quinta-feira, 11 de julho de 2013

Wallerstein: "não é só o governo que se encontra ameaçado, mas em certa medida, o Estado como Estado"

REVOLTAS AQUI, ALI E EM TODO LUGAR
POR IMMANUEL WALLERSTEIN
Comentário n.º 356, 1 de julho de 2013

A atual e persistente revolta na Turquia foi seguida por uma revolta ainda maior no Brasil que, por sua vez, foi seguida por uma revolta não tão noticiada, mas não menos real, que aconteceu na Bulgária. É claro que essas revoltas não foram as primeiras, mas somente as últimas de uma série realmente mundial ocorrida nos últimos anos. Há muitas maneiras de analisar este fenômeno. Considero tais revoltas como o processo contínuo do que começou como a revolução-mundo de 1968.
De fato, cada revolta é única em seus detalhes e na relação interna de forças presentes em cada país. Mas há certas semelhanças que devem ser observadas quando o objetivo é compreender o sentido do que está acontecendo e decidir sobre o que nós todos, como indivíduos e como grupos, deveremos fazer.
A primeira característica comum é que todas as revoltas tendem a começar numa escala muito pequena – umas poucas pessoas corajosas, que se reúnem para se manifestar sobre algo. E então, se têm sucesso, o que é altamente imprevisível, atingem uma escala imensa. De repente, não é só o governo que se encontra ameaçado, mas, em certa medida, o Estado como Estado. Essas revoltas são uma combinação dos que clamam para o governo ser substituído por um melhor e dos que questionam a própria legitimidade do Estado. Ambos os grupos invocam os temas da democracia e dos direitos humanos, embora as definições dadas a estes dois termos apresentem muitas variações. Em geral, a tonalidade dessas revoltas começa no lado esquerdo da arena política.
Os governos no poder reagem, evidentemente. Tentam ou reprimir o levante ou apaziguá-lo por meio de algumas concessões ou tentam os dois procedimentos. A repressão geralmente funciona, porém às vezes é contraproducente para o governo que se encontra no poder, trazendo ainda mais pessoas para as ruas. As concessões geralmente funcionam, mas às vezes são contraproducentes para o governo, fazendo com que as pessoas nas ruas aumentem suas exigências. De modo geral, os governos tentam a repressão mais que as concessões. E, de modo geral, a repressão tende a funcionar num prazo relativamente curto.
A segunda característica comum dessas revoltas é que nenhuma delas conseguirá se manter em alta velocidade por muito tempo. Os manifestantes cedem a medidas repressivas. Ou eles são cooptados pelo governo de alguma forma. Ou eles ficam cansados do enorme esforço exigido pelas manifestações contínuas. Este enfraquecimento dos protestos ostensivos é absolutamente normal. Não indica o fracasso dos protestos.
Esta é a terceira característica comum das revoltas. Embora elas cheguem a seu término, deixam um legado. Mudaram alguma coisa na política do país e quase sempre essas mudanças são para melhor. Colocaram alguma questão importante, como a da desigualdade, por exemplo, na agenda pública. Ou aumentaram o sentimento da dignidade das camadas mais baixas da população. Ou aumentaram o ceticismo sobre a verbosidade que os governos tendem a usar para mascarar suas políticas.
A quarta característica comum é que, em cada levante, muitos que se juntam a ele, especialmente quando se juntam mais tarde, não o fazem para promover os objetivos iniciais, mas para pervertê-los ou para trazer grupos de poder político de direita que são diferentes dos que estão atualmente no poder, mas que não são, de modo algum, mais democráticos ou zelosos dos direitos humanos.
A quinta característica comum é que todos eles estão envolvidos num malabarismo geopolítico. Os governos poderosos que se encontram fora do país em que o tumulto está ocorrendo trabalham muito, mesmo sem êxito às vezes, no sentido de ajudar os grupos favoráveis aos interesses fora do governo no seu acesso ao poder. Isso acontece com tanta frequência que, até agora, uma das questões imediatas sobre uma revolta em particular é sempre, ou deveria sempre ser, quais serão suas consequências em termos do sistema-mundo como um todo. Isso é muito difícil, na medida em que potenciais consequências geopolíticas podem fazer com que se queira caminhar em direção oposta à direção antiautoritária inicial.
Finalmente, devemos lembrar que estamos aqui, bem como em tudo o que está acontecendo atualmente, no meio de uma transição estrutural que parte de uma enfraquecida economia-mundo capitalista em direção a um novo tipo de sistema. Mas esse novo tipo de sistema poderá ser melhor ou pior. Esta é a verdadeira batalha dos próximos 20-40 anos e a forma como nos comportaremos aqui, ali, e em todo lugar deve ser decidida em função desta fundamental e importante batalha política mundial.
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Tradução: Tereza Marques de Oliveira Lima

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