O Estado de S. Paulo, 15/7/2013
JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO: 'Os cabeças e a manada'
"Não
adiantou a classe média inalar gás lacrimogêneo nem chorar lágrimas de
spray de pimenta. A reforma política foi abortada pelo Congresso. De
novo. Ato reflexo, a impopularidade de deputados e senadores voa mais
alto do que jatinho da FAB. Chega a ser injusto com os congressistas.
Nem tudo é culpa deles.
O que são algumas centenas de
assessores parlamentares em Brasília comparadas aos 508 mil funcionários
sem concurso que os prefeitos, cada vez mais, nomeiam Brasil afora? Se
morassem todos no mesmo lugar, formariam a 39ª maior cidade brasileira.
Não há avião ou estádio da Copa que abrigue todos eles. Mais de meio
milhão de servidores unidos a um contracheque mensal exclusivamente pela
caneta do prefeito. Quanto custa isso?
Só como exercício,
multipliquemos os 508 mil sem-concurso pelo valor do rendimento médio
dos servidores municipais, apurado pela Receita Federal. Se você é
cardíaco, talvez prefira não saber o resultado: R$ 1,6 bilhão por mês,
ou R$ 20 bi por ano.
Não é à toa que os prefeitos marcharam
sobre Brasília e vaiaram Dilma Rousseff quando ela anunciou que
repassaria R$ 3 bilhões a mais para eles. Com uma conta sete vezes maior
para pagar só de cabides, tinham mais é que vaiar a presidente por sua
avareza.
Se o cabide de empregos municipal chegou a esse
tamanho e cresce sete vezes mais rápido que a população brasileira, a
culpa -dizem – não é dos prefeitos. É de Dilma. Sim, é tudo culpa do
governo federal – como explica o porta-voz da categoria:
“Há
uma transferência constante de atribuições da União para os municípios.
No momento em que você assume atribuições, você cria necessidades de
coordenadorias. Não dá para colocar uma manada na mesma hierarquia sem
ninguém comandar, tem que ter cabeça”.
A “manada” a que ele se
refere deve ser a dos outros 5,5 milhões de servidores municipais, os
concursados – aqueles que ganharam direito ao contracheque porque
passaram em um processo seletivo e fazem carreira servindo o público.
São eles que precisariam de “cabeça”, ou seja, dos 508 mil nomeados sem
concurso.
Obviamente os prefeitos não podem depender de
concursados para atender suas vontades. Precisam de alguém de confiança,
um correligionário, um amigo ou, melhor ainda, um parente. E como o
governo federal teima em mandar cada vez mais atribuições (e verbas)
para os municípios, mais correligionários, amigos e parentes se fazem
necessários para comandar a “manada”.
É tão lógico que parece
verdade. A explicação seria perfeita, não fossem os números. A proporção
de funcionários sem concurso (os “cabeças”) em relação ao total de
servidores municipais (a “manada”) varia de 0% a 77%. Sim, 47 municípios
brasileiros declararam ao IBGE não ter nenhum “cabeça” em seus quadros.
Essas cidades parecem exceção, mas não são. Em uma de cada cinco
prefeituras, a taxa de funcionários sem concurso não chega a 5%. E em
três de cada cinco, a proporção é inferior a 10%. A exceção está na
outra ponta. Só 17 cidades têm mais da metade de funcionários municipais
sem concurso (11 delas ficam em Goiás). Em só 2% dos municípios a falta
de concurso supera um terço do funcionalismo.
Os números
mostram que uma grande parte dos municípios brasileiros consegue dar
conta de suas velhas e novas atribuições sem criar um bicho de sete
cabeças – nem provocar o estouro da manada. O mais provável é que a
explicação para o inchaço das máquinas municipais onde abundam
funcionários sem concurso seja política, e não administrativa.
A
multiplicação dos pequenos municípios atende aos interesses partidários
de criação de novas estruturas burocráticas, de mais cargos de
confiança sem concurso, de mais vagas de vereador. Um pequeno novo
município faz pouca diferença no total do gasto público. Mas muitos
deles fazem toda a diferença".
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