REVOLTAS AQUI, ALI E EM TODO LUGAR
POR IMMANUEL WALLERSTEIN
Comentário n.º 356, 1 de julho de 2013
A atual e persistente revolta na Turquia
foi seguida por uma revolta ainda maior no Brasil que, por sua vez, foi
seguida por uma revolta não tão noticiada, mas não menos real, que
aconteceu na Bulgária. É claro que essas revoltas não foram as
primeiras, mas somente as últimas de uma série realmente mundial
ocorrida nos últimos anos. Há muitas maneiras de analisar este fenômeno.
Considero tais revoltas como o processo contínuo do que começou como a
revolução-mundo de 1968.
De fato, cada revolta é única em seus
detalhes e na relação interna de forças presentes em cada país. Mas há
certas semelhanças que devem ser observadas quando o objetivo é
compreender o sentido do que está acontecendo e decidir sobre o que nós
todos, como indivíduos e como grupos, deveremos fazer.
A primeira característica comum é que
todas as revoltas tendem a começar numa escala muito pequena – umas
poucas pessoas corajosas, que se reúnem para se manifestar sobre algo. E
então, se têm sucesso, o que é altamente imprevisível, atingem uma
escala imensa. De repente, não é só o governo que se encontra ameaçado,
mas, em certa medida, o Estado como Estado. Essas revoltas são uma
combinação dos que clamam para o governo ser substituído por um melhor e
dos que questionam a própria legitimidade do Estado. Ambos os grupos
invocam os temas da democracia e dos direitos humanos, embora as
definições dadas a estes dois termos apresentem muitas variações. Em
geral, a tonalidade dessas revoltas começa no lado esquerdo da arena
política.
Os governos no poder reagem,
evidentemente. Tentam ou reprimir o levante ou apaziguá-lo por meio de
algumas concessões ou tentam os dois procedimentos. A repressão
geralmente funciona, porém às vezes é contraproducente para o governo
que se encontra no poder, trazendo ainda mais pessoas para as ruas. As
concessões geralmente funcionam, mas às vezes são contraproducentes para
o governo, fazendo com que as pessoas nas ruas aumentem suas
exigências. De modo geral, os governos tentam a repressão mais que as
concessões. E, de modo geral, a repressão tende a funcionar num prazo
relativamente curto.
A segunda característica comum dessas
revoltas é que nenhuma delas conseguirá se manter em alta velocidade por
muito tempo. Os manifestantes cedem a medidas repressivas. Ou eles são
cooptados pelo governo de alguma forma. Ou eles ficam cansados do enorme
esforço exigido pelas manifestações contínuas. Este enfraquecimento dos
protestos ostensivos é absolutamente normal. Não indica o fracasso dos
protestos.
Esta é a terceira característica comum
das revoltas. Embora elas cheguem a seu término, deixam um legado.
Mudaram alguma coisa na política do país e quase sempre essas mudanças
são para melhor. Colocaram alguma questão importante, como a da
desigualdade, por exemplo, na agenda pública. Ou aumentaram o sentimento
da dignidade das camadas mais baixas da população. Ou aumentaram o
ceticismo sobre a verbosidade que os governos tendem a usar para
mascarar suas políticas.
A quarta característica comum é que, em
cada levante, muitos que se juntam a ele, especialmente quando se juntam
mais tarde, não o fazem para promover os objetivos iniciais, mas para
pervertê-los ou para trazer grupos de poder político de direita que são
diferentes dos que estão atualmente no poder, mas que não são, de modo
algum, mais democráticos ou zelosos dos direitos humanos.
A quinta característica comum é que
todos eles estão envolvidos num malabarismo geopolítico. Os governos
poderosos que se encontram fora do país em que o tumulto está ocorrendo
trabalham muito, mesmo sem êxito às vezes, no sentido de ajudar os
grupos favoráveis aos interesses fora do governo no seu acesso ao poder.
Isso acontece com tanta frequência que, até agora, uma das questões
imediatas sobre uma revolta em particular é sempre, ou deveria sempre
ser, quais serão suas consequências em termos do sistema-mundo como um
todo. Isso é muito difícil, na medida em que potenciais consequências
geopolíticas podem fazer com que se queira caminhar em direção oposta à
direção antiautoritária inicial.
Finalmente, devemos lembrar que estamos
aqui, bem como em tudo o que está acontecendo atualmente, no meio de uma
transição estrutural que parte de uma enfraquecida economia-mundo
capitalista em direção a um novo tipo de sistema. Mas esse novo tipo de
sistema poderá ser melhor ou pior. Esta é a verdadeira batalha dos
próximos 20-40 anos e a forma como nos comportaremos aqui, ali, e em
todo lugar deve ser decidida em função desta fundamental e importante
batalha política mundial.
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Tradução: Tereza Marques de Oliveira Lima
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