quarta-feira, 3 de julho de 2013

Bresser: ontem e hoje

[O ministro Bresser sempre defendeu que a democracia brasileira estava consolidada. Já tive a oportunidade de debater publicamente sobre isto com o mesmo. Agora muda o seu discurso.]
Folha de S. Paulo, 1 de julho de 2013.

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Eles não têm medo da democracia
O grave risco por que passa o Brasil não é a desordem, mas a desmoralização da política e dos políticos
As grandes manifestações que estão ocorrendo no Brasil são um momento de retomada do espírito cívico e democrático de jovens que pareciam imersos no cinismo consumista, mas tiveram como alvo principal os políticos, que são uma condição para a existência da democracia.
A melhor metáfora foi a de Gabriel Cohn, em entrevista ao "Valor": "Se não estancarmos esse sangramento democrático, que é a ideia de que o político não presta, teremos problemas. Se você não tem partidos organizados, com militantes saindo às ruas, não estanca o sangramento. Isso promove uma seleção perversa".
Em lugar de militantes políticos devotados, a política foi sendo tomada por oportunistas. Ninguém decente deseja dedicar sua vida a ela. O grave risco por que passa o Brasil não é, portanto, a desordem, mas a desmoralização da política.
As impressionantes manifestações de junho alcançaram seu objetivo específico, a revogação dos reajustes dos ônibus, mas, ao contrário das Diretas Já ou da Primavera Árabe no Egito e na Tunísia, que tinham uma meta clara, a democracia, os manifestantes querem a melhoria da qualidade da democracia, algo que não se alcança em um dia.
O risco é o de aprofundar uma desmoralização dos políticos que, nos últimos dez anos, se agravou no Brasil, e, assim, afastar ainda mais da política os jovens mais talentosos. Ora, não há democracia sem política e sem representação.
A democracia participativa é um objetivo, mas longínquo: enquanto isso, não há construção social da nação e do Estado sem a intermediação dos políticos.
A desmoralização dos políticos é uma estratégia liberal clássica; é uma forma pela qual as elites, que temem a democracia, buscam neutralizar aqueles que em princípio representam esse povo. É verdade que os políticos facilitam essa tarefa quando se deixam corromper: não representam seus eleitores, mas seus próprios interesses e os daqueles que os financiam.
Mas no Brasil, na última década, a campanha de desmoralização cresceu de forma brutal. Foi se formando um "consenso" perverso: os políticos seriam corruptos, não obstante os serviços que já prestaram ao Brasil, e não serem eles, hoje, piores do que eram no passado.
Um fato novo agravou o tradicional medo da democracia das elites. Há dez anos, pela primeira vez na história, o Brasil é governado por uma coalizão de esquerda.
É verdade que por uma centro-esquerda social-democrata, que vem atraindo empresários a uma política desenvolvimentista, mas, de qualquer forma, um governo que não se deixou cooptar pelas elites liberais. Isto é inaceitável para elas, e as leva a aumentar a violência da crítica. Esse fato novo talvez explique a grande perda de confiança no Congresso e nos políticos nos últimos dez anos. E ajuda a explicar a dimensão das manifestações.
Creio que elas, afinal, ajudarão a melhorar a qualidade da democracia brasileira, mas desde que representem uma cobrança aos políticos, e não a desmoralização das instituições democráticas e dos próprios políticos, algo que não interessa aos jovens manifestantes, porque eles não têm medo da democracia.

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