Marcha contra a ditadura
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24 Jul 2013
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Paulo Rabello de Castro
O
Brasil foi às ruas e marchou contra a ditadura. A afirmação parece
estranha, sem sentido. Na ditadura não há passeatas. Ou seriam
reprimidas. Mas nem sempre. Toda manifestação coletiva é como um rio
caudaloso que tenta romper a parede de contenção da ordem estabelecida.
As atuais manifestações sociais, antes de representarem perigo para
nossa incipiente democracia, são a força que rompe uma barreira
opressora e desentope canais de participação democrática dos cidadãos na
vida da Nação. A pergunta é; contra que opressão o povo se levanta,
afinal, se não é pelo direito ao voto, este já garantido e com até
elevada frequência bienal?
Ao
marchar contra as sedes e os palácios de governos, em Brasília e em
várias capitais, até mesmo contra prefeituras, deixando intactas as
sedes de empresas, fábricas e templos, fica muito claro que a raiva do
povo está concentrada em algo contido no trajeto entre o que o cidadão
paga pelo funcionamento do País e o que recebe de volta em serviços do
Estado, diretos ou concedidos.
País
vive na ditadura econômica do Estado e seu braço operacional é o
sistema tributário e fiscal. Por ser complexa e abusiva, a tributação e o
desperdício a ela associado se tomaram sucedâneos do autoritarismo
político, ainda que camuflado pela legalidade formal das medidas
provisórias (MPs), de regulamentos e circulares. Prova disso é o
reconhecimento da presidente Dilma Rousseff e do seu ministro da
Fazenda, ao combaterem a tributação absurda, por meio de desonerações
pontuais das tarifas de energia, dos preços das passagens de ônibus e
metrôs, dos alimentos, etc. Vários governadores têm tido a mesma
sensibilidade. Mas isso não lhes garantirá sono tranquilo. As
desonerações pontuais não estabelecem um novo pacto social. É preciso
dar o passo decisivo, alterar a Constituição no seu capítulo tributário,
simplificando radicalmente o manicômio tributário em que se converteu o
sistema atual. A reforma "fatiada" dos impostos fracassou sem ter, de
fato, ao menos começado. E, por óbvio, a gestão fiscal das despesas
públicas é uma tragédia completa. Ai esta o nó da questão social.
Quando
o cidadão toma um ônibus mal percebe que está embarcando numa coletoria
móvel de impostos e taxas. As três esferas de governo e várias
autarquias se juntam para extorquir o passageiro. Ele não desconfia que
um terço do preço da passagem é tributo. A margem de lucro das
concessionárias é bem menor. Vamos em frente. Descendo do ônibus, ele
entra num supermercado. Outra coletoria pública o aguarda lá dentro. Vai
pondo artigos de consumo no carrinho. Algo como 35% dessa compra é puro
imposto. O cidadão entra em casa.
Vai
cozinhar. Liga a luz, abre o gás, usa a água: mais coletorias de
impostos são acionadas dentro da casa do coitado, disfarçadas de
serviços públicos. Para enfrentar toda essa agressão tributária na vida
diária o cidadão tem de trabalhar. Se for assalariado, pagará caro por
isso.
Além
do Imposto de Renda na fonte, sofrerá uma extração previdenciária
estupidamente elevada. A poupança compulsória do FGTS é mal remunerada
pelo governo. Pior. São contribuições que o cidadão faz sem lastro em
investimentos para um futuro melhor.
Meditemos.
O caráter de exploração desmedida do poder público no manicômio
tributário desdobra-se em cada movimento diário do cidadão, no
transporte, na casa, no trabalho, na escola, no entretenimento, até
quando ele dorme. E atinge o futuro das pessoas, pela extração forçada
das poupanças populares sem o lastro adequado para sua reposição no
futuro. A má gestão fiscal dos recursos tributários, quando estes se
transformam em despesa pública, é diretamente questionada pelo clamor
das ruas. O povo quer saber por que tantos bilhões vertidos para
educação, saúde e transporte viram pó antes de chegarem ao suposto
beneficiário do serviço. Onde foi parar tanto dinheiro? A gestão fiscal
do Estado brasileiro não tem respondido a uma pergunta central: por que o
Congresso Nacional tem elevado tão agressivamente os impostos extraídos
da população desde o Plano Real, se os serviços públicos vêm recuando
em quantidade e qualidade? Qual o benefício prático de pagarmos cada vez
mais? E quem cobra eficiência na gestão do dinheiro arrecadado?
O
Congresso não vota, desde o ano 2000, a regulamentação do mais
importante artigo da famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, o artigo 67,
que prevê, de modo brilhante e moderno, uma sintética resposta a boa
parte das demandas dos manifestantes das passeatas. O artigo 67
estabelece um Conselho de Gestão Fiscal, de formação paritária entre
governo e representação técnica de órgãos da sociedade civil. Uma vez
formado, o Conselho de Gestão coibiria o mau planejamento dos gastos
públicos, aumentando a eficiência no gasto de cada real, antes do
dispêndio. Não é sonho. A solução está lá. Por que Dilma ainda não pôs o
artigo 67 na rua, enquanto cria programas avulsos, como o de importação
de médicos?
Políticos
existem na democracia para encaminhar avanços sobre os grandes pactos
sociais estabelecidos. Ditaduras, contrariamente, não pactuam nada.
Apenas impõem seu dikiat. Por isso mesmo precisam ser enfrentadas,
contestadas e expurgadas. Ditaduras tributárias, como a brasileira, não
são menos danosas do que ditaduras políticas. São apenas diferentes,
porque mais dissimuladas, e, sendo assim, costumam durar mais tempo,
escondidas, sem oposição.
A
presente ditadura tributária está sendo contestada pela população.
Temos a obrigação moral de fazer o clamor das ruas avançar e virar um
debate transformador. É estimulante constatar que o País não é
desmiolado nem invertebrado. Se o governo não quiser naufragar, deveria
tentar os avanços definitivos, não os remendos.
Economista, é coordenador do movimento Brasil Eficiente.
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quarta-feira, 24 de julho de 2013
Marcha contra a ditadura
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