O Globo, 27 de abril de 2013.
A crise que afronta
Zuenir Ventura,
Há muito eu não via num dia só tanta gente conhecida
preocupada com a perspectiva de uma crise institucional no país. A causa seria
a emenda parlamentar que pretende submeter ao Congresso decisões do Supremo
Tribunal Federal, usurpando-lhe o poder constitucional de dar a “última
palavra”.
Saindo de uma sessão especial do belo e comovente filme
“Flores raras”, de Bruno Barreto, encontro Cacá Diegues que, como se sabe,
filma e pensa o Brasil com igual lucidez.
Estava chocado com a declaração de Renan Calheiros, acusando
o STF de “invasão” por ter barrado a tramitação do projeto que limita a criação
de novos partidos. É curioso porque o presidente do Senado carrega nas costas
pesadas denúncias de “invasão”, só que do terreno da ética e dos bons costumes
morais.
À tarde, eu já recebera de Ziraldo um telefonema indignado,
dizendo que preferiria deixar o país se a ameaça se consumasse. Nem quando foi
preso pela ditadura militar umas quatro vezes manifestou essa disposição de
agora. “Isso é uma afronta à democracia”.
À noite, em casa, vi na TV Arnaldo Jabor revoltado,
afirmando que se o “vexame” de fato acontecesse seria melhor fechar o Supremo.
Ou então mantê-lo aberto, tendo na presidência José Dirceu e na
Procuradoria-Geral da República, Valdemar da Costa Neto.
Sem ironia, a mesma hipótese tinha sido levantada pelo
ministro Gilmar Mendes: “Se algum dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor
que se feche o Supremo.” Seu colega Marco Aurélio não acredita na possibilidade
de o Congresso “virar a mesa”, mas admite que a medida seja uma “retaliação” ao
julgamento do mensalão pelo STF.
Não por acaso, na Comissão de Constituição e Justiça, que
aprovou a emenda, estão homiziados dois mensaleiros condenados na ação penal
470, José Genoino e João Paulo Cunha, e um procurado pela Interpol por causa
dos milhões de dólares que tem em contas bancárias no exterior: Paulo Maluf.
Finalmente, resta o personagem que criou toda essa confusão,
um obscuro deputado pelo PT do Piauí, Nazareno Fonteles, que diz falar em nome
do povo: “Nos submetemos ao crivo popular.” Suplente que deve o cargo não ao
“crivo popular”, mas ao titular da vaga, Átila Lira (PSB), que se afastou para
ser secretário de governo, esse Nazareno é um daqueles tipos do baixo clero
prontos para os serviços sujos. Insignificante, sim, mas capaz de pôr em risco
com uma proposta irresponsável o que o país custou tanto a conquistar: o
equilíbrio entre os poderes constituídos e a harmonia institucional.
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