[Curioso, as polícias seguem o manual elaborado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública cuja titula foi indicada pela Presidente Dilma. É isto o que a ministra intitula de 'fortalecimento das instituições'? Por que há o Ministério da Pesca mas não há o Ministério da Segurança Pública com todo respeito aos nossos peixes....]
CartaCapital/Sociedade | Entrevista: Ministra Maria do Rosário
“Manuais da ditadura estão vigentes”, diz Maria do Rosário'
'Segundo ministra de Direitos Humanos, taxa de homicídio e
superpopulação carcerária constituem as maiores violações no País'. (por
Marsílea Gombata — CartaCapital — publicado 19/07/2013 09:03, última
modificação 19/07/2013 16:07).
"As manifestações que mexeram
com o País em junho expuseram não apenas o caráter repressor da Polícia
Militar, mas também o potencial da instituição de ampliar a violência,
em vez de enfrentá-la. O alerta é de Maria do Rosário (PT), ministra da
Secretaria de Direitos Humanos. “É extremamente preocupante que as
polícias continuem abordando a juventude de forma violenta, sempre como
suspeitos, revelando que os manuais de inquérito e abordagem do período
da ditadura continuam vigentes”, afirmou em entrevista a CartaCapital ao
sublinhar que a “segurança pública é um direito humano”.
Deputada federal pelo Rio Grande do Sul antes de assumir a secretaria no
início do governo Dilma, Maria do Rosário diz que, apesar de o governo
petista ter enfrentado a pobreza extrema e promovido a mobilidade
social, o Brasil ainda não colheu bons resultados na diminuição no
número de mortes por causas violentas. “Isso significa que a mortalidade
por causas violentas não está unicamente vinculada à dimensão social e
econômica, mas à capacidade de produzir uma cultura de valorização da
vida e da juventude, e o país está fazendo um caminho na contramão.”
Apesar de afirmar que o governo nunca deixou de lado o trabalho com os
movimentos sociais e a inserção dos direitos humanos na agenda de
combate à pobreza, a ministra reconhece que a aproximação da presidenta
Dilma Rousseff com os tais movimentos se intensificou nas últimas
semanas, em resposta à pressão e às reivindicações das ruas. “O contato
direto com setores da sociedade organizados e também com os não
organizados é responsabilidade de um governo", disse.
Na manhã
desta quinta-feira 18, a ministra lembrou ainda, na conferência 2003 –
2013: Uma Nova Política Externa, na Universidade Federal do ABC, que os
índices de homicídio no Brasil (27,4 para cada 100 mil habitantes)
configuram, ao lado da superpopulação de 550 mil encarcerados as mais
graves violações de direitos humanos que hoje “envergonham” o País.
Confira os principais trechos da entrevista.
CartaCapital – Depois dos protestos, o governo está se reaproximando de
movimentos sociais. A presidenta se encontrou mais com eles neste
último mês do que nos últimos dois anos. Isso significa mais direitos
humanos na pauta do governo?
Maria do Rosário – Na agenda do
governo, os temas referentes aos direitos humanos sempre estiveram
presentes, porque a presidenta Dilma considera que os temas referentes à
superação da pobreza extrema e inclusão social estão no escopo mais
amplo dos direitos humanos de caráter econômico, social e cultural.
Então, efetivamente, esses temas nunca saíram da pauta para a
presidenta. O exemplo disso é a própria Comissão da Verdade, a Lei de
Acesso à Informação, o fato de ela ter enviado ao Congresso Nacional o
Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que foi aprovado nesta
semana. Há uma série de agendas em curso no País.
Mas é
verdadeiro que o governo articulou suas políticas no último período em
um contato com a sociedade na estrutura de conferência, nos conselhos. E
essas manifestações demonstram que essas estruturas são importantes,
mas não podem ser exclusivas na relação dos governos com a sociedade. As
estruturas de participação direta que foram constituídas em 1988, os
conselhos e, posteriormente, os processos de conferência, se demonstram
importantes, mas não devem ser exclusivos. E esse contato direto da
presidenta foi efetivamente intensificado a partir das manifestações,
como um atendimento às reivindicações e reclames das ruas.
CC – A senhora diz “exclusivo” no sentido de serem suficientes?
MR – A democracia é algo que permanentemente precisa se renovar em
métodos e do ponto de vista das tecnologias de participação. E o País
respondeu à questão democrática com a Constituição de 1988 combinando a
democracia representativa, o fortalecimento das instituições e a
democracia direta, reconhecendo a existência desses conselhos de
direitos. Mas eles também vivenciam um período que precisam de
renovação, se atualizar. E eles são representativos na sociedade, mas,
sem dúvida, o contato direto com outros setores da sociedade,
organizados e não organizados, é responsabilidade de um governo.
CC – Os recentes protestos, em especial em São Paulo, trouxeram à tona
novamente a repressão policial, da qual a classe média foi vítima e os
mais pobres estão sujeitos todos os dias. Isso retomou o debate sobre a
desmilitarização da polícia. Como a senhora vê esse debate?
MR –
Do ponto de vista dos direitos humanos, o tema das polícias é essencial
para o Brasil, porque diz respeito à capacidade que nós temos de
superar as marcas da violência que o País vive de forma brutal. O mapa
da violência, na sua versão mais recente, indica que somos o sétimo
colocado do mundo em casos de homicídio. Para cada 100 mil habitantes,
27,4 são vítimas de homicídio. E o número salta para 54,8 quando se
trata de adolescentes e jovens entre 14 e 25 anos. Fizemos um
enfrentamento importantíssimo da pobreza no último período, mas ao mesmo
tempo em que reduzimos os índices de pessoas vivendo na situação de
pobreza extrema e produzirmos uma mobilidade social importante no País,
não colhemos frutos positivos na diminuição no número de mortes por
causas violentas no Brasil. Isso significa que a mortalidade por causas
violentas não está associada exclusivamente à superação da pobreza. Não
está unicamente vinculada à dimensão social e econômica, está vinculada à
capacidade de produzir uma cultura de valorização da vida, de
valorização da juventude, e o País está fazendo um caminho na contramão.
São extremamente preocupantes as manifestações que indicam, por
exemplo, a descaracterização do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e a tentativa de responsabilização, com base no Código Penal, e
prisão dos adolescentes a partir dos 16 anos ou até mais jovens que
isso. Assim como é preocupante que as polícias continuem abordando a
juventude de uma forma violenta, sempre como suspeitos, revelando que os
manuais de inquérito e abordagem do período da ditadura continuam
vigentes. Segurança pública é um direito humano. Não diz respeito
exclusivamente às polícias, mas têm o potencial de ampliar a situação de
violência ou de enfrentá-la. E o modelo de polícia que nós temos no
Brasil, no qual o auto de resistência continua sendo utilizado como uma
licença para matar, acaba fazendo com que boa parte da estrutura das
polícias também alimente situações de violência, particularmente na
periferia das grandes cidades.
A desmilitarização da polícia
sempre foi uma agenda de direitos humanos, mas é preciso trabalhar com o
sistema atual. Para uma perspectiva de direitos integrais e de respeito
à vida seria necessário trabalhar não apenas com uma análise das
polícias militares, mas também das próprias polícias civis, das
atribuições que estão nos estados, na união. Enfim, de forma mais global
com o sistema de policia. Um projeto que certamente o Ministério da
Justiça precisa desenvolver em diálogo com os estados, acompanhado de
medidas essenciais em direitos humanos, como a criação de ouvidorias
independentes, de corregedorias com autonomia no âmbito das polícias, e
uma renovação integral dos mecanismos de formação das polícias no
Brasil.
Além de verificar o sistema como um todo, queria
destacar também a importância da área técnica das perícias com autonomia
para a realização de seu trabalho de inteligência e destacar duas
resoluções: a resolução nª 8 de 2012, que foi apresentada pelo Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que indica a abolição
do registro de auto de resistência e propõe outras formas quando a morte
é realizada por policiais, e a resolução nº 6 de 2013, que trata da
normatização da utilização de armamentos de menor potencial de
letalidade.
CC – Estaríamos falando da PEC 37, de deixar o poder de investigação a cargo exclusivamente da polícia?
MR – Não, estamos falando da autonomia dos setores de perícia técnica
mesmo, da produção de provas. Alguns estados, por exemplo, têm seu
departamento de perícia vinculado à polícia, outros têm um instituto
geral de perícia. Foi uma luta muito, mas conquistamos o direito de que a
perícia técnica possa ter autonomia em relação à atividade policial.
Não são policiais, são técnicos peritos que trabalham no Departamento
Médico Legal. A ideia é que esse grupo técnico tenha autonomia e não
seja de nenhuma parte.
CC – Como partido, o PT tinha em uma de
suas principais bandeiras os direitos humanos. Não é estranho, portanto,
que hoje tenha deixado a Comissão de Direitos Humanos nas mãos de um
parlamentar que fala em "cura gay" e não está voltado às minorias?
MR – Ainda que não isente o PT, eu penso que não é uma responsabilidade
somente do PT a defesa dos direitos humanos. Direitos humanos como um
conjunto de princípios que compõem os textos legais e a própria
Constituição Federal é um tema de responsabilidade das instituições.
Então é uma responsabilidade institucional da Câmara dos Deputados
assegurar que a Comissão de Direitos Humanos atenda a todos os segmentos
que estão vulneráveis diante da violação dos seus direitos. É,
portanto, uma falha do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados.
Ainda que o PT, politicamente, tenha suas responsabilidades.
CC – O PT enquanto governo, a senhora diz?
MR – Como governo não. Foi muito difícil para nós, como governo,
agirmos diante desse tema. Há uma autonomia efetiva do parlamento na
escolha de seus representantes pelas comissões, e a interferência
governamental nunca é bem vista por parte do Congresso. Agora, não há
nenhuma dúvida que esses retrocessos têm de ser percebidos como
situações que isolam o próprio Parlamento da sua relação com a
sociedade.
CC – Alvo de críticas, a Comissão Nacional da
Verdade corre o risco de não conseguir chegar a um consenso até o fim de
seu mandato e ficar no 0x0: não ter uma posição comum sobre a revisão
da Lei de Anistia ou mesmo sobre o julgamento de agentes torturadores do
Estado. Caso isso ocorra, será uma derrota para o setor de direitos
humanos do governo?
MR – A Comissão da Verdade tem autonomia
como uma estrutura que não está sob comando do governo. Os
comissionados, a lei determina isso, têm plena autonomia e confiança
pública para realizarem as suas atribuições. Eu considero que não é
possível fazer um trabalho tão complexo e necessário para a democracia
brasileira, para o hoje e para o futuro, nessa oportunidade histórica
que está aberta depois de tantos anos e tanta luta, sem ouvir
profundamente os familiares e sem tratar da questão dos mortos e
desaparecidos políticos.
Ainda que a comissão tenha autonomia
na realização de seus trabalhos e tenhamos total confiança de que
chegará a um relatório muito positivo para a democracia no Brasil, eu
acredito que ela precisa produzir uma relação de estreita confiança com
as famílias dos mortos e desaparecidos, e creio que o processo pelo qual
realiza suas atribuições é tão importante quanto seu relatório final.
Então, a possibilidade de mobilização da sociedade em torno dos temas
referentes à memória e verdade, nos caminhos para que as pessoas
conheçam o que nos constituiu como sociedade brasileira e as
contradições que nos constituem, podem ser realizadas pela Comissão da
Verdade não apenas com a meta de um relatório final, mas na sua jornada
pelo Brasil.
A Secretaria de Direitos Humanos contribuiu no
momento de organização da comissão e na busca pelo apoio parlamentar
para a votação da matéria, mobilizando a sociedade brasileira e
fomentando os comitês autônomos. Hoje temos mais de 100 comitês por
memória, verdade e justiça pelo Brasil. A nossa tarefa era propor
comitês, mobilizá-los e jamais tutelá-los, mas produzir uma capacidade
inicial de que se organizassem no território nacional. Há uma
expectativa por parte desses comitês, assim como dos familiares dos
mortos e desaparecidos, de que a Comissão da Verdade realize um trabalho
não apenas com vistas ao relatório final, mas um trabalho que responda
no cotidiano de suas atribuições como fez efetivamente em relação ao
Vladimir Herzog, no reconhecimento de um atestado de óbito verdadeiro, e
como está realizando também sob o comando da doutora Rosa Cardoso, que
tem uma dedicação excepcional como coordenadora, na busca daquilo que
envolve a morte do presidente João Goulart.
CC - Como a senhora
enxerga as divergências dos membros da Comissão Nacional da Verdade em
relação à revisão da Lei de Anistia? As divergências atrapalham o
trabalho da comissão?
MR – As decisões dos membros sobre como
vão compor o relatório final é deles. Mas a expectativa nossa é a da
escuta da sociedade, ainda que a comissão não tenha sido formada com o
objetivo punitivo. Todos nós sabemos que a comissão foi formada com
objetivo de dar os primeiros passos nos temas referentes à memória e
verdade, mas tudo o que puder compor para que o Brasil esteja
adequadamente respondendo à normativa internacional em direitos humanos
pode ser bastante importante.
CC - Qual a opinião da senhora
sobre ampliar as penalidades para adolescentes que cometem infrações (de
três para oito anos em regime fechado para assassinatos e latrocínios)
como forma de evitar a redução da maioridade penal, apoiada por grande
parte da população?
MR – Primeiramente, a questão da
participação dos adolescentes em atos contra a vida e contra a
integridade humana precisa ser desmistificada no País. Nós temos hoje no
Brasil cerca de 80 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas
em meio aberto. Então, os juízes avaliaram que aquilo que realizaram e
que os colocou nas condições de cumprir tais medidas nos termos do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não teve potencial ofensivo
contra qualquer pessoa. Vinte mil adolescentes cumprem medidas em meio
fechado, estão internados no Brasil. Temos uma população adulta de 550
mil presos no Brasil em regime fechado e uma população de 20 mil
adolescentes de 12 a 18 anos que cometeram infrações. Destes 20 mil,
somente 17% cometeram atos contra a vida. Os outros estão ali por
tráfico de drogas e por outros atos que não foram de ataque a uma
pessoa. O que ocorre é que as situações mais perversas e difíceis
envolvendo 17% dos 20 mil adolescentes (cerca de 3 mil) em todo o
território nacional são tratados de forma midiática a gerar uma opinião
como se os adolescentes fossem responsáveis por toda a criminalidade do
País.
A exceção vira a regra. E é por isso que nós observamos
que a redução da maioridade penal não será ativamente positiva para a
redução da violência no País. Em primeiro lugar, não responde aos
objetivos que alguns têm levantando porque eles são uma minoria. Por
outro lado, os números de adolescentes que morrem por violência estão
associados, do meu ponto de vista, a essa espetacularização da violência
cometida por alguns. Em um processo no qual é mais fácil serem
resgatados, vamos perder esses adolescentes se eles ingressarem
diretamente no sistema prisional. Porque, sem ter nenhuma visão
romântica, quando eles entrarem no sistema prisional estarão ingressando
em um sistema perverso, de violações de direitos, e também nas próprias
redes criminosas, que atuam dentro dos presídios. E agirão contra a
própria sociedade e contra a si próprios com um potencial ainda maior de
violência. Então, a redução da maioridade penal é algo que nós
rejeitamos em todos os sentidos.
Sobre a ampliação de medidas,
um grupo de trabalho organizado pela Unicef tem procurado debater esse
tema. Mas não há, por parte do governo, uma posição definida. E quem
está debatendo esse tema neste momento é o Conselho Nacional da Criança e
do Adolescente. O simples aumento da medida socioeducativa também não
poderá dar respostas positivas. A possibilidade de mudarmos tais medidas
para melhor e darmos respostas positivas está em melhorarmos o sistema
socioeducativo no Brasil. A nossa busca é um envolvimento maior do
Ministério da Educação, justamente no sentido preventivo, é o
enfrentamento à participação no tráfico de drogas, nos esquemas
criminosos. Porque, em geral, os adolescentes também são mobilizados a
partir da presença dos grupos criminosos com a presença de adultos. Mas
uma coisa é certa: a legislação brasileira deve ser muito rigorosa com
os adultos que mobilizam a participação dos adolescentes e os chamam
para o exercício de ações criminosas". (CartaCapital)
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