Mercados e capitalismo
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16 Jul 2013
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Antônio Delfim Netto
Vivemos
momentos emocionantes. Desde 1848, pelo menos uma meia dúzia de vezes,
cérebros peregrinos iluminados afirmaram que a "revolução" estava nas
ruas: o socialismo libertador esperava atrás da esquina. Os movimentos
das ruas no mundo, inclusive no Brasil, demonstrariam que agora vai.
Teria chegado, afinal, o fim do alienante capitalismo, que produziu toda
a miséria humana, como é visível pela piora do bem-estar do mundo desde
o século XVIII... Já se anuncia, outra vez, a inevitabilidade do
"socialismo", seja lá o que isso for.
O
abuso das generosas ideias de Karl Marx ajudaram a dar credibilidade ao
chamado "socialismo real" de Lênin e Stalin. Marx, um libertário,
seguramente o consideraria nada menos do que abjeto: uma "igualdade"
construída pela eliminação da liberdade individual que pretendia criar o
"homem novo", apoiado no mais ineficiente aparato produtivo, que
refletia as preferências do poder totalitário. Setenta anos depois de
tentativas frustradas de aperfeiçoamento interno e do uso inaudito da
força bruta, o sistema revelou-se dos mais poluidores e corruptos de
quantos já frequentaram a história. Sem saída, suicidou-se!
Além
da coordenação pelos "mercados", os homens não descobriram outro
mecanismo que permita melhor acomodação relativa das demandas
contraditórias que procuram na organização da sociedade. Há 150 mil
anos, eles buscam uma forma de organização social na qual possam
construir sua humanidade: 1) liberdade para escolher livremente a sua
atividade e explorar os seus talentos; 2) sendo um animal gregário e
territorial, sente-se melhor com uma relativa igualdade dentro do seu
clã; e 3) para "humanizar-se", precisa de tempo livre para reflexão, o
que exige um eficiente sistema de produção da sua subsistência material.
Esse não é um fim em si mesmo: é a possibilidade civilizatória
implícita na liberdade de escolha e na relativa igualdade, porque "não é
o tempo de trabalho, mas o tempo disponível que mede a riqueza" (Marx,
K. - "Grundrisse", Ed. Anthropus, Paris, T.2 (1968):226).
Na
Suméria, os mercados já eram uma forma de coordenar pequena liberdade
individual com o atendimento das demandas da sociedade, que Adam Smith
teorizou 50 séculos depois!
O
problema é que os três objetivos - liberdade, igualdade e eficiência
produtiva - não são inteiramente compatíveis. Liberdade e igualdade
costumam brigar entre si: os homens são, naturalmente, dotados de
talentos diferentes. Liberdade e igualdade acomodam-se mal na hierarquia
de um sistema produtivo eficiente. A história mostra que um processo de
seleção quase natural tem levado a uma aproximação assintótica dos três
objetivos pelo sufrágio universal, pelo uso cada vez mais inteligente
dos "mercados", e pela apropriação dos benefícios da ciência e da
tecnologia.
A
organização da atividade econômica através de mercados cada vez mais
eficientes não se confunde com o capitalismo, que é a supremacia das
finanças sobre a atividade produtiva. Um artigo publicado no "The
Economic Journal" (Sept. 1928), pelo grande Joseph Schumpeter, então na
Universidade de Bonn, "The Instability of Capitalism", era leitura
obrigatória na disciplina de sistemas econômicos comparados da FEA-USP,
no fim dos anos 40 do século passado. Nele ensina, com sua adorável
afetação: "Temos de definir o que significa nosso sistema econômico. Ele
é caracterizado pela propriedade privada, pela produção para o mercado e
pelo fenômeno do crédito. Este último é a "differentia specífica" que
distingue o sistema "capitalista" das outras espécies históricas, ou
possíveis, que pertencem ao gênero definido pelas duas primeiras
características".
A
evolução quase natural para a organização social, que vai acomodando o
atendimento aos três objetivos não inteiramente conciliáveis, tem sido
acelerada pelo jogo continuado entre os resultados da urna, comandados
pelo sufrágio universal, e o funcionamento dos mercados, aperfeiçoado
pelos conhecimentos desenvolvidos no avanço da economia.
Há
limites físicos insuperáveis na aceleração desse movimento. O gráfico
abaixo revela o processo de desenvolvimento econômico descarnado de toda
sua complexidade. Da população extrai-se a população economicamente
ativa (L), que opera o estoque de capital (K) da economia: ambos
dependem do suprimento de energia.
A
produtividade do conjunto depende da relação K/L, ou seja, do capital
associado a cada unidade da mão de obra. A combinação produz o PIB, que
pode ser ou consumido ou investido para reforçar a qualidade da
população com educação e saúde e o estoque de capital. Se para ampliar o
consumo, o estoque de capital cresce menos do que a mão de obra, o
sistema perde produtividade e o crescimento murcha. Não há mágica que
supere essa restrição física. Podemos apenas tentar violá-la com o risco
de perder o crescimento e a democracia.
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terça-feira, 16 de julho de 2013
Risco de perder a democracia
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