Justiça Tributária
As vítimas do IRPF e o mês das asneiras fazendárias
Todo
mês de abril é a mesma coisa: os índios aparecem para pedir tudo e mais
alguma coisa e a selvageria se espalha tanto que as autoridades
fazendárias se aproveitam do ambiente quase canibalesco que reina,
ameaçando os contribuintes com o que tiverem nas mãos.
Os contadores (aquelas pessoas que são culpadas de quase tudo) enfurnam-se nos seus escritórios, tentando dar conta do recado e ganhar algum dinheiro para garantir as futuras consultas aos psiquiatras, pois do jeito que está, todos ficarão loucos.
No meio dessa confusão toda, lembramo-nos de um político que, em seus discursos, sempre dizia que salário não é renda, assim pretendendo conquistar a simpatia dos assalariados, qualquer que fosse o valor dos rendimentos, até porque ninguém gosta de pagar imposto.
Mas a coisa não é bem assim. Salário pode ser renda, sim, desde que os rendimentos tributados respeitem os limites previstos na Constituição Federal.
O artigo 145 da Carta Magna diz que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte e o artigo 146 determina que cabe a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Um desses limites vê-se no artigo 170, inciso IV, quando se vê que cobrança de tributo com efeito de confisco é totalmente proibido.
Ora, quando o Imposto de Renda incide sobre parcelas que o contribuinte é obrigado a utilizar apenas para sobreviver, sem que lhe reste praticamente nada para ter a vida digna que lhe garantem as disposições constitucionais, está presente verdadeiro confisco.
Assim, a primeira característica do IRPF é sua progressividade, sendo de todo injusto o atual sistema que vê apenas duas alíquotas: de 15% e 27,5%.
Para que se tenha ideia de como isso deveria ser, basta nos reportarmos à tabela que vigorava em 1968, que variava entre 3% e ia até 50% (decreto 58.400/1966).
O regulamento atual acaba por cobrar mais do assalariado, daquele que não tem qualquer meio de proteger-se contra a exagerada voracidade do Estado.
Por mais pacífico e cordato que seja um povo, nenhuma injustiça prevalece para sempre. Num primeiro momento são procurados singelos mecanismos de defesa ou compensação, como, por exemplo, procurar meios informais de recebimento, o que só é viável para valores pequenos, a não ser, é claro, que se trate de certas espécies de meliantes profissionais, conforme a imprensa registra com frequência.
Depois, caso a atividade da vítima permita, cria-se uma pessoa jurídica, com o que a carga tributária pode cair pela metade. Tal situação gera insegurança para quem paga e para quem recebe. O prestador de serviço pode pleitear reconhecimento de relação de emprego e o seu suposto cliente pode ter questionadas as próprias deduções. O pior: o Fisco pode e deve multar em determinadas situações.
Vejamos decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda sobre pagamentos prestados por pessoas físicas organizadas sob a forma de pessoa jurídica:
“DESPESAS DEDUTÍVEIS – Para se comprovar uma despesa, de modo a torná-la dedutível, face à legislação do imposto de renda, não basta comprovar que ela foi assumida e que houve desembolso. É indispensável, principalmente, comprovar que o dispêndio corresponde à contrapartida de algo recebido e que, por isso mesmo, torna o pagamento devido.” (Acórdão nº 103-11.731 de 05/11/91, DOU de 28/03/96).
“SERVIÇOS DE CONSULTORIA – Para que as despesas sejam dedutíveis não basta comprovar que foram contratadas, assumidas e pagas. É necessário, principalmente, comprovar que correspondem a bens ou serviços efetivamente recebidos e que os mesmos eram necessários, normais e usuais na atividade da empresa. (Acórdão 101-84.454 , DOU 5/8/94).
Por isso mesmo, tais mecanismos, denominados por muitos de planejamento tributário, não raras vezes geram sérios prejuízos para seus partícipes. Isso tudo pode ser uma farsa e farsas não duram muito, mesmo que os autores ou atores sejam milagreiros ou, pior ainda, aleguem ter os famigerados bons contatos (leia-se cumplicidade) nas repartições.
Em lugar de tentar manter uma farsa, o Poder Executivo deveria aceitar a realidade, abrir mão de suas veleidades de superpoderes e adequar o nosso sistema tributário ao que a sociedade brasileira necessita. Sem isso não haverá crescimento, a não ser de processos na Justiça, corrupção a granel e outras desgraças maiores ainda.
Embora o assunto deva ser apreciado pelo Congresso, o Executivo pode cuidar disso agora, quando tem uma bancada que não lhe faz posição competente. Ano que vem tem eleições e, ao contrário do que disse um dos mais votados deputados do país, o Tiririca, pelo menos em matéria tributária, pior que está pode ficar, sim.
Com essa onda de desonerações, o país fica muito exposto aos riscos de variações da economia internacional sobre os quais não tem controle.
Aliás, esse termo — desoneração — é invenção de economista distraído ou engenheiro desavisado. Ao abrir mão de cobrança de tributo, cujo fato gerador está previsto em lei, o que se faz é conceder ISENÇÃO, como expressamente prevê o CTN nos seus artigos 176 e seguintes.
Mas isenções, ainda que venham com a midiática ou demagógica rotulação de desoneração, não podem ignorar as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/200), que expressamente ordena: a concessão de incentivos ou benefícios tributários que impliquem renúncia de receita deve vir acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.
A concessão de benefícios pode ainda vincular-se a outras regras, inclusive mecanismos de compensação que viabilizem eventual aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Todavia, os impostos de importação, exportação, IPI e IOF podem ser objeto de benefícios sem que tais cautelas sejam exigidas.
Recentemente a Receita afirmou que as tais desonerações estão estimadas em mais de 88 bilhões em 2014. Parece muito, mas não é, diante de uma arrecadação que deve ultrapassar mais de R$ 2 trilhões. Ou seja, pensam em reduzir a carga tributária em menos de 5% do total previsto.
Não resta claro, nessa história toda, se as desonerações, ou seja lá o diabo de nome que tais favores mereçam, vai ou não prejudicar o fluxo de caixa nos próximos anos, especialmente a partir de 2015.
Ao que tudo indica, as autoridades maiores estão a brincar com os números e com a nossa paciência, com o que afastam qualquer possibilidade de uma reforma tributária séria.
Pretendem, mais uma vez, promover uma sucessão de eventos midiáticos, na esperança de continuar iludindo o povo para colher o resultado da ilusão nas urnas. Isso pode ser visto diariamente na imprensa e especialmente no site do governo federal, o planalto.gov.br. Hoje está lá uma foto de entrega de tratores para município. Muito bonita, feita com nossos impostos.
Mas nós aqui da planície não podemos aceitar pacificamente e calados a repetição, em todo mês de abril, da ladainha fazendária: grandes descobertas de sonegação, dúzias ou centenas de portarias sobre isto ou aquilo quase todo dia, como se elas pudessem mudar a lei e ameaças de todo tipo.
Se fevereiro é o mês do carnaval e março o das chuvas, abril é, sem dúvida, o mês das asneiras fazendárias! Por exemplo: anunciou-se neste mês que mais de 2 milhões (sic) de pessoas físicas deverão ser intimadas nos próximos dias para prestar contas sobre divergências entre as informações prestadas por instituições financeiras, empresas de cartões de crédito, tabelionatos, cartórios, etc., e o que declararam nos últimos quatro anos.
O simples fato de permanecerem supostamente sem verificação tais dados durante quatro anos já depõe contra a instituição. O que estavam o ministro e seus subordinados fazendo nesse período? Porque se omitiram, se já dispunham das informações? O ministro era o mesmo.
Ao que parece pretendem criar agora um tumulto para, quem sabe, induzir as últimas vítimas, que ainda não compareceram perante o carrasco leonino, a engordar os recolhimentos ao Tesouro para, mais uma vez, superar os crescentes recordes de arrecadação.
O fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, bem como eventual aumento patrimonial a descoberto. O Conselho Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda editou a súmula 28, afirmando que:
Em apuração de acréscimo patrimonial a descoberto a partir de fluxo de caixa que confronta origens e aplicações de recursos, os saques ou transferências bancárias, quando não comprovada a destinação, efetividade da despesa, aplicação ou consumo, não podem lastrear lançamento fiscal.
Tal questão é ainda objeto de debates e só vai ser resolvida no Judiciário e por certo no STJ ou mesmo no STF. Exatamente por isso, parece-nos necessário que a composição dessas cortes superiores leve em conta a independência absoluta e a imparcialidade indiscutível de seus membros, para que os contribuintes não se vejam lá sempre como culpados até prova em contrário.
Pior que tudo, é ouvir ainda que se o contribuinte busca o Judiciário e obtém a proteção legal a que tem direito, isso tem origem em trabalho espúrio ou até conluio de advogados, quando não desvios de ação dos magistrados. Advogados e juízes estão cumprindo seu papel na sociedade: tentar consertar as ilegalidades que aparecem e fazer Justiça.
Dentro de seis meses, nossa Constituição completa 25 anos! Depois de um quarto de século, as autoridades fazendárias e o próprio poder executivo já deveriam ter se acostumado às suas regras, aceitando o fato de que estamos finalmente num estado democrático de direito.
O mais surpreendente é que algumas dessas autoridades, a partir da Presidente, arriscaram suas vidas para conquistar tal situação e por isso mesmo não podem renunciar às próprias conquistas e muito menos trocar de lado depois da vitória. Afinal, não era isso o que desejavam para si, para seus concidadãos, para suas famílias?
O Fisco deve fiscalizar e deve autuar quem não recolheu os tributos. Mas não existe inversão de prova no direito tributário. Só o Fisco é que tem que provar. Nós, contribuintes, somos presumidamente inocentes.
Não nos cansamos de repetir duas grandes lições de direito: a primeira de Rui Barbosa, na “Oração aos Moços” (1923) comentando a presunção de legitimidade dos atos administrativos:
Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo ou ao Estado. Antes, se admissível fosse qualquer presunção, havia de ser em sentido contrário. Pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições, administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda a ordem...
A segunda lição, mais recente, é do Prof. Hugo de Brito Machado em seu livro “Mandado de Segurança em Matéria Tributária” (Ed. Dialética, 2033, pg. 272):
O desconhecimento da teoria da prova, ou a ideologia autoritária, tem levado alguns a afirmarem que no processo administrativo fiscal o ônus da prova é do contribuinte. Isso não é, nem poderia ser correto em um estado de Direito democrático. O ônus da prova no processo administrativo fiscal é regulado pelos princípios fundamentais da teoria da prova, expressos, aliás, pelo Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis ao processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal para apuração e exigência do crédito tributário, ou procedimento administrativo de lançamento tributário, autor é o Fisco. A ele, portanto, incumbe o ônus de provar a ocorrência do fato gerador.
Ora, não será com anúncios de intimação de milhões de contribuintes que toda a sociedade brasileira passará a, de repente, respeitar o Fisco. Esse respeito virá com a observância dos nossos direitos, especialmente ao de sermos tratados como a constituição manda: presumidamente inocentes sempre. Além disso, o básico: carga tributária justa, burocracia reduzida e segurança jurídica. Não é muito: é apenas o que merecemos pelo que lhes pagamos: salários excelentes, aposentadorias maravilhosas e uma enorme quantidade de outros benefícios que nem cabem neste espaço.
Abril é o mês do descobrimento. Vamos descobrir nosso futuro, que, certamente, não vai ser bom se não mudarmos o rumo disso tudo.
Os contadores (aquelas pessoas que são culpadas de quase tudo) enfurnam-se nos seus escritórios, tentando dar conta do recado e ganhar algum dinheiro para garantir as futuras consultas aos psiquiatras, pois do jeito que está, todos ficarão loucos.
No meio dessa confusão toda, lembramo-nos de um político que, em seus discursos, sempre dizia que salário não é renda, assim pretendendo conquistar a simpatia dos assalariados, qualquer que fosse o valor dos rendimentos, até porque ninguém gosta de pagar imposto.
Mas a coisa não é bem assim. Salário pode ser renda, sim, desde que os rendimentos tributados respeitem os limites previstos na Constituição Federal.
O artigo 145 da Carta Magna diz que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte e o artigo 146 determina que cabe a lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Um desses limites vê-se no artigo 170, inciso IV, quando se vê que cobrança de tributo com efeito de confisco é totalmente proibido.
Ora, quando o Imposto de Renda incide sobre parcelas que o contribuinte é obrigado a utilizar apenas para sobreviver, sem que lhe reste praticamente nada para ter a vida digna que lhe garantem as disposições constitucionais, está presente verdadeiro confisco.
Assim, a primeira característica do IRPF é sua progressividade, sendo de todo injusto o atual sistema que vê apenas duas alíquotas: de 15% e 27,5%.
Para que se tenha ideia de como isso deveria ser, basta nos reportarmos à tabela que vigorava em 1968, que variava entre 3% e ia até 50% (decreto 58.400/1966).
O regulamento atual acaba por cobrar mais do assalariado, daquele que não tem qualquer meio de proteger-se contra a exagerada voracidade do Estado.
Por mais pacífico e cordato que seja um povo, nenhuma injustiça prevalece para sempre. Num primeiro momento são procurados singelos mecanismos de defesa ou compensação, como, por exemplo, procurar meios informais de recebimento, o que só é viável para valores pequenos, a não ser, é claro, que se trate de certas espécies de meliantes profissionais, conforme a imprensa registra com frequência.
Depois, caso a atividade da vítima permita, cria-se uma pessoa jurídica, com o que a carga tributária pode cair pela metade. Tal situação gera insegurança para quem paga e para quem recebe. O prestador de serviço pode pleitear reconhecimento de relação de emprego e o seu suposto cliente pode ter questionadas as próprias deduções. O pior: o Fisco pode e deve multar em determinadas situações.
Vejamos decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda sobre pagamentos prestados por pessoas físicas organizadas sob a forma de pessoa jurídica:
“DESPESAS DEDUTÍVEIS – Para se comprovar uma despesa, de modo a torná-la dedutível, face à legislação do imposto de renda, não basta comprovar que ela foi assumida e que houve desembolso. É indispensável, principalmente, comprovar que o dispêndio corresponde à contrapartida de algo recebido e que, por isso mesmo, torna o pagamento devido.” (Acórdão nº 103-11.731 de 05/11/91, DOU de 28/03/96).
“SERVIÇOS DE CONSULTORIA – Para que as despesas sejam dedutíveis não basta comprovar que foram contratadas, assumidas e pagas. É necessário, principalmente, comprovar que correspondem a bens ou serviços efetivamente recebidos e que os mesmos eram necessários, normais e usuais na atividade da empresa. (Acórdão 101-84.454 , DOU 5/8/94).
Por isso mesmo, tais mecanismos, denominados por muitos de planejamento tributário, não raras vezes geram sérios prejuízos para seus partícipes. Isso tudo pode ser uma farsa e farsas não duram muito, mesmo que os autores ou atores sejam milagreiros ou, pior ainda, aleguem ter os famigerados bons contatos (leia-se cumplicidade) nas repartições.
Em lugar de tentar manter uma farsa, o Poder Executivo deveria aceitar a realidade, abrir mão de suas veleidades de superpoderes e adequar o nosso sistema tributário ao que a sociedade brasileira necessita. Sem isso não haverá crescimento, a não ser de processos na Justiça, corrupção a granel e outras desgraças maiores ainda.
Embora o assunto deva ser apreciado pelo Congresso, o Executivo pode cuidar disso agora, quando tem uma bancada que não lhe faz posição competente. Ano que vem tem eleições e, ao contrário do que disse um dos mais votados deputados do país, o Tiririca, pelo menos em matéria tributária, pior que está pode ficar, sim.
Com essa onda de desonerações, o país fica muito exposto aos riscos de variações da economia internacional sobre os quais não tem controle.
Aliás, esse termo — desoneração — é invenção de economista distraído ou engenheiro desavisado. Ao abrir mão de cobrança de tributo, cujo fato gerador está previsto em lei, o que se faz é conceder ISENÇÃO, como expressamente prevê o CTN nos seus artigos 176 e seguintes.
Mas isenções, ainda que venham com a midiática ou demagógica rotulação de desoneração, não podem ignorar as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/200), que expressamente ordena: a concessão de incentivos ou benefícios tributários que impliquem renúncia de receita deve vir acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.
A concessão de benefícios pode ainda vincular-se a outras regras, inclusive mecanismos de compensação que viabilizem eventual aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Todavia, os impostos de importação, exportação, IPI e IOF podem ser objeto de benefícios sem que tais cautelas sejam exigidas.
Recentemente a Receita afirmou que as tais desonerações estão estimadas em mais de 88 bilhões em 2014. Parece muito, mas não é, diante de uma arrecadação que deve ultrapassar mais de R$ 2 trilhões. Ou seja, pensam em reduzir a carga tributária em menos de 5% do total previsto.
Não resta claro, nessa história toda, se as desonerações, ou seja lá o diabo de nome que tais favores mereçam, vai ou não prejudicar o fluxo de caixa nos próximos anos, especialmente a partir de 2015.
Ao que tudo indica, as autoridades maiores estão a brincar com os números e com a nossa paciência, com o que afastam qualquer possibilidade de uma reforma tributária séria.
Pretendem, mais uma vez, promover uma sucessão de eventos midiáticos, na esperança de continuar iludindo o povo para colher o resultado da ilusão nas urnas. Isso pode ser visto diariamente na imprensa e especialmente no site do governo federal, o planalto.gov.br. Hoje está lá uma foto de entrega de tratores para município. Muito bonita, feita com nossos impostos.
Mas nós aqui da planície não podemos aceitar pacificamente e calados a repetição, em todo mês de abril, da ladainha fazendária: grandes descobertas de sonegação, dúzias ou centenas de portarias sobre isto ou aquilo quase todo dia, como se elas pudessem mudar a lei e ameaças de todo tipo.
Se fevereiro é o mês do carnaval e março o das chuvas, abril é, sem dúvida, o mês das asneiras fazendárias! Por exemplo: anunciou-se neste mês que mais de 2 milhões (sic) de pessoas físicas deverão ser intimadas nos próximos dias para prestar contas sobre divergências entre as informações prestadas por instituições financeiras, empresas de cartões de crédito, tabelionatos, cartórios, etc., e o que declararam nos últimos quatro anos.
O simples fato de permanecerem supostamente sem verificação tais dados durante quatro anos já depõe contra a instituição. O que estavam o ministro e seus subordinados fazendo nesse período? Porque se omitiram, se já dispunham das informações? O ministro era o mesmo.
Ao que parece pretendem criar agora um tumulto para, quem sabe, induzir as últimas vítimas, que ainda não compareceram perante o carrasco leonino, a engordar os recolhimentos ao Tesouro para, mais uma vez, superar os crescentes recordes de arrecadação.
O fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, bem como eventual aumento patrimonial a descoberto. O Conselho Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda editou a súmula 28, afirmando que:
Em apuração de acréscimo patrimonial a descoberto a partir de fluxo de caixa que confronta origens e aplicações de recursos, os saques ou transferências bancárias, quando não comprovada a destinação, efetividade da despesa, aplicação ou consumo, não podem lastrear lançamento fiscal.
Tal questão é ainda objeto de debates e só vai ser resolvida no Judiciário e por certo no STJ ou mesmo no STF. Exatamente por isso, parece-nos necessário que a composição dessas cortes superiores leve em conta a independência absoluta e a imparcialidade indiscutível de seus membros, para que os contribuintes não se vejam lá sempre como culpados até prova em contrário.
Pior que tudo, é ouvir ainda que se o contribuinte busca o Judiciário e obtém a proteção legal a que tem direito, isso tem origem em trabalho espúrio ou até conluio de advogados, quando não desvios de ação dos magistrados. Advogados e juízes estão cumprindo seu papel na sociedade: tentar consertar as ilegalidades que aparecem e fazer Justiça.
Dentro de seis meses, nossa Constituição completa 25 anos! Depois de um quarto de século, as autoridades fazendárias e o próprio poder executivo já deveriam ter se acostumado às suas regras, aceitando o fato de que estamos finalmente num estado democrático de direito.
O mais surpreendente é que algumas dessas autoridades, a partir da Presidente, arriscaram suas vidas para conquistar tal situação e por isso mesmo não podem renunciar às próprias conquistas e muito menos trocar de lado depois da vitória. Afinal, não era isso o que desejavam para si, para seus concidadãos, para suas famílias?
O Fisco deve fiscalizar e deve autuar quem não recolheu os tributos. Mas não existe inversão de prova no direito tributário. Só o Fisco é que tem que provar. Nós, contribuintes, somos presumidamente inocentes.
Não nos cansamos de repetir duas grandes lições de direito: a primeira de Rui Barbosa, na “Oração aos Moços” (1923) comentando a presunção de legitimidade dos atos administrativos:
Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo ou ao Estado. Antes, se admissível fosse qualquer presunção, havia de ser em sentido contrário. Pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições, administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda a ordem...
A segunda lição, mais recente, é do Prof. Hugo de Brito Machado em seu livro “Mandado de Segurança em Matéria Tributária” (Ed. Dialética, 2033, pg. 272):
O desconhecimento da teoria da prova, ou a ideologia autoritária, tem levado alguns a afirmarem que no processo administrativo fiscal o ônus da prova é do contribuinte. Isso não é, nem poderia ser correto em um estado de Direito democrático. O ônus da prova no processo administrativo fiscal é regulado pelos princípios fundamentais da teoria da prova, expressos, aliás, pelo Código de Processo Civil, cujas normas são aplicáveis ao processo administrativo fiscal. No processo administrativo fiscal para apuração e exigência do crédito tributário, ou procedimento administrativo de lançamento tributário, autor é o Fisco. A ele, portanto, incumbe o ônus de provar a ocorrência do fato gerador.
Ora, não será com anúncios de intimação de milhões de contribuintes que toda a sociedade brasileira passará a, de repente, respeitar o Fisco. Esse respeito virá com a observância dos nossos direitos, especialmente ao de sermos tratados como a constituição manda: presumidamente inocentes sempre. Além disso, o básico: carga tributária justa, burocracia reduzida e segurança jurídica. Não é muito: é apenas o que merecemos pelo que lhes pagamos: salários excelentes, aposentadorias maravilhosas e uma enorme quantidade de outros benefícios que nem cabem neste espaço.
Abril é o mês do descobrimento. Vamos descobrir nosso futuro, que, certamente, não vai ser bom se não mudarmos o rumo disso tudo.
Raul Haidar é
jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2013
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