Correio
Braziliense, 7 de abril de 2013.
Legislações divergentes, punições mais
brandas
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A
morte do estudante José Chaves Alves Pereira, 27 anos, após uma operação
desastrada da Polícia Militar, na madrugada da última quinta-feira, levanta a
discussão sobre as penas aplicadas a membros da corporação nos casos em que
as vítimas são civis inocentes. Juristas e representantes do Ministério
Público criticam o fato de, em uma sociedade democrática, militares terem
julgamento diferenciado dentro de um código penal diverso, o que sempre acaba
resultando em punições mais brandas pelos delitos praticados por homens de
farda. As penas não ultrapassam os 4 anos de prisão, tempo que permite que as
sentenças sejam cumpridas fora da cadeia. No Código Penal Civil, a punição
para homicídio chega a 20 anos de reclusão em regime fechado.
Incongruências
entre as normas da Constituição Federal, do Código Penal Civil e do Código
Penal Militar criam brechas e dificuldades nos julgamentos de casos de
homicídios de pessoas comuns durante operações policiais. Para o titular da
Promotoria Militar do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT), Nísio Tostes (veja entrevista na página 24), as diferenças na
legislação tornam as denúncias de casos como o do estudante trabalhos mais
complicados dentro da Justiça brasileira. "Dependendo do inquérito, o
militar pode ser julgado pela justiça civil, pela justiça militar e até pela
legislação militar dentro de um tribunal civil", explica.
Para
determinar se o caso policial será avaliado dentro da lei civil ou da
militar, é necessário que a investigação responda a uma série de questões
sobre a morte do estudante, como onde o PM mirou antes de apertar o gatilho.
Uma emenda à Constituição Federal (nº 45/2004) determinou que crimes de
militares contra civis devem ser julgados de acordo com a legislação civil,
se comprovada a intenção de matar. "O problema é afirmar que um policial
quis matar um civil. Se uma pessoa comum carrega uma arma sem permissão, já
pode ser considerado que ele assumiu o risco de matar alguém. Mas, para um
policial, principalmente militar, é o governo que entrega a arma e dá a ele o
dever de defender a sociedade com esse instrumento", explica o promotor.
Com a dificuldade de qualificar homicídios em operações policiais como
dolosos — quando há intenção de matar —, os casos geralmente são julgados
como crimes culposos. Assim, os militares escapam do júri popular e da
legislação civil e a pena máxima despenca de 20 anos para 4.
Para
Evandro Piza Duarte, especialista em direito penal da Universidade Brasília,
é preciso acabar com as possibilidades de um militar ter um julgamento dentro
de leis diferentes ao tirar a vida de um civil. "Em países democráticos,
é necessário que a justiça militar tenha a competência restrita a crimes
contra o próprio órgão militar e crimes de militares contra militares. Por
conta da tradição histórica do Brasil, a competência da justiça militar
acabou sendo ampliada demais", afirma.
Ultrapassado
O
Código Penal Militar passou por pouquíssimas mudanças desde sua criação, em
1968. "Ele não é estudado nem mesmo nas universidades. Desatualizado,
acaba tornando possíveis as penas mais leves", explica Nísio Tostes.
Para o criminalista Márcio Gesteira Palma, a falta de conhecimento da
população sobre a existência de um código penal diverso para as carreiras
militares permite que as leis criadas durante o período ditatorial continuem
valendo. "As mudanças nas normas penais normalmente surgem atrasadas em
relação aos anseios da sociedade. Por exemplo, a recente regulamentação dos
crimes de invasão de e-mail. Primeiro, a sociedade cobra, depois, os
legisladores alteram as normas. O Código Penal Militar não sofre tanta
pressão, as leis ficam sedimentadas por só interessarem aos próprios órgãos
militares", afirma Palma.
Após
episódios como a morte do estudante, são abertos dois inquéritos para apurar
as circunstâncias do homicídio, um na Polícia Civil e outro na Polícia
Militar. "Como são órgãos diferentes, os processos são diferentes. Os
dois chegam ao Ministério Público e à Justiça para interpretação",
explica Tostes. Apesar de policiais e bombeiros militares estarem, em um
primeiro momento, sujeitos à legislação penal militar, eles não são julgados
no Supremo Tribunal Militar (STM) e, sim, em uma vara especial dentro do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). "Ou seja,
eles são investigados por civis, no caso da apuração das delegacias,
denunciados por civis do Ministério Público e julgados por um juiz civil, mas
dentro de uma legislação militar", explica o promotor. Indiferente ao
futuro processo criminal, a apuração na Corregedoria da Polícia Militar pode
definir, dentro de suas normas, o afastamento e até a exoneração dos
policiais envolvidos no caso.
"Em
países democráticos, é necessário que a justiça militar tenha a competência
restrita a crimes contra o próprio órgão militar e crimes de militares contra
militares. Por conta da tradição histórica do Brasil, a competência da
justiça militar acabou sendo ampliada demais"
Evandro Piza
Duarte, especialista em direito penal da Universidade Brasília
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