quinta-feira, 25 de abril de 2013

Câmara abre guerra ao STF

O Globo, 25 de abril de 2013.

Câmara abre guerra ao STF

Projeto de autoria de petista, apoiado por mensaleiros, submete decisões da Justiça ao Congresso

Após o mensalão


BRASÍLIA A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou ontem uma polêmica emenda constitucional que submete decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação do Congresso. A proposta provocou reações entre os próprios parlamentares e entre ministros do STF. A emenda é de autoria do deputado petista Nazareno Fonteles, do Piauí, e recebeu o apoio, entre outros, dos deputados petistas José Genoino (SP) e João Paulo Cunha (SP), condenados pelo mensalão. O deputado Paulo Maluf (PP-SP), condenado por desvio de recursos públicos, também faz parte da comissão.
A admissibilidade da emenda foi aprovada simbolicamente, com a aprovação da maioria dos partidos representados na CCJ. O relator na comissão foi o deputado tucano João Campos (GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Após a aprovação, o PSDB desautorizou o parlamentar do partido e anunciou que entrará com mandado de segurança para sustar a tramitação da emenda na Casa. A Mobilização Democrática (MD) fará o mesmo. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), pediu um estudo sobre a proposta e afirmou que irá examiná-la com cautela.
- Esta Casa encontrará uma solução respeitosa. Vamos conversar, isso merece um diálogo aberto, franco, com o Poder Judiciário. Esta Casa não quer conflitos, quer dirimi-los - disse Henrique Alves.

Em última instância, consulta popular

A emenda estabelece que, quando o STF declarar a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, isso não produzirá efeito imediato. A decisão da Corte será submetida à apreciação do Congresso. Se deputados e senadores votarem contra decisão do STF, deverão submeter a decisão à consulta popular. Para decidir sobre isso, o Congresso terá que fazer sessão conjunta, e a manifestação terá que ter apoio de três quintos dos parlamentares. Se em 90 dias o Congresso não deliberar, prevalecerá a decisão do Supremo. O projeto proíbe que o STF suspenda a eficácia de emendas à Constituição em caráter liminar.
Outro ponto do projeto diz respeito às súmulas vinculantes (decisões que devem ser cumpridas por todas as instâncias da Justiça). Segundo a PEC, o Supremo só poderá propor uma súmula vinculante quando nove dos 11 ministros votarem a favor, e não maioria absoluta, como fixa hoje a Constituição. E, para valer, a decisão sobre a súmula tem que ser submetida ao Congresso, que terá 90 dias para deliberar, em sessão conjunta, e derrubá-la ou mantê-la, em decisão tomada por maioria absoluta. Se não deliberar nesse prazo, a decisão do Supremo passa a valer.
A emenda do deputado Nazareno também altera o quorum para a decisão de tribunais sobre inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. Segundo o texto, em vez de maioria absoluta, como é hoje, tais decisões só poderão valer se tiverem o apoio de quatro quintos dos integrantes dos tribunais ou órgãos.
- O Judiciário vem interferindo em decisões do Legislativo, há uma invasão de competência. Tem sentido uma PEC aprovada no Congresso ser questionada no Supremo? Isso não acontece nos Estados Unidos, mas no Brasil virou rotina. Estão questionando a PEC dos precatórios, dos royalties e a verticalização das eleições. Isso tem que depender do juiz? São deliberações políticas, não judiciais - defendeu Nazareno. - O Judiciário tem uma montanha de processos para decidir e vive se intrometendo no Legislativo. É para aparecer na mídia.
Na CCJ, a votação foi simbólica e sem discussão. Cerca de 20 deputados estavam presentes. José Genoino se manifestou a favor da emenda. Dois deputados apresentaram voto contra, argumentando que ela fere o princípio da separação entre os poderes: Vieira da Cunha (PDT-RS) e Paes Landim (PTB-PI). Vieira da Cunha reclamou que não estava presente à votação:
- Eu pedi vista e apresentei voto em separado. Mas nem li o voto. A pauta é publicada, mas é praxe retirar de pauta projetos quando a pessoa que tem o voto em separado não está presente. Houve claramente atropelo.
O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), disse respeitar a opinião do relator João Campos, mas discordar frontalmente dele:
- Ele (Campos) jamais falou em nome do partido. Essa PEC é uma completa aberração, fere cláusula pétrea, ofende a autonomia da mais alta Corte do país.
O líder do PT, deputado José Guimarães (CE), disse que o teor do projeto não foi discutido na bancada, mas os deputados têm autonomia.

Para Marco Aurélio Mello, retaliação

Ministros do Supremo reagiram ontem mesmo. Para Gilmar Mendes, a ideia remete à Constituição de 1937, conhecida por "polaca", que dava ao presidente da República - à época, Getulio Vargas - o poder de cassar decisões do STF. Marco Aurélio Mello lembrou que no sistema brasileiro a última palavra é do Judiciário, não dos políticos. Ambos disseram não acreditar que a Câmara aprove a emenda no plenário.
- Na nossa memória constitucional, isso evoca coisas tenebrosas. Nós temos precedente na Constituição de 1937, em que o presidente da República podia cassar decisões do Supremo e confirmar a constitucionalidade de leis declaradas inconstitucionais. Acredito que não é um bom precedente, a Câmara vai acabar rejeitando isso - disse Gilmar.
- No contexto, a esta altura, ressoa inclusive como uma retaliação. E eu não acredito que as duas Casas do Congresso brasileiro assim se pronunciem, estaria sendo promovida por políticos - disse Marco Aurélio. - Não imagino essa virada de mesa que pretendem, e muito menos em cima de um julgamento como foi o da Ação Penal 470 (do mensalão). Agora, já diziam os filósofos materialistas gregos há 2.500 anos: nada surge sem causa. Não posso bater palmas para os integrantes da comissão.
Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a PEC provoca "perplexidade":
- À primeira vista, é algo que causa perplexidade do ponto de vista constitucional. Porque, na verdade, aí se está vendo algo que não parece casar muito bem com a harmonia e independência entre os poderes.
O vice-presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, evitou comentários sobre a PEC:
- Eu entendo que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Quando for o caso, se for o caso, o STF vai examinar a constitucionalidade da proposta. Não quero me pronunciar sobre uma PEC que nem foi aprovada ainda.

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