica havia tropa disposta a anular a eleição



Atribui a Ulysses Guimarães afirmações posteriores: "Eu não fui bonzinho coisa nenhuma. Seguia as instruções de meus juristas. O meu Pontes de Miranda estava lá fardado e com a espada me cutucando que quem tinha de assumir era o Sarney". E revela: quem estava com a espada cutucando Ulysses era o general Leônidas Pires Gonçalves. Em seguida, afirma que ouviu de Antonio Carlos Magalhães que Leônidas, "um jurista militar, em meio a uma reunião, apontando a Constituição, disse que Sarney tinha que assumir". Não era mais a espada. O general estava apontando para a lei.
Em primeiro lugar, a "questão jurídica" não surgiu depois da morte de Tancredo. É o primeiro erro grosseiro quanto ao fato histórico, que prejudica as conclusões que dele o historiador queira inferir em suas análises. A questão surgiu com o internamento de Tancredo no hospital e com o conseqüente impedimento de tomar posse do cargo de presidente da República, marcada para o dia seguinte. Levantou-se a tese de que o vice não poderia assumir porque o titular não havia tomado posse e, portanto, não tinha o direito de substituir ou suceder quem no cargo não estava. A Constituição era, porém, muito clara: "Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o presidente ou o vice-presidente, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago pelo Congresso Nacional" (parágrafo único do art. 76 da Constituição então vigente).
Não precisa ser jurista para verificar que aquele "ou" entre presidente e vice-presidente asseguraria a posse de um ou de outro. Se o presidente, por motivo de força maior, não podia assumir, o vice podia. E pronto. Leônidas Pires Gonçalves, um oficial honrado, escolhido por Tancredo para seu ministro do Exército, liderava um grupo de militares legalistas que queria a volta da democracia. Os integrantes desse grupo, instruídos pela sagacidade de Tancredo, convenceram os demais a devolver o poder aos civis. Democracia era outro papo.
Claro que os gorilas da ditadura tinham ambições de continuar no poder. Não foram eles que elegeram Tancredo Neves, como afirma o articulista pernambucano. O sistema militar, pouco tempo antes, tivera uma estrondosa vitória no Congresso Nacional, com a rejeição da emenda de eleições diretas para presidente. O Congresso era o Colégio Eleitoral. Pelo costume de impor tudo aos nossos parlamentares, os militares concordaram em realizar eleições no Colégio Eleitoral e lançaram como candidato Paulo Maluf, cria do general Costa e Silva e um civil de confiança do regime autoritário, que combatia a subversão e a corrupção. Estavam certos de que venceriam, pois vinham de uma vitória na votação contrária às eleições diretas. O presidente da República era o general João Batista Figueiredo, que defendia a legalidade, isto é, as eleições indiretas. Na privacidade, costumava dizer "Tancredo "never'". Mas Tancredo foi eleito por 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf.
Figueiredo, que odiava Tancredo, passou a odiar Sarney, que ajudou a derrotá-lo. Com o impedimento do presidente eleito, essa ala totalitária quis aproveitar o pretexto para virar a mesa. Na Aeronáutica havia tropa disposta a anular a eleição. Walter Pires, então ministro do Exército, quando soube que Sarney tomaria posse, declarou expressamente que iria mobilizar seus dispositivos para impedir. Leitão de Abreu o fez desistir, dizendo que a tropa já estava sob o comando de Leônidas.
Sarney assumiu o governo e permitiu todas as liberdades, a volta dos partidos de esquerda, na ilegalidade desde Juscelino, e convocou a Constituinte. Não se pode afirmar, pois, que tudo isso foi obra dos militares.
O professor Zaverucha atropela mais uma vez a história ao afirmar que "Tancredo quis um mandato cheio, de quatro anos. Achando pouco, Sarney pressionou o Congresso, com ajuda dos militares, pelo quinto ano de governo". Tancredo tinha o mandato de seis anos e nunca falou em quatro. Sarney, que o sucedeu, também tinha os mesmos seis anos. Pela lógica do professor, os militares pressionaram o Congresso para reduzir para cinco. Não são mais as rádios e televisões. Agora foram os militares.
Vejam o que professores universitários fazem com a história do Brasil. E com história recente, que nós, os mais velhos, conhecemos por a ter vivido por dentro. Logo, logo vão afirmar que Pedro Álvares Cabral descobriu a Argentina e que o padre Anchieta fundou Buenos Aires. O professor Zaverucha é doutor pela Universidade de Chicago. Podia escrever a história de Al Capone. E deixar a nossa em paz.

José Saulo Pereira Ramos, 75, é advogado. Foi consultor-geral da República e ministro da Justiça (governo Sarney).


Folha de S. Paulo, 25 de maio de 2013.


Conveniência política
JORGE ZAVERUCHA

Publiquei na Folha, em 26/4, artigo discordando do eminente senador Marco Maciel. Ao contrário dele, acredito que a transição espanhola para a democracia foi mais bem sucedida que a brasileira. Boa parte do nosso aparato coercitivo do Estado se mantém autoritário, mesmo com incontestáveis avanços na competição eleitoral. A essa singular situação, que já perdura 20 anos, chamo, dentre outros motivos, de semidemocracia.
O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos discordou da minha avaliação. Não precisava resvalar para ataques pessoais contra o "articulista pernambucano". Até fez surpreendente uso da expressão "gorilas da ditadura". Linguajar outrora utilizado por certos segmentos da esquerda. Também investiu contra os professores universitários, acusando-os de deturparem a história do Brasil. A responsabilidade é exclusivamente minha se escrevo "bobagens". Não deveria tomar a parte pelo todo.
Nenhuma palavra do advogado sobre a saída do ministro Viegas. Ou reflexão sobre o caso espanhol. Talvez minha visão, pouco idílica, sobre seu ex-chefe o tenha irritado. É oportuno ressaltar que, numa democracia, conta não só o conteúdo mas também a forma pela qual os argumentos são colocados.
Alguns esclarecimentos. A afirmação de Ulysses: "Segui as instruções do meu jurista. O meu "Pontes de Miranda" [general Leônidas] estava lá, fardado, e com a espada me cutucando que quem tinha de assumir era o Sarney" está no artigo de Ronaldo Costa Couto ("Para o povo, esperança era o outro nome de Tancredo"), publicado na Folha (15/3). Se isto não se chama intimidação...
Ulysses teria insultado os membros de Junta Militar; concorreu, em 1974, como "anticandidato" à Presidência da República; e chamou o ex-presidente Geisel de "Idi Amim branco". Geisel foi o grande conselheiro militar de Tancredo. Portanto, Ulysses era nome inaceitável pela caserna. Não seria então, com a morte de Tancredo, que chegaria ao poder.

O problema de quem "vive por dentro a história" é a capacidade de enxergar a árvore, mas não a floresta


Jamais afirmei ter ouvido algo de Antonio Carlos Magalhães. Reproduzi sua declaração sobre Leônidas, a quem definiu como "o jovem jurista militar". Vide "A Tribuna da Imprensa" ("Senado lembra 20 anos da democratização", 16/3). Curioso é que, nessa sessão do Senado, os principais oradores foram políticos aliados do governo militar até o último suspiro do regime. Aos ex-"peemedebistas históricos" foi reservado o papel de coadjuvantes. E não se ouviu maiores protestos por parte da base parlamentar do atual governo.
Sugiro leitura do livro de Ricardo Noblat, "Céu dos Favoritos", em especial o capítulo "A ameaça dos Urutus". Lá há detalhes sobre a pressão militar em favor da manutenção do presidencialismo e pelos cinco anos de mandato. Esta não é a única variável explicativa para a vitória de Sarney. Poderia ter ocorrido uma negociação entre os políticos, caso parte deles não desse como certa a vitória do Parlamentarismo. Por exemplo: continuação do presidencialismo em troca da redução do mandato para quatro anos.
E por falar em mandato, a Constituição então vigente estipulava seis anos para o presidente. É de conhecimento público que Tancredo anunciou seu desejo de governar por quatro anos. Destoando do manifesto que deu origem à Aliança Democrática (7/8/84). Pelo manifesto, seria restabelecida imediatamente eleição direta para presidente da República.
Ressalte-se a diferença de comportamento entre Sarney e Suárez, ambos egressos das hostes autoritárias do "ancién" regime. Suárez, logo após ter sido eleito pelas cortes franquistas, começou a organizar eleições diretas. Já Sarney, achando pouco quatro, trabalhou, e como, pelo quinto ano de mandato.
Sobre quem deveria suceder Tancredo, o advogado apresenta uma das possíveis interpretações jurídicas. Só que ele não detém o monopólio do escólio constitucional. O próprio Sarney, em seu livro de memórias, escreveu que "o ministro Moreira Alves, presidente do Supremo Tribunal Federal, convocou uma reunião de urgência, secreta, de toda a corte para examinar o assunto. Resolveram, contra os votos dos ministros Luís Galloti e Sidney Sanches que, na forma da Constituição, cabia ao vice-presidente assumir o governo" (http://noblat.blig.ig.com.br).
Havendo divergência jurídica sobre quem deveria suceder Tancredo, cai por terra o argumento de a única solução ser a assunção de Sarney. Não é preciso ser um "curioso detetive da história" nem "ter vivido por dentro a história" para chegar a esta conclusão. O problema, muitas vezes, de quem "vive por dentro a história" é a capacidade de enxergar a árvore, mas não a floresta.
Sarney corroborou a influência do general Leônidas em artigo publicado nesta Folha (21/1) com o sugestivo título de "Boa noite, presidente". Referiu-se ao cumprimento que lhe foi dado pelo general Leônidas, às 3h, no dia de sua posse. Só assim foi dormir convicto de que assumiria o poder. "Leônidas foi o ponto chave (ênfase minha). A ele deve o país, em grande parte, a tranqüilidade da transição", escreveu o presidente. É o que eu tinha a comentar.

Jorge Zaverucha, 49 anos, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago, é professor da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador do CNPq. É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia, 1999-2002", entre outras obras.

Manicômio fiscal

Federalismo: perigo à vista
29 Abr 2013

Maílson da Nóbrega


A federação brasileira é uma das mais descentralizadas do mundo, mas essa não é a opinião de governadores e prefeitos, para os quais o governo federal centraliza excessivamente as receitas. Alegam que a União fica com 70% da arrecadação, restando 24.5% para os estados e 5,5% para os municípios. É verdade, mas há que considerar o dinheiro transferido mandatoriamente para esses últimos. Aí o quadro começa a mudar: a União fica com 58%: os estados e municípios passam de 30% para 42%. A situação muda de vez ao se considerarem as responsabilidades constitucionais da União. A fatia que lhe cabe na receita é compatível com suas obrigações.
Competem à União os gastos obrigatórios com previdência (INSS), educação, saúde e encargos da dívida federal. Somados às transferências a estados e municípios, perfazem cerca de 90% das receitas federais. Há também despesas obrigatórias na prática como as de defesa, fiscalização e investimentos mínimos em infraestrutura. Restam à União menos de 5% da receita para financiar outros gastos (algo como 60 bilhões de reais no Orçamento de 2013).
Em menor grau, essa rigidez orçamentária já existia nos anos 1980. Sem ligarem para isso, governadores e prefeitos empreenderam bem-sucedido movimento em prol de maiores transferências. Em 1979, a União transferia 20% do imposto de renda e do IPI. Após três reformas constitucionais e a Constituição de 1988 esse porcentual saltou para 47% do IR e 57% do IPI, incluindo 3% para fundos regionais de desenvolvimento. Os impostos da União sobre combustíveis, minerais, transportes e comunicações foram incorporados ao ICMS estadual. Além disso, a Constituição elevou os gastos federais com pessoal, previdência, educação e saúde. Um desastre fiscal para a União: suas despesas obrigatórias aumentaram e as receitas diminuíram. Se nada fosse feito, o déficit público e a dívida explodiriam.
A saída lógica seria aumentar as alíquotas do IR e do IPI os dois principais impostos da União. Acontece que após as transferências e a vinculação de receitas à educação, remanescem na União metade do IR e um terço do IPI. Assim, seria necessário cobrar o dobro do IR e o triplo do IPI, penalizando ainda mais os contribuintes. A solução menos danosa seria recorrer às contribuições, que pertencem inteiramente à União. Elas não geram transferências para outras esferas de governo nem aumentam automaticamente gastos. A qualidade do sistema tributário pioraria, mas se evitaria o colapso das finanças federais.
A carga tributária saltou de 21% para 36% do PIB entre 1987 e 2012. Aí está a origem da complexidade dos tributos federais, que se agravou ainda mais com o aumento real de 115% do salário mínimo entre 1994 e 2012. Houve dramática expansão dos gastos do INSS. O salário mínimo reajusta três quartos dos benefícios e mais de 40% da despesa total. O manicômio fiscal se instalou. O peso dos gastos e o caos tributário constituem, hoje, o principal obstáculo à expansão do potencial de crescimento da economia e da geração de bem-estar.
Mesmo assim, governadores e prefeitos resolveram reeditar o movimento dos anos 1980 e querem mais dinheiro da União, usando a mesma tese furada da excessiva centralização. Como parece claro, a centralização de receitas foi a consequência natural da decisão da sociedade de elevar as transferências e os gastos sociais, particularmente os do INSS. A proposta atual dos governadores é transferir, ao longo de cinco anos, mais 5% das receitas federais para os estados e municípios.
Se a medida vigorasse em 2013, haveria transferências adicionais aos estados e municípios de cerca de 60 bilhões de reais. A União perderia totalmente sua hoje exígua margem de manobra. Teria de aumentar a dívida ou a carga tributária. Seria um novo desastre fiscal. Candidatos à Presidência da República se juntaram ao movimento. Se por acaso um deles ganhar as eleições, herdará um processo orçamentário ainda mais disfuncional e custoso. Liderará um país propenso à estagnação ou ao descontrole inflacionário. O perigo é enorme inclusive por causa da incapacidade de articulação do governo. Que o diga o caso dos royalties do petróleo, uma das faces dessa história.

Exército pavimentará ruas de Manaus


Asfalto esburacado: Prefeitura recorre ao Exército para resolver situação de Manaus

29 Abr 2013

Prefeitura recorre ao Exército para ajudar a resolver situação de Manaus, que tem solo arenoso e precisa de trabalho na base

STEFFANIE SCHMIDT

 

O Exército passará a atuar na pavimentação das ruas de Manaus a partir de junho, dentro de pacote de obras de verão, anunciado na última quinta-feira pelo Prefeito Artur Neto. Dois editais de licitação deverão ser lançados na próxima semana: um para aluguel de equipamentos e máquinas pesadas e outro para contratar empresa para elaborar o projeto básico de recapeamento de 200 km de vias que deverá ser executado nos quatro anos de governo. O orçamento para o projeto é de R$ 11 milhões, segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Habitação (Seminfh).

Esta é a segunda vez que a administração municipal conta com a parceria dos militares. Em 1989, durante o primeiro mandato de Arthur Neto como prefeito de Manaus, os militares atuaram na limpeza de ruas da cidade.

O emprego da engenharia militar em benefício do Estado decorre da Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004, que diz que cabe ao Exército “[...] cooperar com órgãos públicos(..) e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante”.

Onde as técnicas e materiais empregados nas obras são executados pelo Exército, as fundações são largas, a rodovia é construída com uma camada superior de 22 centímetros de concreto, a exemplo da BR-101, que liga Recife à Natal. A obra executada em 2009 foi considerada uma das mais caras e mais difíceis de ser feita, no entanto, a estimativa de vida útil é de 40 a 50 anos, ao passo que uma rodovia convencional tem vida útil de dez anos, isso, considerando a manutenção adequada.

De acordo com o 2º Grupamento de Engenharia do Comando Militar da Amazônia (CMA), o retorno para as forças militares se dá com o adestramento da tropa, que se torna mão de obra qualificada para o mercado de trabalho.

A partir do momento em que o Exército recebe solicitação formal para realizar obras de cooperação com órgãos públicos , elabora-se um estudo de viabilidade técnica e ambiental que contribui para definir o modo como a Engenharia Militar poderá realizar o trabalho.

No pacote anunciado pela Prefeitura, o Exército executará ações na Ponta Negra e avenida Pedro Teixeira, na zona Oeste, em um total de sete quilômetros, o que poderá ser ampliado. Além disso, estão previstos o recapeamento de vias principais como Djalma Batista e Constantino Nery, que ficará a cargo do Governo do Estado, em um total de 50 km. A Prefeitura será responsável por outros 55 km, número que deve ser ampliado.

Segundo o prefeito Artur Neto, estudos da prefeitura mostram que 90% dos veículos existentes na cidade passam ao menos uma vez por dia em uma das cinco avenidas que serão recuperadas.

 

Emulsão asfáltica a frio

A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) iniciou operações de recuperação das principais vias da cidade no início de abril, com o caminhão espargidor de asfalto, com capacidade para cinco toneladas de material asfáltico.

A máquina, de propriedade da própria secretaria, foi projetada e fabricada para operar com emulsão asfáltica a frio. Ela pode suprir o trabalho realizado por duas ou três equipes de infraestrutura. Além disso, em caso de chuva, o caminhão pode ser coberto e ligado à rede elétrica, para que a temperatura do material seja conservada por até 48 horas.

O caminhão espargidor de asfalto deverá operar nos plantões noturnos, iniciados pela secretaria desde o último dia 8 com o objetivo de recuperar as principais vias da cidade sem causar prejuízos aos motoristas, em vias de grande fluxo como Djalma Batista, Constantino Nery, André Araújo, Alameda Cosme Ferreira, Tefé e ruas do Centro.

 




A PEC da submissão

Diário de Classe

PEC da Submissão representa anticontrole da Constituição

Primeiro, veio a tal PEC 37, que pretende pôr fim à investigação do Ministério Público. Depois, a lei que proibiu as universidades federais a exigir os títulos de mestre e doutor nos concursos docentes. Agora, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 33/2011, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), aumentando ainda mais a tensão instalada entre os poderes da República.
Tal qual a PEC 3/2011 — de autoria do mesmo deputado, que pretende alterar o inciso V do artigo 49 da Constituição para permitir que o Congresso Nacional possa sustar atos normativos de “outros poderes” que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (atente-se para não incorrer na mesma confusão feita recentemente por Alexandre de Moraes, aqui na ConJur) —, a PEC 33/11 visa ao engessamento do Poder Judiciário, na medida em que subverte/aniquila o atual sistema brasileiro de constitucionalidade das leis — seja no controle difuso, seja no concentrado — restringindo sensivelmente a competência originária do Supremo Tribunal Federal (clique aqui para ler sobre o assunto).
Além de elevar o quórum exigido para a declaração de inconstitucionalidade no plenário dos tribunais (artigo 97), a referida PEC também submete as súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal ao referendo do Congresso Nacional.
Como se isto não bastasse, a PEC estabelece que as decisões proferidas pelo STF, em sede de ADI, acerca da inconstitucionalidade de emendas constitucionais deverão ser encaminhadas para chancela do Congresso Nacional. Caso este se manifeste contrário à decisão, no prazo de 90 dias, a controvérsia deverá ser submetida à consulta popular. Outrossim, fica vedada a suspensão da eficácia de emenda à Constituição através de medida cautelar.
A admissibilidade da PEC foi “inusitada” e “surpreendeu a todos”, conforme reconheceu o próprio Presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, causando polêmica entre os parlamentares desde então. O deputado informou à imprensa que pedirá estudo preliminar e que não instalará comissão especial para examinar a PEC, enquanto não houver respeito e harmonia entre os poderes.
Após os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes criticarem abertamente a PEC 33/11 (clique aqui para ler), o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) impetrou mandado de segurança no STF, a fim de suspender sua tramitação por manifesta violação à cláusula pétrea relativa à separação dos poderes.
Na justificativa da PEC, seu autor esclarece que sua motivação resulta do protagonismo alcançado pelo Poder Judiciário, que assume dois contornos distintos na atualidade: a “judicialização das relações sociais” e o “ativismo judicial”. Segundo o deputado Nazareno Fonteles, o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil é “um dos mais abrangentes do mundo”. Tal fato permite que os juízes, ao decidirem, ultrapassem os limites do caso concreto, “criando normas que não passaram pelo escrutínio do legislador”. O problema se agrava, a seu ver, quando se trata das decisões tomadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, que “vem se tornando um superlegislativo” e, assim, prejudicando a realização da democracia.
O mesmo argumento também foi retomado pelo relator, deputado João Campos (PSDB-GO), em cujo parecer destacou que “a quadra atual é, sem dúvida, de exacerbado ativismo judicial”. Para ele, a PEC traz maior legitimidade e equanimidade ao controle de constitucionalidade, evitando-se, assim, a hipertrofia dos poderes da Suprema Corte.
Muito embora o remédio formulado na PEC 33 implique nítido retrocesso institucional, é preciso reconhecer que o diagnóstico formulado — os desafios resultantes do fenômeno da judicialização da política aliado ao crescimento de um ativismo judicial sui generis — mostra-se preciso, além de constituir um dos principais pontos de interseção entre o direito constitucional e a teoria e a Filosofia do Direito.
Registre-se, nesse sentido, que este Diário de Classe tem abordado frequentemente as questões problematizadas pela PEC: o invencionismo hermenêutico do STF (leia aqui), a distinção entre ativismo judicial e judicialização da política (leia aqui), o juiz que aboliu o regime aberto através de portaria (leia aqui), entre outras.
De todo modo, ao contrário dos discursos parlamentares proferidos em defesa da “subordinação” do STF, é importante deixar claro que, nesta quadra da história, é impossível negar o elevado grau de autonomia do Direito frente à política (e à economia e, também, à moral), alcançado sobretudo a partir do paradigma do constitucionalismo do segundo pós-guerra, em face dos históricos fracassos da falta de controle da e sobre a política, conforme as lições de Luigi Ferrajoli e Lenio Streck.
Não é à toa que, ao ler a notícia, me lembrei, imediatamente, de nossa Constituição do Império — inspirada no modelo liberal francês, marcado pelo caráter antijudiciário resultante da revolução francesa —, em que a guarda da Constituição era atribuição da Assembléia Geral (artigo 15, inciso IX).
O mesmo tipo de intervenção adveio no Estado Novo, quando a Constituição de 1937 — a Polaca, redigida por Francisco Campos — instituiu o chamado “anticontrole” de constitucionalidade, permitindo ao presidente da República, Getúlio Vargas, “derrubar” no Congresso Nacional as decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (artigo 96, parágrafo único).
Todavia, considerando que, no constitucionalismo democrático brasileiro, a guarda da Constituição é atribuição do Supremo Tribunal Federal, a PEC 33 é flagrantemente inconstitucional, eis que violadora o artigo 60, parágrafo 4º, incisos III e IV, da Constituição da República, segundo o qual “não será objeto de deliberação” a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.
Destaque-se, ainda, que a proposta do deputado Nazareno Fonteles institui a “subordinação” do Supremo Tribunal Federal ao Congresso Nacional. Esta nova relação revelaria, ao fim e ao cabo, uma hierarquia entre os poderes — e, aqui, é onde reside o problema —, na medida em que as decisões da Corte Suprema poderiam ser revisadas pela vontade do legislador. Além disso, a referida PEC coloca em xeque outro garantia fundamental expressa no texto constitucional: a coisa julgada!
Como sempre refere Marcelo Cattoni, o fato de criticarmos o ativismo judicial e/ou discordarmos dos abusos verificados na jurisprudência constitucional não deve nos levar a ser contra a instituição Supremo Tribunal Federal, mas a lutar pela sua mudança e, sobretudo, pela democratização no processo de nomeação de seus ministros.
No fundo, parece que retornamos, mais uma vez, ao velho debate travado entre Hans Kelsen e Carl Schmitt, no início do século XX, acerca de quem deve ser o guardião da constituição. Não podemos esquecer, contudo, que a tese kelseniana resultou vencedora e seus efeitos se mostraram determinantes tanto à evolução das teorias jurídicas contemporâneas quanto à jurisdição constitucional, em todo o mundo.
Afinal, se é verdade que o Poder Judiciário não deve assumir o papel de protagonista no cenário do Estado Democrático de Direito, isto não significa que ele possa ser rebaixado à condição — subordinada — de mero figurante.
André Karam Trindade é doutor em Teoria e Filosofia do Direito (Roma Tre/Itália), mestre em Direito Público (Unisinos) e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2013

Judicialização é diferente de ativismio judicial

Judicialização não é sinônimo de ativismo judicial

No discurso que fez em homenagem ao novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, o também ministro Luiz Fux realizou uma candente defesa da autonomia do Poder Judiciário. Com a erudição que lhe é peculiar, disse que a efetivação de direitos fundamentais pelo Judiciário — principalmente, por meio do Supremo Tribunal Federal — não representa ingerência deste Poder estatal nos demais. Tais atribuições, nos termos propalados pelo discurso, fazem parte da agenda de responsabilidades atribuída ao Judiciário na contemporaneidade.
Esse traço marcante da fala do ministro foi intensamente mencionado nas discussões que se seguiram à cerimônia de posse da nova presidência do Pretório Excelso. De todo modo, não é apenas sobre a independência e a autonomia do Poder Judiciário que pretendo tratar na coluna de hoje. De fato, quero lançar luz sobre outro aspecto, igualmente mencionado no discurso do ministro Fux, mas que acabou ressoando muito pouco na repercussão que foi dada pela mídia em geral. Quero ressaltar um aspecto, digamos, mais academicista da fala articulada.
Trata-se da admoestação feita pelo ministro àquilo que ele nomeou de “certos nichos acadêmicos”. Em sua fala, revestida de certo tom de censura, o ministro afirmou que a incisividade atual do Poder Judiciário na vida social é aclamada por diversos autores da doutrina nacional e estrangeira — algo que, registre-se, é de duvidosa veracidade — e que apenas um pequeno grupo de estudiosos (na expressão do ministro, “certos nichos acadêmicos”) é que se mostra crítica a tal participação do Judiciário. Esses “nichos acadêmicos” seriam aqueles lugares nos quais se produzem pesquisas sobre a chamada judicialização da política.
Para definir judicialização da política, o ministro chama à colação as lições do cientista político estadunidense Chester Neal Tate[1] dizendo que tal fenômeno significa o deslocamento do polo de decisão de certas questões que tradicionalmente cabiam aos poderes Legislativo e Executivo para o âmbito do Judiciário.
Logo na sequência, o ministro faz uma dura crítica a tais setores acadêmicos, “partidários” do discurso da judicialização da política, ao asseverar que aqueles que criticam o Judiciário por ingressar no campo das decisões políticas acabam por incorrer em certo vazio discursivo uma vez que não apresentam, de maneira clara e objetiva, quais são as linhas demarcatórias desse limite a ser respeitado pelo Direito com relação à Política.
Vou expor aqui alguns motivos pelos quais entendo que o ministro não foi totalmente justo com a apresentação do problema e o respectivo papel da academia no exame dessas questões.
Em primeiro lugar, no modo como a questão foi apresentada pelo ministro, somos levados a entender que aqueles que pesquisam e escrevem sobre a judicialização da política, e que discutem sobre os limites da atuação do Poder Judiciário, pretendem reduzir o papel desempenhado pela função jurisdicional em um Estado Democrático de Direito. Por certo, não é disso que se trata. As análises levadas a cabo nessa seara de interesses não pretendem, de forma alguma, operar uma espécie de capitis deminutio do Poder Judiciário. Aliás, é um truísmo afirmar a importância assumida pelo Judiciário em um Estado de Direito. É sobejamente sabido que a ideia de submeter o exercício do poder político às regras criadas por este mesmo poder, implica importante papel de controle a ser desempenhado pelo Poder Judiciário (especialmente em se tratando da história do constitucionalismo na América Latina, onde a atuação do Judiciário teve papel central no processo de redemocratização, com o objetivo de se romper com a experiência vivenciada nos regimes ditatoriais, quando o Executivo tinha poderes ilimitados).
Na verdade, mais do que simplesmente reduzir o papel institucional destinado ao Poder Judiciário (que, ao final, seria uma forma de esconder o problema ao invés de solucioná-lo), a questão que se coloca na linha de frente das preocupações daqueles que pesquisam e escrevem sobre a judicialização da política, das relações sociais e — no limite — da própria vida, é pensar formas de democratização e legitimação dos atos praticados pelo Poder Judiciário.
Aquilo que, genericamente, se chama de judicialização da política é mais um diagnóstico do que, propriamente, um remédio para certo tipo de patologia. Esse ponto me leva a outro argumento a ser destacado com relação à fala do ministro. Diz respeito à comum confusão que se faz entre judicialização da política e ativismo judicial.[2]
Ora, a judicialização da política representa um conjunto de coisas sob as quais o Judiciário, simplesmente, não possui controle (esta coluna já tratou do tema, com outro pressuposto e objetivo. Para ler, clique aqui). São fatores preexistentes em relação à sua atividade e atuação. São, na verdade, razões de ordem político-sociais que podem ser pensadas de diversas maneiras. A aglutinação cada vez maior de matérias judicializadas, deve-se, por exemplo, ao aumento da litigiosidade e de uma peculiaridade que pode ser observada, em maior ou menor medida, nos mais diversos países, das mais diversas origens (da Alemanha aos países do leste europeu[3]).
Esta particularidade diz respeito a um imaginário difuso que tende a enxergar no Judiciário o lugar legítimo para se discutir questões que, antes, eram debatidas no âmbito político (Legislativo e Executivo). Muitos fatores contribuem para isso, desde o desprestígio dos agentes públicos (que cada vez mais aparecem como protagonistas de casos de corrupção), passando pelo discurso retumbante da eficácia dos direitos fundamentais e desaguando no fato de que, de forma cada vez mais evidente, “o juiz (melhor seria dizer: o Judiciário — acrescentamos) passa a ser uma referência da ação política”[4].
Esse último fator anotado repercute no nível da cultura, produzindo um interessante fenômeno de transformação em algo que podemos chamar de “semântica da política”: vale dizer, com Antoine Garapon, a judicialização passa a oferecer para a democracia um “novo vocabulário: imparcialidade, processo, transparência, contraditório, neutralidade, argumentação, etc. O juiz — e a constelação de representações que gravitam à sua volta — confere à democracia as imagens capazes de dar forma a uma nova ética da deliberação coletiva”[5].
O autor francês identifica, nessa faceta da manifestação social, um tipo degenerado de democracia que tende a se legitimar a partir da perspectiva de que a possibilidade de o próprio indivíduo poder buscar a tutela jurisdicional na defesa de seus interesses juridicamente protegidos representaria um tipo de democracia direta (que, pretensamente, estaria livre dos desvios éticos a que está sujeito o processo político baseado no tradicional modelo representativo de democracia). Nas palavras de Garapon: “O debate judicial individualiza os desafios: a dimensão coletiva existe, mas de forma incidente. Visa um compromisso mais solitário do que solidário. Através dessa forma direta de democracia, o cidadão litigante tem a sensação de dominar melhor a sua representação.”[6]
Portanto, fica evidenciado que a judicialização é um fenômeno que independe dos desejos ou da vontade dos membros do Poder Judiciário. A judicialização, na verdade, é um fenômeno que está envolvido por uma transformação cultural profunda pela qual passaram os países que se organizam politicamente em torno do regime democrático.
Ademais, há fatores políticos que condicionam o grau de judicialização vivenciado por uma dada sociedade. Dentre esses fatores, podemos mencionar: a) o grau de (in)efetividade dos direitos fundamentais (núcleo compromissório da Constituição); b) o nível de profusão legislativa com o consequente aumento da regulamentação social; c) o nível de litigiosidade que se observa em cada sociedade. Na medida em que aumentam os indicadores de inefetividade dos Direitos Fundamentais, os índices de produção legislativa, e da litigiosidade social, também aumentará o nível de judicialização.
Já o ativismo possui uma raiz completamente diversa. Este, sim, liga-se a um desejo do órgão judicante com relação à possibilidade de alteração dos contextos político-sociais. Pode ser conservador ou progressista. No final, o resultado é o mesmo: o Judiciário agindo por motivos de convicção e crença pessoal do magistrado, e não em face da moralidade instituidora da comunidade política.
Podemos encontrar, novamente em Garapon, um socorro para melhor definir o conceito: “o ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar”[7].
Portanto, é importante não confundir alhos com bugalhos: Judicialização é uma coisa; ativismo judicial é outra. A consequência da excessiva judicialização pode ser um aumento das decisões ativistas. Mas — e esse é o ponto fulcral — mesmo sem judicialização, podemos ter decisões ativistas. Na raiz, os fenômenos são distintos. De todo modo, o aumento da judicialização opera, como contrapartida, um aumento da responsabilidade no julgamento.
É importante percebermos isso porque os remédios para controlar uma ou outra patologia serão completamente diferentes, porque as causas dos fenômenos são, elas mesmas, absolutamente distintas: a judicialização não representa um mal em si. Ela pode se tornar inconveniente quando encontrada em níveis elevados, mas se mostra necessária em vários âmbitos que caracterizam a sociedade contemporânea. As relações de consumo; a preservação do meio ambiente; as questões envolvendo direitos sociais, etc., são questões que merecem ser discutidas judicialmente, na medida em que aquilo que foi projetado pela Constituição e pelas leis apresentar-se na forma de descumprimento.
De todo modo, o bom funcionamento do sistema político tende a controlar os índices da judicialização.
O ativismo, por outro lado, está situado dentro do Direito — no âmbito interpretativo, da decisão judicial — mas, paradoxalmente, também está fora, na medida em que a estrita dependência em torno daquilo que o juiz pensa, entende ou deseja no julgamento de uma determinada questão judicializável, pode levar à suspensão do direito vigente, criando fissuras na institucionalidade, desenvolvendo figuras típicas de um Estado de Exceção. Por isso, o modo de controlá-lo deve ser aferido no âmbito da própria interpretação do Direito, sendo, por isso, um problema a ser enfrentado pela hermenêutica jurídica.
Na falta de efetivação de um direito fundamental, o Judiciário, se provocado, evidentemente, está autorizado a agir para concretizá-lo. O problema está no excesso. Como dizia Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo — o nosso filósofo do Sertão: “Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar.”
Uma anotação final
O discurso sobre a judicialização e o ativismo assume uma conotação de cautela. Não se trata de apequenar as estratégicas funções atribuídas ao Judiciário em um Estado Democrático de Direito. Trata-se de afirmar a autonomia e independência do Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, olhar de soslaio para o desempenho de suas atividades, analisando na cadeia de integridade entre suas decisões e efetuando os devidos “constrangimentos epistemológicos”, nos termos propalados por Lenio Streck[8].
Vou encerrar as reflexões de hoje de um jeito incomum, mas que, no entanto, diz muito a respeito das questões aqui levantadas. Quando da criação do Supremo Tribunal Federal, Rui Barbosa — partidário daquilo que se enunciava, inspirado no modelo político estadunidense, como uma “democracia judicialista” — fez uma entusiasmada defesa acerca da grandeza das atribuições da Alta Corte. Os argumentos podem ser tidos como afirmações da autonomia e independência do Poder Judiciário e foram retirados da obra de Raymundo Faoro, Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio:
“Formulando para nossa pátria o pacto de regionalização nacional, sabíamos que os povos não amam as suas Constituições senão pela segurança das liberdades que elas lhes prometam; mas que as Constituições, entregues como ficam, ao arbítrio do Parlamento e à ambição dos governos, bem frágil anteparo oferecem a essas liberdades, e acabam quase sempre, e quase sempre se desmoralizam pelas invasões graduais ou violentas do poder que representa a legislação e do poder que representa a força. Nós, os fundadores da Constituição, não queríamos que a liberdade individual pudesse ser diminuída pela força, nem mesmo pela lei. E por isto, fizemos deste tribunal (o Supremo Tribunal Federal) o sacrário da Constituição, demos-lhe a guarda da sua hermenêutica, pusemo-lo como um veto permanente aos sofismas opressores das razões de Estado, resumimos-lhe a função específica nesta ideia”.[9]
Anos depois, já em vigor a Constituição Republicana e em atividade o Supremo Tribunal Federal, Rui Barbosa voltou a tecer considerações sobre a atividade da Corte. As palavras, dessa vez, não refletiram entusiasmo ou condescendência. Ao contrário, soaram como uma veemente admoestação contra certo tipo conservador de ativismo desempenhado pelo Supremo Tribunal:
“O órgão que a Constituição criara para seu guarda supremo, e destinado a conter, ao mesmo tempo, os excessos do Congresso e as violências do Governo, a deixava desamparada nos dias de risco ou de temor, quando, exatamente, mais necessitada estava ela da lealdade, da fidelidade e da coragem dos seus defensores. (...) Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde.” [10]
Acautelar-se; confiar desconfiando: eis as palavras de ordem!

[1] A obra referida, provavelmente, é a seguinte: TATE, Chester Neal; VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of Judicial Power: the judicialization of politics. In: ______ (Orgs.). The global expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, 1995.
[2] Para aprofundada análise a respeito de tais fenômenos e sua (necessária) diferenciação, Cf. TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial: Limites da Atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, passim.
[3] Nesse sentido, Cf. HIRSCHL, Ran. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no mundo. In Revista de Direito Administrativo, n. 251, maio/agosto de 2009, pp. 139-175.
[4] Cf. GARAPON, Antoine. O Guardador de Promessas. Justiça e Democracia. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 41.
[5] Idem, Ibidem, p. 42.
[6] GARAPON, Antoine. op., cit., p. 46.
[7] GARAPON, Antoine. op., cit., p. 54 (grifei).
[8] Cf. STRECK, Lenio Luiz. O que é Isto – Decido Conforme Minha Consciência? 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, passim.
[9] Cf. Faoro, Raymundo. Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio. 4 ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001, pp.76/77.
[10] Idem, ibidem.
Rafael Tomaz de Oliveira é mestre e doutorando em Direito Público pela Unisinos e professor universitário.
Revista Consultor Jurídico, 1º de dezembro de 2012