Documento da Abin desmente ministro e confirma a vigilância de sindicalistas
Texto sigiloso revela ‘missão’ de fiscalizar possível reação de trabalhadores contra MP dos Portos
08 de abril de 2013 | 23h 30
Alana Rizzo, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Documento sigiloso obtido pelo Estado confirma
que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI)
mobilizou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar
portuários e sindicatos contrários à Medida Provisória 595, conhecida
como MP dos Portos. O ofício desmente o general José Elito,
ministro-chefe do GSI, que na semana passada chamou de “mentirosa”
reportagem do Estado que revelava a ação da Abin no Porto de Suape (PE).
Identificado
como “Ordem de Missão 022/82105”, de 13 de março de 2013, o ofício
encaminhado a superintendências da Abin em 15 Estados litorâneos traz em
destaque o alvo dos agentes: “Mobilização de Portuários”. O GSI
confirma a autenticidade do documento.
A
“missão” da Abin, informa o documento, é identificar ações grevistas
como reação à medida provisória que altera o funcionamento dos portos. O
alvo central são sindicalistas ligados à Força Sindical. A central
sindical se uniu às críticas feitas pelo governador de Pernambuco,
Eduardo Campos (PSB), contra a MP dos Portos. Campos é possível
candidato à Presidência em 2014.
Reportagem do Estado mostrou
na última quinta-feira que a Abin vigia os passos dos portuários de
Suape, em Pernambuco. Na ocasião, o general Elito, após reunião com a
presidente Dilma Rousseff, divulgou nota dizendo ser “mentirosa a
afirmação de que o GSI/Abin tenha montado qualquer operação para
monitorar o movimento sindical no Porto de Suape ou em qualquer outra
instituição do País”.
A
ordem contida no ofício 022/82105, porém, é clara sobre o monitoramento
de sindicatos que atuam em portos. “Dirigentes sindicais ligados à
Força Sindical pretendem promover paralisação nacional de 24 horas no
dia 19 mar. 2013”, alerta o documento sigiloso. Em outro trecho, cita a
Federação Nacional dos Portuários e a Central Única dos Trabalhadores
(CUT): “Portuários filiados a essas entidades devem começar a se reunir
em assembleias a partir de 15 mar. 2013 para definir os rumos da
mobilização - ações paredistas não podem ser descartadas”.
Câmera israelense. Pouco
antes de deflagrada a Ordem de Missão, em 13 de março, uma equipe
formada por agentes de Brasília percorreu os Estados alvo para uma ação
de vigilância prévia que incluiu, pela primeira vez, a utilização de um
equipamento de filmagem israelense que permite a transmissão, em tempo
real e em alta resolução, de imagens captadas nos portos.
No
bunker montado em Brasília para a análise da movimentação dos
portuários e associações da categoria, os agentes, nos dias que
antecederam à data considerada como de provável paralisação, foram
colocados em plantão permanente, distribuídos em quatro turnos de seis
horas (19h-1h; 1h-7h; 7h-13h e 13h-19h).
A
estrutura utilizada para mapear a ação dos portuários e sindicatos foi
semelhante, em tamanho, utilização de recursos humanos e até mesmo na
montagem de uma sala especial para os analistas envolvidos na operação, à
montada para a Rio + 20.
Além
das equipes mobilizadas nas superintendências para a espionagem de
campo, oficiais lotados em outros Estados foram deslocados para Brasília
e incorporados à força-tarefa de espionagem sindical. Todos os reforços
foram alojados na Escola de Inteligência (Esint), localizada dentro da
própria Abin, no Setor Policial Sul, na capital.
Suape. Nas superintendências, conforme o Estado apurou,
a Ordem de Missão expedida pela direção da Abin, comandada pelo
analista Wilson Trezza, foi desdobrada em novas missões, algumas mais
intensas, com infiltrados, como a desencadeada em Suape.
O
porto pernambucano foi considerado um epicentro pela capacidade de
movimentação de cargas e potencial de irradiação da greve a outros
Estados.
Nove
dias antes de desencadeada a operação nacional pela Abin, o presidente
da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força
(PDT-SP), reuniu-se com portuários e com o governador Eduardo Campos,
quando a paralisação foi discutida. Antes, apesar de invasões de navios
em Santos e do bloqueio, em 22 de fevereiro, de 16 navios em Paranaguá
(PR), nenhuma ação, conforme revelou o Estado, fora desencadeada.
Dirigentes
da Força Sindical reagiram à ação da Abin. Ontem, em evento da central
em São Paulo do qual Eduardo Campos foi convidado a comparecer, o tema
Abin voltou à tona.
‘Militarização’. O
aparato utilizado e o objetivo da missão provocou tensão dentro do
próprio governo, entre os órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de
Inteligência (Sisbin). Acionada, a Diretoria de Inteligência da Polícia
Federal se recusou a participar da operação.
A
característica da missão e a prioridade dada à movimentação dos
sindicatos e portuários é sintoma, segundo agentes ouvidos
reservadamente pela reportagem, da “militarização” da Abin, sob o
comando hierárquico do general Elito.
Boa
parte das superintendências é hoje chefiada por R-2, como no jargão
interno os oficiais de inteligência identificam os militares com
passagem pelos serviços de informação das Forças Armadas e que foram
incorporados à Abin.
Essa
estrutura de comando dá prioridade a uma “pauta ideológica”, segundo
oficias de inteligência ouvidos pelo Estado, com foco no acompanhamento
de movimentos sindicais e sociais.
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