sábado, 22 de junho de 2013

Estado de Sítio?

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Capa do caderno Cotidiano da Folha de ontem (21/6/13)
Na falta de agenda e lideranças claras, começam-se a debater cenários de alternativas jurídicas para se resolver o problema.

Infelizmente, as soluções que começam a aparecer são juridicamente impossíveis ou perigosas.

Para alguns a solução é a presidente dissolver o Congresso e convocar novas eleições, como ocorreu na Itália e na Grécia. O problema é que não somos um regime parlamentarista no qual o chefe de governo ou de Estado pode dissolver o parlamento.

Apenas o Congresso teria esse poder, e não seria algo automático: ele primeiro precisaria aprovar uma emenda constitucional para convocar uma eleição temporã.

Mas ainda que o Congresso faça isso, um novo parlamento não significaria, necessariamente, algo diferente. Nossa lei diz que só um filiado a partido político pode candidatar-se. Qualquer candidato teria que submeter-se às vontades das lideranças.

Mesmo que os peões sejam diferentes (e nem isso é garantido), as regras do jogo e os eleitores continuariam os mesmos.


Outra alternativa é alterar a Constituição, mas isso demanda tempo. E se não está claro qual é a pauta, fica difícil saber o que precisaria ser mudado para acalmar as ruas. Se formos mudar as leis, precisamos primeiro descobrir o que se quer ver mudado. Caso contrário, gastaremos um enrome tempo formulando 'planos nacionais' e 'marcos fundamentais' que são, na prática, ideais postos no papel, mas que não resolvem problemas porque carecem de substância.


A ideia de convocar uma nova constituinte vai na mesma toada: fazer uma constituição - ao menos uma democrática - demanda tempo. No caso da última, foram dois anos. E, novamente, se não está claro qual é a pauta, fica difícil saber o que deveria entrar no texto.

E tem o monstro sobre o qual ninguém quer falar abertamente: decretar estado de sítio. A solução de desespero em qualquer democracia.


Solução de desespero porque é a última possibilidade de solução antes de se cair em uma ditadura. Para manter a democracia, a própria Constituição possibilita suspender direitos fundamentais nela inseridos.

O art. 137, inciso I, da Constituição diz que a presidente pode solicitar ao Congresso autorização para decretar estado de sítio quando há comoção grave de repercussão nacional.

O que é comoção grave é subjetivo, mas seria difícil contrargumentar que o que está ocorrendo não seja grave e não tenha abrangência nacional. Do ponto de vista jurídico, portanto, há a possibilidade do pedido ser feito. Mas, a possibildade de se usar não significa que deva ser usado.

Se o Congresso não autorizasse o pedido, ele sairia como o defensor da democracia ameaçada pela presidente. Ou seja, há um enorme risco político em fazer tal pedido. Qualquer presidente sabe que não interessa o que ele tenha feito antes ou depois: ele se tornará para sempre o presidente que decretou estado de sítio.

Se o Congresso autorizasse, o governo federal, através das forças armadas e policiais, restringiria direitos fundamentais, como a liberdade de reunião, inviolabilidade de correspondência, sigilo das comunicações, prestação de informações, liberdade de imprensa, imposição de toque de recolher etc.

Mas mesmo que presumamos que a mesma presidente vítima de tortura durante a ditadura, e que instituiu uma comissão da verdade para apurar os abusos ocorridos naquele período, aceitasse a dependência da força para manter o controle do país, ninguém sabe se as forças armadas e policiais conseguiriam reestabelecer o controle.

O estado de sítio só pode durar, no máximo, 60 dias (30 dias prorrogáveis uma vez por igual período). A Constituição não diz o que acontece depois disso se o problema não for resolvido.

Não podemos esquecer que as revoltas em outros países duraram meses. Especialmente quando movidas pela percepção de falta de legitimidade das instituições e líderes, que é o que parece acontecer no Brasil.

Juridicamente, a Constituição não poderia ser modificada durante o estado de sítio para possibilitar uma nova extensão do prazo.

Se respeitássemos a Constituição, findos os 60 dias de estado de sítio, a revolta poderia ser ainda pior. E nosso histórico é que todas as vezes que as forças armadas saíram para controlar uma situação, demoraram décadas para retornar às casernas.

Por outro lado, se contrariássemos a Constituição e estendêssemos o estado de sítio além dos 60 dias, estaríamos do lado de dentro da ditadura.

Daí o perigo de, a essa altura, contemplarmos a possibilidade de se decretar estado de sítio. Como último recurso para salvar a democracia, o estado de sítio só deveria ser contemplado se tudo mais falhar.


Mas o debate realça também um outro problema: por mais atraente que possa parecer, tentar usar leis e força para apaziguar as ondas de protestos é tentar resolver as consequências de um problema, sem resolver suas causas. Se o problema é sociopolítico, a solução precisará ser política e social. Leis e instituições devem ser usadas para fortalecer tais soluções, e não para ditar as soluções.

 
Capa da Folha de hoje (21/6/13):

Em SP, multidão grita 'fora, partidos' e petistas deixam ato
Militantes de partidos como PT, PSOL e PSTU e do Movimento Passe  Livre foram hostilizados na avenida Paulista no protesto de ontem

Se os protestos são, em parte, contra as máquinas partidárias que controlam a política brasileira, a solução não é tecnicamente difícil. Pelo contrário, é bem simples. Basta abolir duas regras.

A primeira é a que cria o Funda Partidário, o fundo que pulou de R$729 mil em 1994 para R$350 milhões em 2012 e deve subir ainda mais em 2013.
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Clique para ampliar. Fonte: TSE (http://goo.gl/kLcl4)
É esse fundo que mantém financeiramente a máquina partidária. É ele, por exemplo, que é usado para manter políticos que não se elegem entre uma eleição e outra (a outra forma é mantê-lo em cargo comissionado), pagar gastos do partido com infraestrutura etc.

O Fundo é distribuído a todos os partidos registrados no TSE (5% do fundo é distribuído igualmente e os outros 95% em proporção aos votos obtidos na última eleição para a Câmara dos Deputados). Segundo dados do TSE, PT, PMDB, PSDB, DEM, PP e PSB, os seis maiores partidos, receberam, respectivamente, R$ 53 milhões, R$ 44 milhões, R$ 37 milhões, R$ 22 milhões, R$ 25 milhões e 25 milhões do Fundo em 2012.

O Fundo é distribuído não com base na votação dos candidatos, mas com base no número de cadeiras recebidas pelo partido. E, por causa da forma como as cadeiras na Câmara são distribuídas (os chamados quocientes eleitoral e partidário), as duas coisas não andam juntas. Um partido com um candidato que atrai muitos votos (‘puxadores de votos’) acaba elegendo dezenas de parlamentares, ainda que a maior parte deles não tenha recebido uma quantidade relevante de votos. Eles são eleitos graças aos votos daquele candidato muito bem votado (por isso vemos sempre ‘celebridades’ sendo disputadas pelos partidos para serem suas candidatas).

Ou seja, a divisão do Fundo não é necessariamente proporcional aos votos recebidos pelos candidatos daquele partido. Paga-se por quem não teria sido eleito se dependesse apenas de seus próprios votos.

Além disso, o Fundo é pago independente da vontade do eleitor ou do contribuinte. A contribuição é obrigatória, assim como o repasse aos partidos.

Removendo-se o Fundo, a máquina partidária passaria a depender apenas de doações voluntárias.

O risco aqui é que os partidos passassem a buscar dinheiro de doadores de forma ilegal. Passariam a ser balcões de negócios (presumindo que isso já não aconteça).

E é essa é uma das razões para a segunda mudança: a possibilidade de eleição de candidatos independentes.

No Brasil, ao contrário do que acontece em outras democracias, não é possível alguém se candidatar sem estar filiado a um partido. Ao filiar-se, o indivíduo-candidato não apenas aceita as regras internas do partido, mas também submete-se ao comando das lideranças partidárias. Torna-se refém da vontade alheia. Eleito, ele é obrigado a votar não com base na plataforma na qual se elegeu, mas de acordo com as instruções do líder do partido.

Embora do ponto de vista legal, ele possa e deva votar de forma independente, do ponto de vista prático, se o fizer, sofrerá sanções do partido, que podem chegar à expulsão. E como ele não poderá se reeleger no futuro se não estiver filiado a um partido, ele não quer ser expulso (e, mesmo que não seja expulso, não quer ser tratado de forma desfavorável dentro do partido).

Ao remover a necessidade da filiação partidária, candidatos que não estão dispostos a submeterem-se à vontade alheia passariam a ter mais força. E isso minguaria o poder dos atuais partidos e, especialmente, de seus líderes.

Mas essas são duas propostas muito difíceis de serem aprovadas no Congresso. Afinal, partidos e seus líderes estariam aprovando suas mortes financeira e política.

Se olharmos propostas recentes de reformas eleitorais – como o voto em lista fechada e a atual proposta para inibir a criação de novos partidos, veremos que elas vão justamente em sentido contrário: o de fortalecer o poder de alguns partidos e, por consequência, de seus líderes.


PS: Analisando os números, vê-se também por que os atuais partidos não querem a criação de novos grandes partidos. A criação de partidos nanicos não incomoda tanto os grandes partidos, mas como 95% do Fundo Partidário é distribuído baseado na bancada, um partido que perca 10 deputados para o novo partido, deixará de receber quase R$26 milhões ao longo de quatro anos. Isso se o valor do Fundo não continuar aumentando. Se continuar crescendo no rítimo das duas últimas décadas, cada deputado eleito poderá, em breve, estar 'valendo' para o partido algo como R$ 1 milhão por ano.

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