Junho 2013. O Modelo Liberal Periférico e o Desenvolvimento às Avessas. Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves
“O Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o transformismo do PT agravam os problemas econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais, comprometendo a capacidade de desenvolvimento do país e gerando frustração, sofrimento e revolta. Portanto, os governos petistas são os principais responsáveis pela crise atual”, avalia o economista.
Confira a entrevista.
As manifestações que tomaram as ruas brasileiras são o reflexo de uma “crise sistêmica: econômica, social, ética, política e institucional”, aponta Reinaldo Gonçalves em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Essa crise, explica, decorre de 20 anos de um modelo de desenvolvimento liberal periférico, que tem como característica a “liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro” e suas consequências nos governos Lula e Dilma.
Como alternativa para conter as manifestações, a proposta de plebiscito para realizar a reforma política, que deveria propor uma mudança neste modelo de desenvolvimento, apenas demonstra o “déficit de governança e de liderança” do governo Dilma. “No que se refere à reforma política (pacto n. 2), a ideia de plebiscito objetiva ganhar tempo. É uma forma de adiar decisões que contrariem os interesses dos grupos dirigentes e dos setores dominantes. Vale notar que a proposta da OAB é a única sensata: representações da sociedade civil discutem e elaboram um projeto, que recolhe apoio na própria sociedade (assinaturas) e é enviado para o Congresso sancionar. Ou seja, o Executivo fica de fora, enquanto o Legislativo somente aprova; o que é a única forma de enfrentar a crise de legitimidade do Estado”, assinala.
Para o economista, é preciso ir além de “propostas genéricas ou consensuais” focadas nas funções do Estado. “Se, por um lado, é verdade que na atualidade estas funções são distorcidas, enviesadas e ineficazes, por outro, é ainda mais verdadeiro afirmar que há questões vinculadas à estrutura de poder que precisam ser mudadas. O desafio histórico-político é romper o pacto atual entre os grupos dirigentes e os setores dominantes”, destaca.
Reinaldo Gonçalves (foto abaixo) é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ, e doutor em Letters and Social Sciences pela University of Reading, na Inglaterra. Leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As análises acerca das manifestações tendem para uma avaliação de que elas representam uma crise política e não econômica no país. O senhor concorda?
Reinaldo Gonçalves – O Brasil vive crise sistêmica: econômica, social, ética, política e institucional. Há 20 anos o país tem um modelo de desenvolvimento denominado de Modelo Liberal Periférico – MLP. O MLP tem como características marcantes: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro. O MLP tem padrões específicos de dominação, acumulação e distribuição. No que se refere ao padrão de dominação, o MLP envolve pacto dos grupos dirigentes com os setores dominantes (empreiteiras, bancos, agronegócio e mineradoras) que aumenta a concentração de riqueza e poder. O padrão de acumulação envolve, além de baixas taxas de investimento, o deslocamento da fronteira de produção na direção do setor primário-exportador. Por fim, o padrão de distribuição limita-se à redistribuição incipiente da renda entre os distintos grupos da classe trabalhadora de tal forma que os interesses do grande capital são preservados.
No MLP brasileiro a trindade da economia política (dominação/acumulação/distribuição) é perversa, visto que é sustentada por um sistema político corrupto e clientelista. Este sistema não se restringe às relações entre grupos dirigentes e setores dominantes. De fato, ele envolve sindicatos, entidades estudantis, organizações não governamentais, intelectualidade, grupos sociais no campo da pobreza absoluta e da miséria. Trata-se de um social-liberalismo corrompido pelo patrimonialismo e garantido pela fragilidade da sociedade civil.
Desenvolvimento às avessas
O casamento do MLP com o sistema político clientelista e corrupto gerou o desenvolvimento às avessas. Esta trajetória de desenvolvimento é marcada, na dimensão econômica, por fraco desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo. Ademais, observam-se o invertebramento da sociedade, a deterioração do ethos, a degradação das instituições e a consolidação do sistema político corrupto e clientelista. Trato destes temas em livro recente (Desenvolvimento às Avessas. Verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013).
A discussão sobre modelos de desenvolvimento não é abstrata. É evidente que há diferentes modelos na Suécia, China, Estados Unidos e Paraguai. O modelo brasileiro atual aproxima-se deste último. Portanto, são duas décadas de acúmulo de graves problemas estruturais nas dimensões econômica, social, ética, política e institucional. O resultado não poderia ser outro: crise sistêmica.
IHU On-Line – Em que medida as manifestações são, também, uma crítica à gestão do
PT nos últimos dez anos?
Reinaldo Gonçalves – A crise atual também é consequência do surgimento de três fenômenos nos dois governos petistas: o Brasil Invertebrado e o Brasil Negativado. O Brasil Invertebrado caracteriza-se pelo fato de que os grupos dirigentes têm sido capazes de cooptar a grande maioria das organizações sociais, sindicais, estudantis e patronais. Grupos sociais não organizados assim como movimentos sociais de maior envergadura também são neutralizados por meio de políticas clientelistas. Ademais, a impunidade de corruptos e corruptores continua como a regra geral, que tem poucas e surpreendentes exceções. Grandes grupos econômicos desempenham papel de atores protagônicos via abuso do poder econômico, corrupção e financiamento de campanhas eleitorais. Nese sentido, a ausência de organizações efetivamente representativas provoca revolta.
O Brasil Negativado, por seu turno, expressa a deterioração das condições econômicas e abarca o país, o governo, as empresas e as famílias. As finanças públicas se caracterizam por significativos desequilíbrios de fluxos e estoques, além, naturalmente, dos problemas epidêmicos de déficit de governança e superávit de corrupção. O aumento da dívida das empresas e famílias tem causado crescimento significativo da inadimplência. O aumento da negatividade é resultado da política de crédito fortemente expansionista no contexto de taxas de juros absurdas, fraco crescimento da renda, inoperância da atividade fiscalizadora e abuso de poder econômico por parte dos sistemas bancário e financeiro. Milhões de pessoas (pobres e classe média) estão perdendo o sono diariamente porque estão negativados, não conseguem pagar suas dívidas. E isso causa sofrimento e revolta.
Transformismo do PT
Por fim, vale destacar que a eleição de Lula expressou a vontade popular de transformações estruturais e de ruptura com a herança do governo FHC. Entretanto, o transformismo dos grupos dirigentes do PT gerou grande frustração. O social-liberalismo corrompido só se consolidou visto que esteve sustentado por transferências e políticas clientelistas e assistencialistas. Depois de 10 anos de governo há a falência do PT que tem sido absolutamente incapaz de realizar mudanças estruturais no país. Só houve a consolidação do Modelo Liberal Periférico (que reúne o que há de pior no liberalismo e na periferia) e a manutenção da trajetória de desenvolvimento às avessas. O transformismo petista gera frustração e revolta.
O Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o transformismo do PT agravam os problemas econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais, comprometendo a capacidade de desenvolvimento do país e gerando frustração, sofrimento e revolta. Portanto, os governos petistas são os principais responsáveis pela crise atual.
IHU On-Line – Além dos determinantes estruturais, que fatores explicam a eclosão da revolta popular?
Reinaldo Gonçalves – Há, naturalmente, fatores de eclosão (“gota d’água”) da revolta popular: baixo crescimento da renda, aumento da inflação, reajuste das tarifas de transporte, PEC 37, demora na punição efetiva dos condenados no caso do mensalão, desperdício de recursos com a Copa e as Olimpíadas, aumento das evidências de enriquecimento de dirigentes políticos e promiscuidade com grandes empresários, etc. Entretanto, na raiz desses fatores há graves problemas estruturais. A proteção da indústria automobilística, a inoperância e a corrupção comprometem todo o sistema de transporte. A degradação na educação e a tragédia na saúde são processos evidentes. A indignação e o desconforto da população decorrem também da hipocrisia e da inoperância dos grupos dirigentes, do abuso do poder econômico das grandes empresas e da impunidade.
Há também clara percepção de crise ética associada à fragilidade e degradação das instituições. E, ademais, no plano da disputa político-partidária, de modo geral, a oposição é tão medíocre e nefasta quanto a situação. Esta é uma razão adicional que mostra que a crise é sistêmica e, não é por outra razão, que os manifestantes dispensam e, até mesmo rejeitam, os partidos políticos. A tradição brasileira de que a promiscuidade envolve dirigentes e que grandes empresas não implica risco moral parece ter alcançado ponto de saturação. Há crise de legitimidade do Estado e de representação. Enfim, crise institucional.
IHU On-Line – Como avalia as propostas da presidente Dilma, especialmente a de um plebiscito para realizar a reforma política? Por quais razões ela não tem recebido apoio do partido e da oposição?
Reinaldo Gonçalves – Como parte da herança maldita do governo Lula há não somente o aprofundamento do Modelo Liberal Periférico e o desenvolvimento às avessas, como também o governo Dilma é marcado por déficit de governança e de liderança. A falta de apoio resulta da natureza das propostas apresentadas no dia 24 de junho. O pacto n. 1 reafirma a responsabilidade fiscal. Por um lado, ele informa aos setores dominantes (principalmente, bancos e grupos rentistas) que seus interesses não serão afetados, ou seja, não haverá qualquer mudança na política de geração de superávits primários focados no pagamento dos juros da dívida pública. Por outro, há a sinalização para governadores e prefeitos que, sendo evidente que a sufocação da revolta passa pela abertura dos cofres públicos, o Executivo federal quer dividir a fatura com as outras instâncias de governo. Nesse sentido, pode-se ler este pacto da seguinte forma: a sufocação da crise exige recursos extraordinários que devem também vir da redução da “taxa de malfeitos” em todas as instâncias de governo.
No que se refere à reforma política (pacto n. 2), a ideia de plebiscito objetiva ganhar tempo. É uma forma de adiar decisões que contrariem os interesses dos grupos dirigentes e dos setores dominantes. Vale notar que a proposta da OAB é a única sensata: representações da sociedade civil discutem e elaboram um projeto, que recolhe apoio na própria sociedade (assinaturas) e é enviado para o Congresso sancionar. Ou seja, o Executivo fica de fora, enquanto o Legislativo somente aprova; o que é a única forma de enfrentar a crise de legitimidade do Estado.
A proposta de contratação de médicos estrangeiros (pacto n. 3) mostra como a inoperância pode chegar ao ponto do ridículo-trágico. Se esta proposta vingar, teremos médicos bolivianos trabalhando em hospitais no padrão haitiano (com deficiência de equipamentos, remédios, enfermeiros, técnicos, administradores, superfaturamento nas compras governamentais etc.), ou seja, degradação ainda maior da área da saúde. Há, ainda, a proposta inócua de aumento das penas por corrupção. O Brasil tem um sistema penal profundamente antidemocrático em que rico não é preso. Que diferença faz penas de prisão de 1 ano ou 30 anos para ricos que sabem que não serão presos? Esta medida desmoralizará ainda mais as instituições e, em algum momento, provocará mais indignação e revolta.
Os pactos n. 4 e 5 envolvem promessas de maiores investimentos em transporte e educação que, como parte da estratégia governamental, envolvem promessas que não serão cumpridas. Na realidade, estes pactos reproduzem a prática de dois governos petistas que executaram menos da metade dos recursos comprometidos com a área social.
O fato relevante é que a estratégia dos grupos dirigentes para enfrentar a crise é a da “maré baixa”, ou seja, eles precisam cometer o mínimo de erros e ganhar tempo. Na tradição secular brasileira os grupos dirigentes, frente à pressão popular, usam o seguinte método: 1) cooptação de lideranças (verbas e cargos públicos); 2) concessões marginais e pontuais para a população; 3) reforminhas políticas e eleitorais inócuas; 4) promessas que não serão cumpridas; e 5) repressão. A divisão de trabalho no poder Executivo é a seguinte: a instância municipal foca nas concessões marginais e pontuais; a instância estadual se concentra na repressão violenta; a instância federal encaminha reforminhas inócuas e, com a escalada da crise, entra com a repressão ainda mais violenta; e as três instâncias dividem as tarefas de cooptar lideranças e comprometer-se com promessas que não serão cumpridas. Este processo se repete na crise atual.
IHU On-Line – Quais são as principais reformas orientadas para as mudanças estruturais?
Reinaldo Gonçalves – É necessário ir além das propostas genéricas ou consensuais de maior investimento em educação, saúde e infraestrutura urbana. É preciso ir além das propostas focadas nas funções do Estado: estabilização, regulação, alocação e distribuição. Se, por um lado, é verdade que na atualidade estas funções são distorcidas, enviesadas e ineficazes, por outro, é ainda mais verdadeiro afirmar que há questões vinculadas à estrutura de poder que precisam ser mudadas. O desafio histórico-político é romper o pacto atual entre os grupos dirigentes e os setores dominantes.
Sistema penal
A primeira reforma atinge o antidemocrático sistema penal brasileiro que se caracteriza, entre outras anomalias, pelo fato de que, com raras exceções que confirmam a regra, os ricos não são presos no Brasil. Dirigentes e políticos corruptos, bem como empresários corruptores, também se beneficiam da impunidade. É um verdadeiro atraso, uma aberração institucional que é absolutamente antidemocrática e está vigente e pujante no Brasil no século XXI. País desenvolvido é país em que rico vai para a cadeia. O Brasil só iniciará, efetivamente, o caminho na direção da democracia e do desenvolvimento quando os criminosos ricos forem condenados e cumprirem suas sentenças de prisão. Os 8 ou 9 anos de processo do mensalão não expressam a força da institucionalidade democrática; muito pelo contrário, este processo revela um dos lados profundamente antidemocráticos da realidade brasileira.
Abuso do poder econômico
A segunda reforma trata do combate ao abuso de poder econômico que gera ineficiência, concentração de renda, humilhação e sofrimento para a população. No Brasil há limbo jurídico e institucional que impede a efetiva fiscalização das práticas de abuso do poder econômico por parte dos bancos. Ademais, estas práticas não se restringem aos bancos. A lista das empresas mais acionáveis nos juizados especiais cíveis em processos de defesa do consumidor inclui além, naturalmente dos bancos, as empresas de serviços de utilidade pública. E a impunidade não é somente privilégio dos ricos como pessoas físicas. A institucionalidade regulatória brasileira é frágil. No período 2008-2010 somente 4,7% das multas aplicadas pelas agências reguladoras no Brasil foram efetivamente pagas.
Sistema tributário-fiscal
A terceira reforma estrutural abarca o sistema tributário-fiscal. Inúmeras medidas devem ser tomadas: 1) mudar a estrutura tributária, de regressiva para progressiva; a modificação substantiva do sistema de alíquotas é fundamental, de forma que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos do que a classe média e os pobres. É inadmissível que sobre os rendimentos do trabalho da classe média incida a mesma alíquota que incide sobre os rendimentos do trabalho dos ricos. É necessária a desoneração tributária que incide diretamente sobre a renda dos pobres e da classe média; 2) eliminar boa parte das medidas de desoneração, seja da folha de pagamento seja a redução de IPI, principalmente dos setores de bens de consumo duráveis (automóveis, linha branca etc.) e dos setores em que há baixa concorrência (produtos intermediários); 3) fazer com que a tributação sobre os rendimentos do capital seja maior do que a tributação sobre os rendimentos do trabalho; 4) maior taxação do estoque de riqueza dos ricos (grandes propriedades de ativos reais e financeiros superiores, digamos, a R$ 10 milhões); 5) eliminar subsídios em financiamentos para projetos de investimento de grandes empresas e grupos econômicos; 6) aumento da tributação sobre a entrada e a saída de capitais do país, inclusive sobre remessas das rendas (lucros e juros) destes capitais; 7) acabar com o financiamento com recursos públicos para empresas estrangeiras que operam no país; e 8) reduzir financiamento e aumentar a tributação do setor primário, com impostos específicos sobre exportação.
Financiamento de campanha
A quarta proposta refere-se à questão do financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais. As relações entre, de um lado, dirigentes partidários e políticos e, de outro, agentes privados, principalmente, dos setores dominantes (empreiteiras, bancos e setor primário-exportador) abarcam diferentes mecanismos: compras governamentais, financiamento dos bancos públicos, concessão, regulação, tráfico de influência etc. A efetiva democratização do sistema penal brasileiro reduziria significativamente os ilícitos praticados. Entretanto, há outro mecanismo que cria fortes laços entre homens públicos e agentes privados, que é o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Estes laços podem gerar relações de sujeição dos homens públicos. A situação agrava-se com o famigerado saldo do “caixa 2” de campanhas eleitorais, que acaba por desembocar nos bolsos de dirigentes partidários, políticos etc.
IHU On-Line – Quais são as perspectivas?
Reinaldo Gonçalves – O Modelo Liberal Periférico tem tido fraco desempenho pelos padrões históricos brasileiros e pelos atuais padrões internacionais, inclusive durante os governos Lula e Dilma. E, como resultado do MLP, o país está em trajetória de Desenvolvimento às Avessas. Se continuarmos com este modelo e nesta trajetória, a poucos anos do bicentenário da independência o país faz viagem rumo ao passado. Os governos petistas são os principais responsáveis, visto que o Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o transformismo do PT agravam a crise sistêmica.
O Brasil entranha-se em trajetória de fraco desempenho econômico, com recorrentes momentos de instabilidade e crise, e embrenha-se em nuvens cinzentas que turvam o caminho do desenvolvimento social, político, ético e institucional em função dos problemas estruturais que não são enfrentados. A “maré baixa” da revolta popular não mudará a trajetória de instabilidade porque os problemas estruturais permanecerão.
Os fatos fundamentais são evidentes: problemas estruturais (econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais), déficit de lideranças e organizações, déficits de governança e de governabilidade, e crise institucional. Enfim, crise sistêmica. Não há registro de manifestações significativas contra o atual modelo de desenvolvimento. Não há indícios de propostas de reformas efetivamente estruturantes de um novo modelo. Ademais, a estratégia de “maré baixa” dos grupos dirigentes e dos setores dominantes é clara e, para isso, a tática é evidente: cooptação, concessões pontuais, conciliação, reforminhas políticas e institucionais, promessas não cumpridas e repressão violenta. Nesse contexto, a probabilidade de que as revoltas populares atuais causem mudanças estruturais é pequena.
Repetição do drama histórico
A trajetória futura é de instabilidade pelas seguintes razões: 1) a crise tem raízes estruturais; 2) a crise é sistêmica; 3) não é do interesse dos grupos dirigentes e dos setores dominantes realizar mudanças estruturais; e 4) no movimento popular não há convergência de entendimentos sobre as causas e responsabilidades da crise, nem sobre propostas de luta política.
O mais provável é a repetição do nosso conhecido drama histórico: êxito no curto prazo da estratégia de “maré baixa” dos grupos dirigentes e dos setores dominantes, que contam com a perda de fôlego, exaustão e fadiga dos manifestantes. Infelizmente, é mínima a probabilidade de mudanças efetivas nas estruturas de poder e riqueza e, portanto, resta a persistência do Modelo Liberal Periférico e do Desenvolvimento às Avessas na trajetória de instabilidade e crise.
Confira a entrevista.
Foto: http://portalbraganca.com.br |
Como alternativa para conter as manifestações, a proposta de plebiscito para realizar a reforma política, que deveria propor uma mudança neste modelo de desenvolvimento, apenas demonstra o “déficit de governança e de liderança” do governo Dilma. “No que se refere à reforma política (pacto n. 2), a ideia de plebiscito objetiva ganhar tempo. É uma forma de adiar decisões que contrariem os interesses dos grupos dirigentes e dos setores dominantes. Vale notar que a proposta da OAB é a única sensata: representações da sociedade civil discutem e elaboram um projeto, que recolhe apoio na própria sociedade (assinaturas) e é enviado para o Congresso sancionar. Ou seja, o Executivo fica de fora, enquanto o Legislativo somente aprova; o que é a única forma de enfrentar a crise de legitimidade do Estado”, assinala.
Para o economista, é preciso ir além de “propostas genéricas ou consensuais” focadas nas funções do Estado. “Se, por um lado, é verdade que na atualidade estas funções são distorcidas, enviesadas e ineficazes, por outro, é ainda mais verdadeiro afirmar que há questões vinculadas à estrutura de poder que precisam ser mudadas. O desafio histórico-político é romper o pacto atual entre os grupos dirigentes e os setores dominantes”, destaca.
Reinaldo Gonçalves (foto abaixo) é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ, e doutor em Letters and Social Sciences pela University of Reading, na Inglaterra. Leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As análises acerca das manifestações tendem para uma avaliação de que elas representam uma crise política e não econômica no país. O senhor concorda?
Foto: http://www.ie.ufrj.br/ |
No MLP brasileiro a trindade da economia política (dominação/acumulação/distribuição) é perversa, visto que é sustentada por um sistema político corrupto e clientelista. Este sistema não se restringe às relações entre grupos dirigentes e setores dominantes. De fato, ele envolve sindicatos, entidades estudantis, organizações não governamentais, intelectualidade, grupos sociais no campo da pobreza absoluta e da miséria. Trata-se de um social-liberalismo corrompido pelo patrimonialismo e garantido pela fragilidade da sociedade civil.
Desenvolvimento às avessas
O casamento do MLP com o sistema político clientelista e corrupto gerou o desenvolvimento às avessas. Esta trajetória de desenvolvimento é marcada, na dimensão econômica, por fraco desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo. Ademais, observam-se o invertebramento da sociedade, a deterioração do ethos, a degradação das instituições e a consolidação do sistema político corrupto e clientelista. Trato destes temas em livro recente (Desenvolvimento às Avessas. Verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013).
A discussão sobre modelos de desenvolvimento não é abstrata. É evidente que há diferentes modelos na Suécia, China, Estados Unidos e Paraguai. O modelo brasileiro atual aproxima-se deste último. Portanto, são duas décadas de acúmulo de graves problemas estruturais nas dimensões econômica, social, ética, política e institucional. O resultado não poderia ser outro: crise sistêmica.
IHU On-Line – Em que medida as manifestações são, também, uma crítica à gestão do
PT nos últimos dez anos?
Reinaldo Gonçalves – A crise atual também é consequência do surgimento de três fenômenos nos dois governos petistas: o Brasil Invertebrado e o Brasil Negativado. O Brasil Invertebrado caracteriza-se pelo fato de que os grupos dirigentes têm sido capazes de cooptar a grande maioria das organizações sociais, sindicais, estudantis e patronais. Grupos sociais não organizados assim como movimentos sociais de maior envergadura também são neutralizados por meio de políticas clientelistas. Ademais, a impunidade de corruptos e corruptores continua como a regra geral, que tem poucas e surpreendentes exceções. Grandes grupos econômicos desempenham papel de atores protagônicos via abuso do poder econômico, corrupção e financiamento de campanhas eleitorais. Nese sentido, a ausência de organizações efetivamente representativas provoca revolta.
O Brasil Negativado, por seu turno, expressa a deterioração das condições econômicas e abarca o país, o governo, as empresas e as famílias. As finanças públicas se caracterizam por significativos desequilíbrios de fluxos e estoques, além, naturalmente, dos problemas epidêmicos de déficit de governança e superávit de corrupção. O aumento da dívida das empresas e famílias tem causado crescimento significativo da inadimplência. O aumento da negatividade é resultado da política de crédito fortemente expansionista no contexto de taxas de juros absurdas, fraco crescimento da renda, inoperância da atividade fiscalizadora e abuso de poder econômico por parte dos sistemas bancário e financeiro. Milhões de pessoas (pobres e classe média) estão perdendo o sono diariamente porque estão negativados, não conseguem pagar suas dívidas. E isso causa sofrimento e revolta.
Transformismo do PT
Por fim, vale destacar que a eleição de Lula expressou a vontade popular de transformações estruturais e de ruptura com a herança do governo FHC. Entretanto, o transformismo dos grupos dirigentes do PT gerou grande frustração. O social-liberalismo corrompido só se consolidou visto que esteve sustentado por transferências e políticas clientelistas e assistencialistas. Depois de 10 anos de governo há a falência do PT que tem sido absolutamente incapaz de realizar mudanças estruturais no país. Só houve a consolidação do Modelo Liberal Periférico (que reúne o que há de pior no liberalismo e na periferia) e a manutenção da trajetória de desenvolvimento às avessas. O transformismo petista gera frustração e revolta.
O Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o transformismo do PT agravam os problemas econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais, comprometendo a capacidade de desenvolvimento do país e gerando frustração, sofrimento e revolta. Portanto, os governos petistas são os principais responsáveis pela crise atual.
IHU On-Line – Além dos determinantes estruturais, que fatores explicam a eclosão da revolta popular?
Reinaldo Gonçalves – Há, naturalmente, fatores de eclosão (“gota d’água”) da revolta popular: baixo crescimento da renda, aumento da inflação, reajuste das tarifas de transporte, PEC 37, demora na punição efetiva dos condenados no caso do mensalão, desperdício de recursos com a Copa e as Olimpíadas, aumento das evidências de enriquecimento de dirigentes políticos e promiscuidade com grandes empresários, etc. Entretanto, na raiz desses fatores há graves problemas estruturais. A proteção da indústria automobilística, a inoperância e a corrupção comprometem todo o sistema de transporte. A degradação na educação e a tragédia na saúde são processos evidentes. A indignação e o desconforto da população decorrem também da hipocrisia e da inoperância dos grupos dirigentes, do abuso do poder econômico das grandes empresas e da impunidade.
Há também clara percepção de crise ética associada à fragilidade e degradação das instituições. E, ademais, no plano da disputa político-partidária, de modo geral, a oposição é tão medíocre e nefasta quanto a situação. Esta é uma razão adicional que mostra que a crise é sistêmica e, não é por outra razão, que os manifestantes dispensam e, até mesmo rejeitam, os partidos políticos. A tradição brasileira de que a promiscuidade envolve dirigentes e que grandes empresas não implica risco moral parece ter alcançado ponto de saturação. Há crise de legitimidade do Estado e de representação. Enfim, crise institucional.
IHU On-Line – Como avalia as propostas da presidente Dilma, especialmente a de um plebiscito para realizar a reforma política? Por quais razões ela não tem recebido apoio do partido e da oposição?
Reinaldo Gonçalves – Como parte da herança maldita do governo Lula há não somente o aprofundamento do Modelo Liberal Periférico e o desenvolvimento às avessas, como também o governo Dilma é marcado por déficit de governança e de liderança. A falta de apoio resulta da natureza das propostas apresentadas no dia 24 de junho. O pacto n. 1 reafirma a responsabilidade fiscal. Por um lado, ele informa aos setores dominantes (principalmente, bancos e grupos rentistas) que seus interesses não serão afetados, ou seja, não haverá qualquer mudança na política de geração de superávits primários focados no pagamento dos juros da dívida pública. Por outro, há a sinalização para governadores e prefeitos que, sendo evidente que a sufocação da revolta passa pela abertura dos cofres públicos, o Executivo federal quer dividir a fatura com as outras instâncias de governo. Nesse sentido, pode-se ler este pacto da seguinte forma: a sufocação da crise exige recursos extraordinários que devem também vir da redução da “taxa de malfeitos” em todas as instâncias de governo.
No que se refere à reforma política (pacto n. 2), a ideia de plebiscito objetiva ganhar tempo. É uma forma de adiar decisões que contrariem os interesses dos grupos dirigentes e dos setores dominantes. Vale notar que a proposta da OAB é a única sensata: representações da sociedade civil discutem e elaboram um projeto, que recolhe apoio na própria sociedade (assinaturas) e é enviado para o Congresso sancionar. Ou seja, o Executivo fica de fora, enquanto o Legislativo somente aprova; o que é a única forma de enfrentar a crise de legitimidade do Estado.
A proposta de contratação de médicos estrangeiros (pacto n. 3) mostra como a inoperância pode chegar ao ponto do ridículo-trágico. Se esta proposta vingar, teremos médicos bolivianos trabalhando em hospitais no padrão haitiano (com deficiência de equipamentos, remédios, enfermeiros, técnicos, administradores, superfaturamento nas compras governamentais etc.), ou seja, degradação ainda maior da área da saúde. Há, ainda, a proposta inócua de aumento das penas por corrupção. O Brasil tem um sistema penal profundamente antidemocrático em que rico não é preso. Que diferença faz penas de prisão de 1 ano ou 30 anos para ricos que sabem que não serão presos? Esta medida desmoralizará ainda mais as instituições e, em algum momento, provocará mais indignação e revolta.
Os pactos n. 4 e 5 envolvem promessas de maiores investimentos em transporte e educação que, como parte da estratégia governamental, envolvem promessas que não serão cumpridas. Na realidade, estes pactos reproduzem a prática de dois governos petistas que executaram menos da metade dos recursos comprometidos com a área social.
O fato relevante é que a estratégia dos grupos dirigentes para enfrentar a crise é a da “maré baixa”, ou seja, eles precisam cometer o mínimo de erros e ganhar tempo. Na tradição secular brasileira os grupos dirigentes, frente à pressão popular, usam o seguinte método: 1) cooptação de lideranças (verbas e cargos públicos); 2) concessões marginais e pontuais para a população; 3) reforminhas políticas e eleitorais inócuas; 4) promessas que não serão cumpridas; e 5) repressão. A divisão de trabalho no poder Executivo é a seguinte: a instância municipal foca nas concessões marginais e pontuais; a instância estadual se concentra na repressão violenta; a instância federal encaminha reforminhas inócuas e, com a escalada da crise, entra com a repressão ainda mais violenta; e as três instâncias dividem as tarefas de cooptar lideranças e comprometer-se com promessas que não serão cumpridas. Este processo se repete na crise atual.
IHU On-Line – Quais são as principais reformas orientadas para as mudanças estruturais?
Reinaldo Gonçalves – É necessário ir além das propostas genéricas ou consensuais de maior investimento em educação, saúde e infraestrutura urbana. É preciso ir além das propostas focadas nas funções do Estado: estabilização, regulação, alocação e distribuição. Se, por um lado, é verdade que na atualidade estas funções são distorcidas, enviesadas e ineficazes, por outro, é ainda mais verdadeiro afirmar que há questões vinculadas à estrutura de poder que precisam ser mudadas. O desafio histórico-político é romper o pacto atual entre os grupos dirigentes e os setores dominantes.
Sistema penal
A primeira reforma atinge o antidemocrático sistema penal brasileiro que se caracteriza, entre outras anomalias, pelo fato de que, com raras exceções que confirmam a regra, os ricos não são presos no Brasil. Dirigentes e políticos corruptos, bem como empresários corruptores, também se beneficiam da impunidade. É um verdadeiro atraso, uma aberração institucional que é absolutamente antidemocrática e está vigente e pujante no Brasil no século XXI. País desenvolvido é país em que rico vai para a cadeia. O Brasil só iniciará, efetivamente, o caminho na direção da democracia e do desenvolvimento quando os criminosos ricos forem condenados e cumprirem suas sentenças de prisão. Os 8 ou 9 anos de processo do mensalão não expressam a força da institucionalidade democrática; muito pelo contrário, este processo revela um dos lados profundamente antidemocráticos da realidade brasileira.
Abuso do poder econômico
A segunda reforma trata do combate ao abuso de poder econômico que gera ineficiência, concentração de renda, humilhação e sofrimento para a população. No Brasil há limbo jurídico e institucional que impede a efetiva fiscalização das práticas de abuso do poder econômico por parte dos bancos. Ademais, estas práticas não se restringem aos bancos. A lista das empresas mais acionáveis nos juizados especiais cíveis em processos de defesa do consumidor inclui além, naturalmente dos bancos, as empresas de serviços de utilidade pública. E a impunidade não é somente privilégio dos ricos como pessoas físicas. A institucionalidade regulatória brasileira é frágil. No período 2008-2010 somente 4,7% das multas aplicadas pelas agências reguladoras no Brasil foram efetivamente pagas.
Sistema tributário-fiscal
A terceira reforma estrutural abarca o sistema tributário-fiscal. Inúmeras medidas devem ser tomadas: 1) mudar a estrutura tributária, de regressiva para progressiva; a modificação substantiva do sistema de alíquotas é fundamental, de forma que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos do que a classe média e os pobres. É inadmissível que sobre os rendimentos do trabalho da classe média incida a mesma alíquota que incide sobre os rendimentos do trabalho dos ricos. É necessária a desoneração tributária que incide diretamente sobre a renda dos pobres e da classe média; 2) eliminar boa parte das medidas de desoneração, seja da folha de pagamento seja a redução de IPI, principalmente dos setores de bens de consumo duráveis (automóveis, linha branca etc.) e dos setores em que há baixa concorrência (produtos intermediários); 3) fazer com que a tributação sobre os rendimentos do capital seja maior do que a tributação sobre os rendimentos do trabalho; 4) maior taxação do estoque de riqueza dos ricos (grandes propriedades de ativos reais e financeiros superiores, digamos, a R$ 10 milhões); 5) eliminar subsídios em financiamentos para projetos de investimento de grandes empresas e grupos econômicos; 6) aumento da tributação sobre a entrada e a saída de capitais do país, inclusive sobre remessas das rendas (lucros e juros) destes capitais; 7) acabar com o financiamento com recursos públicos para empresas estrangeiras que operam no país; e 8) reduzir financiamento e aumentar a tributação do setor primário, com impostos específicos sobre exportação.
Financiamento de campanha
A quarta proposta refere-se à questão do financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais. As relações entre, de um lado, dirigentes partidários e políticos e, de outro, agentes privados, principalmente, dos setores dominantes (empreiteiras, bancos e setor primário-exportador) abarcam diferentes mecanismos: compras governamentais, financiamento dos bancos públicos, concessão, regulação, tráfico de influência etc. A efetiva democratização do sistema penal brasileiro reduziria significativamente os ilícitos praticados. Entretanto, há outro mecanismo que cria fortes laços entre homens públicos e agentes privados, que é o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Estes laços podem gerar relações de sujeição dos homens públicos. A situação agrava-se com o famigerado saldo do “caixa 2” de campanhas eleitorais, que acaba por desembocar nos bolsos de dirigentes partidários, políticos etc.
IHU On-Line – Quais são as perspectivas?
Reinaldo Gonçalves – O Modelo Liberal Periférico tem tido fraco desempenho pelos padrões históricos brasileiros e pelos atuais padrões internacionais, inclusive durante os governos Lula e Dilma. E, como resultado do MLP, o país está em trajetória de Desenvolvimento às Avessas. Se continuarmos com este modelo e nesta trajetória, a poucos anos do bicentenário da independência o país faz viagem rumo ao passado. Os governos petistas são os principais responsáveis, visto que o Brasil Invertebrado, o Brasil Negativado e o transformismo do PT agravam a crise sistêmica.
O Brasil entranha-se em trajetória de fraco desempenho econômico, com recorrentes momentos de instabilidade e crise, e embrenha-se em nuvens cinzentas que turvam o caminho do desenvolvimento social, político, ético e institucional em função dos problemas estruturais que não são enfrentados. A “maré baixa” da revolta popular não mudará a trajetória de instabilidade porque os problemas estruturais permanecerão.
Os fatos fundamentais são evidentes: problemas estruturais (econômicos, sociais, éticos, políticos e institucionais), déficit de lideranças e organizações, déficits de governança e de governabilidade, e crise institucional. Enfim, crise sistêmica. Não há registro de manifestações significativas contra o atual modelo de desenvolvimento. Não há indícios de propostas de reformas efetivamente estruturantes de um novo modelo. Ademais, a estratégia de “maré baixa” dos grupos dirigentes e dos setores dominantes é clara e, para isso, a tática é evidente: cooptação, concessões pontuais, conciliação, reforminhas políticas e institucionais, promessas não cumpridas e repressão violenta. Nesse contexto, a probabilidade de que as revoltas populares atuais causem mudanças estruturais é pequena.
Repetição do drama histórico
A trajetória futura é de instabilidade pelas seguintes razões: 1) a crise tem raízes estruturais; 2) a crise é sistêmica; 3) não é do interesse dos grupos dirigentes e dos setores dominantes realizar mudanças estruturais; e 4) no movimento popular não há convergência de entendimentos sobre as causas e responsabilidades da crise, nem sobre propostas de luta política.
O mais provável é a repetição do nosso conhecido drama histórico: êxito no curto prazo da estratégia de “maré baixa” dos grupos dirigentes e dos setores dominantes, que contam com a perda de fôlego, exaustão e fadiga dos manifestantes. Infelizmente, é mínima a probabilidade de mudanças efetivas nas estruturas de poder e riqueza e, portanto, resta a persistência do Modelo Liberal Periférico e do Desenvolvimento às Avessas na trajetória de instabilidade e crise.
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