Hélio Schwartsman
Barafunda judicial
Pois é essa a receita que a Câmara segue ao fazer avançar a tramitação do Estatuto do Nascituro (PL 487/07). Em princípio, a peça não altera os dispositivos do Código Penal que permitem o aborto em caso de estupro e de risco de vida para a mãe, mas, ao introduzir um novo palavreado que afirma de modo enfático que embriões têm direitos, abre a perspectiva para que se acumulem interpretações e jurisprudência conflitantes, conspirando contra a clareza que toda boa lei deveria exibir.
No mais, o estatuto apresenta tantas inconsistências que se torna uma peça de humor involuntário. O artigo 4º, por exemplo, assegura aos nascituros o direito "à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar". Fico me perguntando no que consistiria a liberdade para um feto. A única ideia que me ocorre é a libertação do cordão umbilical, mas, como isso em geral significa aborto, duvido que seja essa a intenção do legislador.
Outra passagem surreal é a que define nascituro como qualquer ser humano concebido e não nascido, incluindo zigotos resultantes de fertilização "in vitro" e clonagem. Esse dispositivo, combinado com o artigo 8º, que determina que o SUS deve dedicar aos nascituros a mesma prioridade dada a crianças já nascidas, faz com que a geladeira com 200 embriões inviáveis seja 200 vezes mais valiosa do que um bebê agonizante.
O estatuto também embola o meio de campo nas sucessões e cria a temerária figura do aborto culposo.
Em condições normais, esse texto não passaria pela Comissão de Constituição e Justiça, onde agora se encontra. Vamos descobrir em breve se ainda temos uma Câmara normal.
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