Divergências na
Comissão da Verdade se escancaram com saída de Fonteles
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Leonencio Nossa / Brasília
O
governo foi surpreendido ontem com o pedido de afastamento do
ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles da Comissão Nacional da
Verdade. A saída escancara as já conhecidas divergências do colegiado sobre a
divulgação de investigações, revisão da Lei da Anistia, com punições a
agentes do Estado que atuaram na ditadura, e abertura dos arquivos do regime
militar.
Em
carta à presidente Dilma Rousseff, ele afirmou que o desligamento era
"irrevogável". Assessores do governo avaliam que a decisão,
anunciada aos colegas na segunda-feira numa tensa reunião do colegiado,
aumenta a descrença de grupos de direitos humanos sobre o resultado das
investigações.
Fonteles
é o segundo dos sete integrantes da comissão que se desliga desde o início
dos trabalhos, em maio do ano passado. Gilson Dipp, ministro do Superior
Tribunal de Justiça, o primeiro a sair, alegou motivos de saúde. Fonteles e a
atual coordenadora do grupo, Rosa Cardoso, foram os que mais se aproximaram
das famílias de mortos pela ditadura.
Agora,
Rosa Cardoso, que foi advogada de Dilma no tempo da repressão, enfrentará
sozinha dentro da comissão a psicanalista Maria Rita Kehl e o professor de
ciência política Paulo Sérgio Pinheiro, que não aceitam a divulgação dos
trabalhos. Eles insistem que a publicidade das investigações deve se
restringir ao relatório que será apresentado no final de 2014. O jurista José
Paulo Cavalcanti Filho tem evitado o embate. Já o advogado José Carlos Dias
não esconde o cansaço nas atividades do grupo, dizem assessores.
Ontem,
ao participar de evento na Procuradoria-Geral da República, Fonteles evitou
polemizar. "Meu trabalho na Comissão da Verdade cumpriu-se, chegou ao
fim. Entendi por razões estritamente pessoais que era o tempo de
encerrar." Ele negou que tenha entrado em atrito com membros da comissão
e do = governo. "Quanto ao governo de maneira alguma. Quanto aquilo já
foi noticiado (divergências com outros integrantes) não pesou, até porque foi
sanado."
Araguaia.
A saída de Fonteles poderá paralisar as investigações dos crimes de guerra
come-: tidos pelo Exército no combate à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970,
no sul do Pará. Ele e Maria Rita Kehl eram os responsáveis na comissão por
investigar o caso. Maria Rita Kehl chegou a fazer uma viagem ao Araguaia, mas
não demonstrou interesse em avançar nas pesquisas. Fonteles conversava com
oficiais que estiveram na região e no combate à guerrilha urbana. Ele
divulgou dois estudos para reforçar a tese de que as Forças Armadas cometeram
crimes de guerra na Amazônia.
Nas
últimas semanas, Maria Rita e Pinheiro aumentaram a resistência a medidas de
transparência adotadas pela coordenadora Rosa Cardoso. Em discussões tensas,
Rosa e Fonteles chegaram a afirmar que os dois colegas não queriam avançar no
esclarecimento dos crimes dos porões da ditadura.
Maria
Rita e Pinheiro foram criticados ainda por não se envolverem integralmente
nas investigações e manterem posições intransigentes.
Rosa
Cardoso tentou convencer Fonteles a permanecer no grupo. Não conseguiu.
Fonteles alegou que teria um "enfarte", disseram assessores da co-
-missão ouvidos pelo Estado.
Em
nota divulgada ontem, Rosa fez questão de afirmar que estava do lado de
Fonteles na tentativa de acabar com os segredos das investigações.
"Lamento, profundamente, a saída de Cláudio e enfatizo que ele não teve,
não tem e não terá nenhuma divergência comigo. Gostaria muito que ele
continuasse conosco."
A
carta escrita por Fonteles seria entregue ontem à presidente Dilma Rousseff
Em apenas três linhas, ele se limitou a agradecer e a informar sobre o
desligamento.
3 PERGUNTAS PARA..,Cláudio Fonteles, ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade
1.
Por que o sr. deixou a Comissão da Verdade?
Tudo
na vida tem seu tempo, como diz o Eclesiastes. Foi um trabalho de
envolvimento da sociedade Nos, da comissão, somos meros instrumentos para que
se crie uma rede permanente de defesa da democracia, para que nunca se
esqueça, para que nunca mais aconteça.
2. O
sr. perdeu o embate com os que querem o segredo das investigações?
Não
coloco as coisas como vitória ou derrota. Fiz meu trabalho, é o que importa.
E acho que terminou.
3. Os militares mandam na política da
memória e de arquivos da ditadura?
Tem havido uma certa resistência, mas
há um quadro de diálogo. Temos um acervo grande a ser pesquisado no Arquivo
Nacional, mais de 16 milhões de documentos. Gostaríamos que houvesse uma
colaboração maior. Mas estamos dentro de um processo democrático, se entende
as posições. O que não se pode é a ruptura. Temos de estar sempre dentro
desse clima de diálogo.
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quarta-feira, 19 de junho de 2013
CNV do B
O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 2013.
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