A lei obscura é a pior das normas
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TENDÊNCIAS/DEBATESPara que cumpra seus fins, a lei há de ser objetiva; a história mostra que regras imprecisas deram roupagem legal a regimes totalitáriosJanaína Conceição Paschoal
Por
ser contrária à redução da maioridade penal e, não obstante, reconhecer
que a internação por três anos se revela desproporcional para atos
infracionais mais reprováveis, recebi bem a notícia de que um projeto de
lei, visando ao alargamento de tal prazo, fora enviado ao Congresso
Nacional.
Minha
simpatia também se deveu à informação de que os internos mais maduros
ficariam separados dos mais jovens, evitando-se abusos inerentes à
junção de fortes e fracos.
Infelizmente,
a leitura do projeto de lei 5.385/13, assinado pelo deputado Carlos
Sampaio (PSDB-SP) fez cessar as expectativas positivas.
O
texto não segue uma linearidade. Ao que parece, pretendeu tratar, de
forma independente, do prazo dilatado e de um novo Regime Especial de
Atendimento; entretanto, a todo tempo, os dois institutos se confundem,
dando margem ao arbítrio.
Não
fica claro, por exemplo, se o tal Regime Especial de Atendimento
constitui uma nova modalidade de medida socioeducativa, a ser aplicada
no momento da sentença, ou se representaria uma espécie de regime
disciplinar diferenciado.
Segundo
a proposta, esse regime terá o prazo máximo de oito anos. Apesar de, em
princípio, estar condicionado à prática de infrações graves, o próprio
projeto prevê que o interno maior de 18 anos que se envolver em motins
também poderá ser inserido no regime especial.
Ora,
o jovem internado por infração menos grave que as elencadas, se acusado
de integrar motim, poderá ficar oito anos no tal Regime Especial de
Atendimento?
É
certo que, se o maior de 18 anos, no curso do cumprimento da
internação, praticar algum crime, sua punição dependerá da devida
apuração, não havendo respaldo para prolongar a internação por tanto
tempo. Mas o texto proposto não é explícito com relação a isso.
De
forma atentatória à Constituição e às leis vigentes, o projeto
desrespeita os princípios da legalidade, proporcionalidade e
individualização da medida socioeducativa.
Sua
falta de objetividade também confere ao juiz a possibilidade de
interpretar que, independentemente da sentença proferida, o jovem
acusado da prática de ato infracional grave, ao completar 18 anos,
automaticamente, terá sua internação estendida em mais oito anos.
A
vigorar tal raciocínio, se o rapaz foi internado aos 16 anos, ao final,
poderá ficar recluso por dez anos, pois aos dois anos já cumpridos
seriam somados oito! Com todo o respeito, se esse é o objetivo, que se o
diga expressamente.
O
projeto ainda cria a possibilidade de pena perpétua, já que, se houver
diagnóstico de doença mental, este ensejará a internação compulsória por
prazo indeterminado.
O
cotejo com a exposição de motivos não deixa claro se está a falar de
doença mental presente à época da prática do ato infracional ou se diz
respeito a doença mental desenvolvida depois. Até para maiores de idade
as implicações são diferentes!
De nada adianta apenas dizer que o adolescente não poderá ter tratamento mais gravoso que o adulto.
O
projeto traz ainda uma agravante para o maior que comete um crime com
um menor --esta é desnecessária, pois o Código Penal já prevê a elevação
da pena para o agente que instiga alguém não punível a cometer crime
(artigo 62, inciso 3º), e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente
criminaliza a prática de infração penal com menor de 18 anos (artigo
244-B).
Para
que cumpra seus fins, a lei, sobretudo a que priva a liberdade, há de
ser objetiva. Afinal, eventual efeito intimidador somente se alcança
quando há clareza das consequências do descumprimento.
O
intuito de corrigir injustiças não pode legitimar a fluidez da norma. O
que entra em vigor não é a intenção, mas o texto de lei conforme
proposto e aprovado. A história bem mostra que regras imprecisas e
confusas conferiram roupagem legal para regimes totalitários.
JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL, 38, advogada, é professora livre-docente de direito penal na USP |
terça-feira, 30 de abril de 2013
E o artigo .142 da CF, que tal?
Folha de S. Paulo, 30 de abril de 2013.
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