Crise foi fabricada em
1m47s
Josias de
Souza
27/04/2013
05:21
Condenado
no mensalão, Genoino tinha pressa para aprovar emenda anti-STF: ‘É bom a gente
votar logo’
O petista
Décio Lima diz estar ‘limpando a pauta’
A crise
que eletrifica as relações do Congresso com o STF há 72 horas foi fabricada
numa pseudovotação que durou 1 minuto e 47 segundos (ouça aqui). Foi o tempo
que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara levou para aprovar, na tarde
de quarta-feira, a proposta de emenda constitucional que submete algumas
decisões do Supremo ao crivo do Legislativo. O condenado do mensalão José
Genoino (PT-SP) pediu pressa: “É bom a gente votar logo.”
São membros
da comissão 130 deputados, entre
titulares e suplentes. Documento oficial informa que estavam presentes 67. Lorota. A
secretaria da comissão informou à direção da Câmara que o quórum restringia-se
a cerca de 20 parlamentares. Os outros passaram pela comissão, assinaram a
lista de presença e foram embora. Entre os que ficaram, não houve quem se
animasse a debater a matéria.
Apresentada
pelo petista Nazareno Fonteles (PI) e relatada pelo tucano João Campos (GO), a proposta tóxica foi
levada a voto em sessão presidida por Décio Lima (SC), também petista. Havia
outros projetos na fila. Mas os relatores ausentaram-se. “A gente segue a pauta
e espera o relator”, sugeriu Genoino. Decidiu-se inverter a ordem de
votação.
Décio
Lima, um deputado ligado à ministra petista Ideli Salvatti (Relações
Institucionais da Presidência), explicou que o companheiro Fonteles já havia
requerido a inversão. E começou a ler o enunciado da proposta. Prevê que
algumas decisões do STF só valerão depois de passar pelo aval do Congresso.
Entre elas as declarações de inconstitucionalidade e as súmulas vinculantes,
editadas pelo Supremo para guiar as sentenças das instâncias inferiores do Judiciário.
Tucano
João Campos: ‘STF virou superlegislativo’
O petista
Décio informou que o tucano João Campos opinara a favor da
“admissibilidade” da emenda. Significa dizer que, na opinião dele, o texto não
ofende a Constituição e respeita a boa técnica legislativa. “Há votos em
separado”, prosseguiu o presidente da sessão, referindo-se aos relatórios que
pediam a rejeição da emenda –um de Paes Landim (PMDB-PI),
outro de Vieira da Cunha (PDT-RS).
Em ritmo
de toque de caixa, Décio Lima absteve-se de pedir que fossem lidos os
relatórios. Seguiu adiante: “Em discussão o parecer do deputado João Campos.”
Passou a palavra para Onofre Santo Agustini (PSD-SC). Imaginou-se que seria
aberto o debate. Engano. “Vou apenas fazer o seguinte comentário: como é apenas
votar a admissibilidade, não vejo razão para discutir. Sou favorável à PEC”,
limitou-se a dizer Onofre Agustini.
E Décio
Lima, voltando ao acelerador: “Continua em discussão o parecer. Não havendo
quem…” Súbito, o presidente percebe que Genoino deseja falar. Autoriza. “Senhor
presidente, eu já expressei que sou favorável à PEC”, diz o condenado do STF.
“E é bom a gente votar logo a admissibilidade dela.” Em ritmo de narrador de
corrida de cavalos, o companheiro Décio encaminha a emenda para a reta de
chegada.
“Continua
em discussão. Não havendo quem queira discuti-la, em votação parecer do
eminente deputado João Campos. Os senhores deputados que forem favoráveis
permaneçam como se encontram. Aprovado.” Entre o “permaneçam como se encontram”
e o “aprovado” não decorreu nem o tempo de um suspiro.
Encerrado
o arremedo de votação, ouve-se ao fundo a voz do tucano Eduardo Azeredo
(PSDB-MG). Réu no processo do mensalão do PSDB mineiro, à espera de julgamento
no STF, ele avisa a Décio Lima que “já chegou o realator” de outro projeto.
Pede que a sessão siga seu curso. Na linha de montagem da Comissão de Justiça,
estava fabricada a crise que, irresolvida, invadiu o final de semana.
Henrique
Alves leva emenda ao freezer
Nesta
sexta-feira, o ministro Dias Toffoli, do STF, enviou ofício ao presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Determinou que sejam encaminhadas à
Corte, em 72 horas (a contar do recebimento), explicações sobre o que se passou
na Comissão de Constituição e Justiça. Fez isso porque lhe coube relatar um
mandado de segurança impetrado pelo PSDB e pelo ex-PPS, agora MD.
Um dos
signatário da peça, o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), vive uma
experiência paradoxal. Recorre ao STF para brecar a tramitação da proposta que
seu vice-líder, o deputado João Campos, referendou. Para Sampaio, o projeto do
petista Fonteles não é apenas inconstitucional. Trata-se de “uma aberração”.
Para o bico de Campos, é uma “ponderada contribuição”, capaz de devolver o STF
ao seu lugar. “O Supremo vem se tornando um superlegislativo”, anota o tucano
em seu parecer.
Surpreendido
com a novidade, Henrique Alves conversou com o petista Décio Lima, o presidente
do desastre. Perguntou o que sucedera. Ouviu uma explicação singela: a pauta da
comissão está atulhada e ele decidiu limpar as prateleiras. A emenda de
Fonteles era de 2011. E não havia razões para sobrestá-la.
Numa
tentativa de jogar água fria na fervura, Henrique Alves decidiu levar a emenda
ao freezer. Adiou por tempo indeterminado a comissão especial que teria de ser
constituída para analisar o mérito da emenda anti-STF depois que a Comissão de
Justiça considerou-a apta a tramitar.
Nesta
segunda-feira, Henrique e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se
reunirão com o ministro Gilmar Mendes, do STF. Tentarão convencê-lo a rever a
liminar que sustou a tramitação do projeto de lei que impõe um torniquete
financeiro e de propaganda aos novos partidos. No condomínio governista, dá-se
de barato que a liminar de Gilmar foi uma reação à emenda do companheiro
Fonteles.
Há nos
arquivos da Câmara um documento que mostra como nascem os desastres no Legislativo. Antes
de apresentar uma emenda à Constituição, o autor precisa recolher as
assinaturas de apoiadores. O deputado Nazareno Fonteles arrastou para dentro de
sua emenda 219 jamegões. Gente de
todos os partidos –de Chico Alencar (PSOL-RJ) a Ronaldo Caiado (DEM-GO), de
Tiririca (PR-SP) ao pastor Marco Feliciano (PSC-SP), de Renan Filho (PMDB-AL) a
Zeca Dirceu (PT-PR). Em tese, quem assina deve ler ao menos o cabeçalho da
emenda. E a proposta de Nazareno é explícita da primeira letra ao ponto final.
Quer dizer: está-se diante de um despautério coletivo.
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