Folha de
S. Paulo, 7 de abril de 2013.
Lula é o nosso pai, diz
'herdeiro' de Hugo Chávez na Venezuela
Maduro no
volante
Lula
também é o pai dos chavistas, diz presidente da Venezuela
MÔNICA
BERGAMO
RESUMO Herdeiro de Hugo Chávez diz que
"direção coletiva" do chavismo está unida, defende Forças Armadas na
política e afirma que TVs públicas têm que educar para a revolução. Em campanha
para a Presidência da Venezuela, ele diz que o país enfrenta uma 'guerra
econômica' e que se inspira na 'ética' e na liderança de Lula.
*
Mãos ao
volante, Nicolás Maduro, que assumiu a Presidência da Venezuela depois da morte
de Hugo Chávez, em março, dá uma guinada à esquerda e breca a perua Ford que
dirige em frente ao portão de uma casa de Barinas, cidade do interior da
Venezuela que fica a 500 quilômetros de Caracas.
"Vocês
podem me esperar no carro por dois minutinhos? Vou visitar uma pessoa e já
volto", pede ele às jornalistas da Folha, interrompendo uma
conversa que já durava
O portão
se abre, Maduro estaciona na pequena garagem ao lado da sala da residência. Da
porta sai uma senhora que chora. Os dois se abraçam. Ela soluça ainda mais.
É dona
Elena Chávez, a mãe de Hugo Chávez. Outro filho dela, Adán Chávez, governador
do Estado de Barinas, se aproxima. Os três desaparecem por 30 minutos.
Na volta,
Maduro assume novamente a direção do veículo. "Ainda dói para ela, ainda
mais quando nos vê. Todas as lembranças do filho voltam, é duro demais",
diz ele sobre dona Elena. "Mas siga com suas perguntas", diz.
"Fale, fale tudo, sobre o que você quiser".
Depois de
seis dias de espera na Venezuela, ele finalmente concedia a entrevista
exclusiva. Falava ali mesmo, no carro, no caminho entre o comício que fizera de
manhã com cerca de 30 mil pessoas, num ginásio da cidade em que Chávez passou a
infância, e o aeroporto, onde embarcaria para nova atividade.
É comum
Maduro dirigir o próprio carro na campanha. Apontado como sucessor por Chávez,
ele disputa a Presidência com Henrique Capriles, candidato da oposição.
Pesquisas colocam Maduro como favorito nas eleições marcadas para o próximo
domingo (14).
O evento
político em Barinas tinha sido especialmente agitado. Parte da família do líder
morto estava ao seu lado no palanque.
"Se
todos nós aqui somos filhos de Chávez, o que é Adán para nós? Um tio
protetor!", discursava Maduro, braços dados com o irmão do ex-presidente.
"Chávez vive! A luta segue!", gritava a multidão.
"Enfrentamos
a desaparição física de nosso comandante eterno. Vamos defender esta revolução,
o legado de Chávez. Preciso do apoio de vocês, desta linda e gloriosa família
de Chávez." E o público: "O povo unido jamais será vencido!".
"Vocês
querem o capitalismo?", perguntava. "Nããão", respondia a multidão.
"Vocês decidem se querem Nicolás Maduro, um filho de Chávez, ou o
burguesinho que entrega a pátria!", dizia, referindo-se a Capriles.
"Volta para a sua mansão em Nova York, burguesinho caprichoso. Vou te
derrotar com a ajuda desse povo glorioso."
No fim,
Maduro ergue a mão: "Juro...", grita ao microfone. A população imita
o gesto. E repete: "Juro...". Segue ele: "Cumprir os ditames do
nosso comandante Chávez...". A multidão ecoa, em uníssono.
Ex-motorista
de ônibus, sindicalista, era deputado e presidente da Assembleia Nacional da
Venezuela, em 2006, quando Chávez o escolheu para ser o chanceler do país. Foi
pego de surpresa. Juntou assessores, abriu o mapa-múndi e disse: "O mapa
de Caracas eu conheço perfeitamente. Agora tenho que conhecer este aqui".
É casado
com a advogada Cilia Flores, nove anos mais velha e militante de destaque no
chavismo: ela também presidiu a Assembleia Nacional e foi procuradora-geral da
República. Têm um filho, o flautista Nicolás Ernesto, e um neto.
À Folha
Maduro disse não acreditar que a oposição chegue algum dia ao poder na
Venezuela "no século 21". Afirmou que os meios de comunicação
públicos têm que "educar o povo para a revolução", defendeu a
participação das Forças Armadas no processo político e disse que o socialismo
venezuelano prevê uma iniciativa privada forte no país.
Apoiado
por Lula, que enviou a ele um vídeo para ser usado na campanha, Maduro reagiu
às declarações de seu opositor, que diz ter o governo do ex-presidente do
Brasil, capitalista mas que combate a pobreza, como modelo. "Lula para nós
também é um pai."
*
Folha -
Como será o chavismo sem Chávez, que era formulador, estrategista e porta-voz
do governo?
Nicolás
Maduro - O
presidente Chávez fundou um movimento revolucionário e de massas na Venezuela.
Deu a ele uma ideologia e uma Constituição. Nosso processo revolucionário está
constitucionalizado. Ele nos dotou de um corpo de doutrinas e de princípios.
Nos deixou um testamento político, o programa da pátria, com objetivos de
curto, médio e longo prazos. E promoveu um nível de participação e de
protagonismo das amplas maiorias como nunca se viu na história da Venezuela.
Estamos preparados para seguir fazendo a revolução. Ele formou um povo. Nos
formou para um projeto.
Mas 44%
dos venezuelanos, que votaram na oposição nas eleições presidenciais de 2012,
não estão de acordo com esse projeto. E se, agora ou no médio prazo, vocês
perderem uma eleição?
Nós
aceitamos todas as eleições que perdemos. A Venezuela tem governadores e
prefeitos de oposição. Tem deputados, 40% do Parlamento. Se algum dia ganharem,
coisa que eu duvido que se passe no século 21, bem, ganhariam e assumiriam a
Presidência. E teriam que ver o que fazer com o país. A Venezuela tem um povo
consciente e bases sólidas de país independente em vias do socialismo.
Vocês
falam muito de unidade. Mas há vários grupos no chavismo. Não pode ocorrer um
racha, como houve com o peronismo na Argentina?
O
movimento revolucionário nacional está unido ao redor da imagem, da
espiritualidade e da ideologia de Chávez. De um projeto de pátria. Pátria
grande. Está unido ao redor de uma direção coletiva que ele construiu. E ao
redor da designação do comandante Chávez da minha pessoa como condutor da
revolução para essa etapa. Estamos unidos.
Sem a
liderança incontrastável de Chávez, haverá alternância na liderança do
chavismo?
Nem um
"pitoniso", um bruxo, um vidente, ninguém pode saber o que nos
reserva o destino. O que te digo é que neste momento histórico estamos solidamente
unidos. E o mundo deve saber que essa direção coletiva já passou por várias
provas de fogo. Estamos prontos para a vitória em 14 de abril e para governar
muito bem o nosso país.
Na
Venezuela, canais privados de televisão fazem campanha para o candidato de
oposição à Presidência, Henrique Capriles. E canais estatais fazem campanha
para o senhor. Os canais públicos são de todos. Não deveriam ser neutros?
Os canais
públicos, em uma revolução como a que estamos vivendo na Venezuela, têm que
formar o povo, educar o povo, prepará-lo para essa revolução. Têm que sair
defendendo a verdade frente a uma ditadura midiática que promoveu um golpe de
Estado [em 2002, as emissoras privadas apoiaram a tentativa frustrada de depor
Chávez]. Foi o primeiro golpe de Estado dado por canais de televisão. É preciso
buscar uma leitura mais próxima do que se passa na Venezuela. Os canais
públicos têm sido o contrapeso necessário e são o sustentáculo para estabilizar
a sociedade. Se tivessem desaparecido nos últimos seis anos, haveria uma guerra
civil. Os canais privados nos teriam levado a uma guerra de todos contra todos.
A
Globovisión, emissora privada de oposição, está sendo vendida a um empresário
amigo do governo. E assim é possível que quase todos os meios sejam favoráveis
ao governo.
Nós
soubemos pela imprensa que a Globovisión estava sendo vendida. Em todo caso, é
uma negociação entre empresários amigos. É problema deles, realmente. É preciso
ver como termina. Quem sabe a mensagem mais poderosa da venda da Globovisión é
a de que sabem que estão perdidos.
Eles
dizem que fizeram de tudo para eleger a oposição a Chávez, o que os levou a uma
situação precária.
A
Globovisión simplesmente jogou para derrubar o governo e fracassou. E o
fracasso político e de comunicação os levou a um fracasso econômico. Estão
quebrados, dizem eles. E simplesmente estão separados da sociedade. Sabem que
vamos governar este país por muitos anos, a revolução continua. E eu creio que
estão cansados já. Se cansaram, se renderam.
O
candidato Capriles diz que não tem acesso às rádios porque as que dão abertura
à oposição são perseguidas. Não é importante que as vozes divergentes tenham
espaço?
Bem, mas
elas têm 80% dos meios de comunicação. Se você vai agora mesmo a qualquer lugar
de Barinas e compra os jornais, verá que são privados e contra o governo. As
televisões regionais, as rádios, 80% a 90% delas são contra o governo. Fazem
seu negócio, vendem seu produto.
Eles
[oposição] têm todos os meios, nós temos um só: a consciência popular, que os
derrota todos os dias. Quanto mais veneno jogam, mais as pessoas reagem. Você
pode andar por qualquer lugar em Caracas. Encontrará um povo com consciência.
Como se criou isso? Com a liderança do presidente Chávez, que era pedagógico,
saía à rua, falava, formava as pessoas.
Não há um
culto à personalidade de Chávez na Venezuela?
Não houve
em vida e agora o que há é amor. Culto ao amor, ao agradecimento do povo a um
líder que já é chamado na América de Cristo Redentor dos Pobres. Um homem que
transcendeu as nossas fronteiras.
A chamada
"união cívico-militar" é um dos pilares do chavismo. Em um continente
como a América Latina, com histórico de golpes militares, não seria melhor que
as Forças Armadas estivessem afastadas do processo político?
Nós temos
Forças Armadas que resgataram os valores do libertador Simón Bolívar, que têm
uma doutrina anti-imperialista e anticolonialista, latino-americana, própria.
Você sabe que os EUA estão funcionando como um vampiro sedento, buscando as
riquezas petroleiras e os recursos naturais do mundo com guerras, invasões. E
as nossas Forças Armadas têm agora uma doutrina de defesa integral do país, das
maiores reservas petroleiras do mundo. Defendem o nosso sonho, a nossa terra.
Têm uma
doutrina nacionalista, revolucionária, assumiram o socialismo como causa da
humanidade para construir uma nova moral. Aqui se formavam oficiais com os
manuais da Escola das Américas [financiada pelos EUA], que formou as Forças
Armadas latino-americanas por cem anos. Ensinavam os nossos oficiais em inglês,
quase sem tradução. É uma vergonha que não ocorre mais.
No Brasil
é considerado uma grande conquista o fato de as Forças Armadas não interferirem
mais na política interna. Por princípio, não seria melhor que na Venezuela elas
também estivessem nos quartéis e a disputa política ocorresse somente entre
civis?
Não, é um
erro. As Forças Armadas não podem estar nos quartéis. Têm que estar nas ruas,
na fábrica, nos bairros, com o povo, para poder defender a pátria. Não podem
ser uma elite alijada. Não. Têm que fazer parte do mesmo povo.
E com
forte participação política?
Bom,
depende do que você entende por política. O que as nossas Forças Armadas não
têm é formação partidária. Você não vai ver nenhum oficial mandando votar por
nenhum partido político, nem fazendo campanha por um partido.
Não,
presidente? Quando o ministro da Defesa, Diego Molero, diz que as Forças
Armadas tudo farão para atender aos desejos de Chávez, isso é interpretado como
um pedido de voto para o senhor.
Bem, o
que as pessoas têm que saber, e oxalá se saiba no Brasil, é que o nosso
almirante-em-chefe Molero deu essa entrevista um dia depois da morte do nosso
presidente. E o candidato da oposição havia ofendido fortemente a família do
presidente. Duvidou da morte do presidente. Colocou em questionamento a
possibilidade de eu assumir a Presidência [Maduro era vice]. Nossos oficiais
estavam indignados. E ele [Molero] então disse "respeitamos o nosso novo
comandante-em-chefe Nicolás Maduro, presidente da República". Foi um gesto
constitucional e também moral. Não eleitoral.
O governo
do ex-presidente Lula diminuiu a pobreza mas nunca falou em mudar as estruturas
capitalistas da sociedade brasileira, como pregava Hugo Chávez na Venezuela. O
que o senhor acha de quando colocam o "lulismo" em contraponto ao
"chavismo"?
Cada país
tem o seu ritmo. Eu fui testemunha de pelo menos 14 reuniões do presidente Lula
com o presidente Chávez. E posso te dizer que eram dois irmãos. Os dois se
entendiam perfeitamente. E os dois sabiam que tanto o que Lula fazia, como
grande líder do Brasil, quanto o que Chávez fazia aqui era parte de um só
processo, de libertação da América Latina.
Não tem a
esquerda boa, com Lula, e a esquerda má?
Tentou-se
por muito tempo [dizer isso]. Em 2007, havia toda essa campanha brutal contra o
presidente Chávez. E Lula propôs, para que eles não brigassem... ele dizia
assim: [imitando Lula] "'Chávess', vamos fazer uma coisa. Vamos nos reunir
a cada três meses para acabar com a intriga". E assim se fez. Foram mais
de 14 reuniões a partir daí. Agora, sim, o que posso te dizer: Lula para nós
também é um pai. Porque Lula é fundador das correntes de esquerda de novo tipo
que surgiram nos anos 80 adiante. Nós nos inspiramos na ética de Lula, na
energia dele, em sua liderança trabalhadora.
Mas Lula,
como eu disse, não fala em mudar o capitalismo.
Cada um
lidou com a circunstância histórica do seu país. E Lula empurrou o Brasil até
uma grande onda progressista, de prosperidade, de desenvolvimento.
O
candidato Capriles diz que o modelo dele é Lula.
Para a
direita pega muito mal... para uma direita que nunca trabalhou pega muito mal
colocar-se "barba a barba" com Lula. Lula ganhou trabalhando nos
fornos da luta, da história.
Ele
elogia Lula por combater a pobreza sem mexer no setor privado.
Se há
algo a dizer de Lula, Néstor Kirchner, Cristina [Kirchner] e outros líderes é
que são, na essência, antineoliberais. Libertaram nossos países do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial. E essa direita que trata de se
colocar disfarçada de Lula é, em sua essência, privatizadora, dependente da
forma neoliberal e do FMI. Não têm nada que ver com o legado nem com o
patrimônio político e cultural dos valores que Lula representa.
No
governo Chávez, a presença do Estado avançou. Mas o setor privado ainda
representa 58% da economia. Se vitoriosos, vocês vão estatizar mais empresas,
mais setores? Até onde vai o que chamam de "socialismo do século 21"?
O
socialismo do século 21 é diverso. Tem as particularidades e está enraizado na
dinâmica verdadeira de cada país. Cada um tem a sua realidade. E não podemos
achar que há menos ou mais socialismo porque o nosso, o boliviano, o
equatoriano, o nicaraguense ou o cubano não se parecem com as experiências da
antiga União Soviética ou da Romênia.
Há lugar
então para um setor privado forte?
A
história está por ser escrita. Há espaço para investimentos que venham a
desenvolver um modelo produtivo e inclusivo. Lamentavelmente na Venezuela os
cem anos de modelo de rentismo petroleiro não permitiram que surgisse um
capital forte. No fundamental, o capital se articulou à renda petroleira sem
gerar capacidade produtiva e desenvolvimento tecnológico. Esse capital não tem
visão de país, nacionalista.
É
diferente do que se passou no Brasil ou na Argentina, por exemplo, que tiveram
burguesias nacionais. Na Venezuela não há burguesia nacional. Nossas
dificuldades são então maiores. Os setores que se dedicaram à atividade
econômica privada têm laços de dependência muito forte com o capital
estadunidense.
É por
isso que estão em todos os processos de sabotagem da economia e da política.
Quem sabe agora comece a surgir, e vem surgindo, um setor misto de capital
venezuelano e de investimentos de outras partes do mundo. Capital brasileiro,
argentino, uruguaio, em aliança com um novo capital privado na Venezuela.
Uma
burguesia vinculada fortemente ao Estado?
Todo esse
modelo está em elaboração. Nesse momento estamos fazendo um chamado e buscando
instrumentos para financiar e construir setores privados que sejam
nacionalistas e que nos permitam diversificar a economia.
Privado
integralmente?
Claro.
Totalmente. Com financiamento, incentivo. De todos os tamanhos, pequeno, médio,
grande, vinculado à tecnologia, à indústria, ao comércio. Vinculado ao capital
de outras partes do mundo, Brasil, Argentina, Rússia, China. Capital
estadunidense.
Então
Cuba é inspiração para o chavismo, mas não o modelo a seguir.
Cada um
tem suas particularidades. A Cuba coube viver uma história dos anos 60, 70,
muito marcada pela chamada Guerra Fria. Bem, Cuba foi contra nossos antigos
modelos políticos, sociais, econômicos.
E está se
abrindo.
Cuba tem
seu próprio processo de aperfeiçoamento do socialismo. Precisamente o bonito da
Alba [Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, integrada por países
como Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua] é que nós todos temos
formas diversas de economia. E diversos conceitos do que é o socialismo neste
momento em cada país. E podemos andar juntos, e vamos aprendendo uns com os
outros.
Acredita
que é possível o socialismo pela via democrática, como Salvador Allende
[ex-presidente do Chile que sofreu um golpe militar em 1973] tentou, sem
sucesso?
Até
agora, sim, creio que é possível. Creio inclusive que, salvo se o império
estadunidense ficar louco e pretender nos derrotar pela via da força, ou
invadir esse país, o caminho da Venezuela seguirá sendo a democracia ampla,
profunda, de amplas liberdades e transformações pacíficas, que são as que de
verdade deixam raízes. Toda transformação que se dá pela via do debate
democrático e da decisão popular são decisões verdadeiras que têm solidez na
soberania e na consciência dos povos.
Se a
Venezuela continuará a ter um setor privado forte, como se chegará então ao
socialismo?
O
socialismo tem várias dimensões. A principal delas é a espiritual, a moral, a
ideológica, de transformação do ser humano. E quando o ser humano dessa
sociedade, por todo processo de educação, de nova cultura, de nova prática
política, de participação, de novas relações econômicas, de produção, começa a
funcionar de outra forma, então existem as condições para a sociedade
socialista, que supere o individualismo, o desejo de riqueza individual. E,
cavalgando junto, vão as transformações para um novo modelo econômico, que
supere, no caso da Venezuela, o capitalismo rentístico, especulador. E que faça
as bases de uma economia produtiva, diversificada, que crie riqueza para ser
distribuída através da saúde, educação, alimentação, seguridade social, para
que o povo tenha níveis de vida dignos, para que se supere a pobreza
definitivamente.
Quando
Chávez morreu, a presidente Dilma Rousseff fez elogios, mas disse que em muitas
ocasiões o governo brasileiro não concordou com o da Venezuela.
Nós
integramos a Unasul [União das Nações Sul-Americanas], o Mercosul, comunidades
democráticas onde se debatem ideias. E quando se debatem ideias normalmente
surgem opções.
O Banco
do Sul, por exemplo, do qual fariam parte os países da América do Sul, não foi
aprovado ainda no Congresso brasileiro. Está lento.
Você sabe
que os temas que têm que ver com o parlamento sempre são lentos. Nós temos uma
comissão já de caráter presidencial que reúne os delegados de cada presidente
do Banco do Sul. Tudo está pronto. Só esperamos que o Congresso brasileiro o
aprove para que entre em vigência de maneira rápida, automática.
O Brasil
também não integrou a TeleSur [emissora financiada por vários países
latino-americanos], o projeto do gasoduto do sul [que ligaria Venezuela, Brasil
e Argentina] não andou.
Bem, são
projetos sobre os quais têm havido debates. A TeleSur é uma linda realidade de
comunicação alternativa que venceu a ditadura midiática das grandes cadeias de
televisão. Quem sabe mais adiante [o governo brasileiro se integre ao projeto].
Seguramente as portas da TeleSur estão abertas para o governo da presidenta
Dilma e de qualquer iniciativa que venha a fortalecê-la.
E a
refinaria Abreu e Lima [parceria da Petrobras com a petroleira venezuelana
PDVSA que até agora, por divergências em relação ao financiamento, conta com
recursos apenas do Brasil], como está?
Não tenho
os detalhes atualizados, mas sei que marcha agora melhor. E que vai ter um
final feliz.
A
economia é considerada uma má herança de Chávez. A inflação é alta. Há um certo
nível de desabastecimento, de 20%. E uma dependência muito grande do petróleo.
Haverá ajustes no governo?
No dia 22
de fevereiro, conversamos por cinco horas com o presidente Chávez sobre temas
econômicos. E ele disse: "Veja, Nicolás, estamos em uma guerra
econômica". Porque, com a enfermidade do presidente, os interesses
econômicos nacionais e internacionais se lançaram a desabastecer [o país] de
produtos, a especular com os preços e com o valor do dólar. Eles acreditavam
numa hecatombe econômica que chegaria a uma explosão social e a uma
desestabilização política. Nós estamos enfrentando. Vamos torcer o braço do
dólar paralelo, vamos torcer até lá embaixo.
E a
inflação?
É um
problema do funcionamento especulativo do capital. A inflação nos 14 anos antes
do presidente Chávez foi de 34%. Nestes 14 anos com ele, baixou para 22%.
Planejamos levá-la à metade nos próximos dez anos. Oxalá possamos chegar a um
dígito.
Haverá
corte de gastos?
O mais
importante é que os gastos se convertam em investimento social para proteger o
povo e econômico para girar riqueza no país. E isso é uma dinâmica bendita que
vai gerando mudanças na estrutura econômica e vacinando o país da especulação
como sistema de fixação de preços e de movimentos da economia.
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