O Globo, 23 de junho de 2013.
Um exercício de fantasia
futurológica
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Eli Gaspari
Numa tarde em Brasília, o Supremo
Tribunal Federal reúne-se para julgar os recursos dos mensaleiros, revoga as
condenações por formação de quadrilha e livra-os do cárcere. Joaquim Barbosa,
o presidente da Corte que relatara o processo, joga a toga sobre a bancada,
faz um breve discurso, renuncia ao cargo, sai do prédio e chama um táxi. Dias
depois, seu nome é lançado como candidato à Presidência da República. Há
fantasia nesse cenário, mas o gesto da renúncia é uma possibilidade real. Se
Joaquim Barbosa será candidato, trata-se de pura futurologia.
Quem duvida dessa possibilidade
apresenta o que seria um obstáculo intransponível: a falta de base política.
Alguém conhece pessoa que votará no candidato que for indicado pelo PMDB? Ter
base partidária é mais uma carga do que um impulso, mesmo no caso do PT. Para
a campanha da doutora Dilma, será bom negócio esquecer a estrelinha vermelha,
fechando o foco na personalização de seu governo. O PT decidiu confundir-se
com os mensaleiros. Problema dele.
Dos cinco presidentes eleitos nos
últimos 60 anos, três prevaleceram sem que devessem qualquer coisa às bases
partidárias. Fernando Henrique Cardoso foi eleito pelo Plano Real. Se
dependesse da força do PSDB, seria candidato a deputado federal. Ele foi
eleito porque o real ficou de pé. Depois do fracasso do Plano Cruzado, houve
sete ministros da Fazenda e só ele teve futuro político.
Fernando Collor passou por três
grandes partidos, mas elegeu-se pelo microscópico PRN, que não existe mais.
Recuando-se aos anos 60, Jânio Quadros elegeu-se governador de São Paulo pelo
irrelevante PTN e em 1958 foi engolido pela União Democrática Nacional num
lance puramente oportunista.
Partido quem teve foi Lula. Todos
brincam de cubos, formando alianças fisiológicas lubrificadas pelos métodos
que desembocam em mensalões.
Olhando-se para a rua cheia de gente
contra-isso-que-está-aí, vê-se um quebra-cabeça onde falta uma peça. Aécio
Neves tem nas costas o doutor Eduardo Azeredo, com seu mensalão mineiro.
Eduardo Campos não entendeu nada, disse que baixou as tarifas de transportes
num ato "unilateral", como se fosse um coronel do semiárido falando
aos peões de sua fazenda.
Joaquim Barbosa pode vir a ser a peça
que fecha o quebra-cabeça. Se isso acontecerá, não se sabe. Também não se
sabe que resultados trará. Os dois exemplos de avulsos que chegaram a
presidente, Jânio e Collor, terminaram em catástrofes. No caso de Jânio, numa
catástrofe que levou as instituições democráticas para a beira do precipício
no qual elas cairiam três anos depois, em 1964. Barbosa defende grandes
causas, mas é chegado a pitis e construções inquietantes, como a sua denúncia
das "taras antropológicas" que a sociedade brasileira carrega.
Descontrola-se e justifica-se atribuindo sua conduta a dores de coluna. Se
todas as pessoas que têm esse tipo de padecimento perdessem o controle quando
viajam em trens lotados na hora do rush, as tardes brasileiras teriam
pancadarias diárias. Há nele uma misteriosa predisposição imperial.
Talvez esse exercício de futurologia
tenha o valor de uma leitura de cartas. Sobretudo se o PT perceber que a ida
dos mensaleiros para a prisão, ainda este ano, deixará de ser um peso nas
suas costas. Afinal, depois que Fernando Haddad e Geraldo Alckmin acordaram o
monstro, é difícil saber como levar a rua para casa, mas é certo que o
monstro sairá de casa se os mensaleiros forem poupados.
Às 19h de quinta-feira, os
manifestantes que estavam na Avenida Paulista em frente ao prédio da
"Gazeta" mandaram que as bandeiras vermelhas fossem abaixadas:
"O povo unido não precisa de partido". Minutos depois, queimaram
algumas. Há 12 anos, elas estavam lá, gloriosas, festejando a eleição de
Lula.
Peculiaridade 1
Nenhuma manifestação teve discurso.
Peculiaridade 2
Qualquer comparação com o movimento
das multidões desses dias com o da campanha das Diretas Já, dos anos 1980,
tem um vício de origem.
Nas Diretas, os governadores
oposicionistas do Rio e de São Paulo cacifaram a infraestrutura dos comícios,
com metrôs grátis, palanques, som e até mesmo ônibus.
Agora, pelo menos na mobilização, a
Viúva não gastou um ceitil.
Peculiaridade 3
A rua de 2013 não teve celebridades.
Para se ter uma ideia da megalomania
demófoba dos governantes que acordaram a rua, em dezembro do ano passado, o
doutor Sérgio Cabral convocou uma passeata contra o projeto de redivisão dos
royalties do petróleo. Nela havia um cercadinho para os VIPs, que recebiam
pulseirinhas verdes e tinham a proteção de seguranças.
Na semana passada o governador Cabral
ficou no cercadinho do palácio.
Pec 37
O presidente da Câmara, Henrique
Alves, marcou a votação da PEC 37 para a próxima quarta-feira. É a emenda
constitucional que inibe as investigações de roubalheiras pelo Ministério
Público.
Na semana passada ele anunciou sua
disposição de adiar a decisão. A menos que possa citar outro motivo para o
adiamento, teve a ideia por causa da ida do monstro às ruas.
Ele pode pensar que a manobra ajuda a
esfriar os ânimos. Estará apenas marcando a data da próxima manifestação: 3
de julho.
Se Alves marcar a votação para as
primeiras horas da tarde de quarta-feira, tira o Congresso do caminho do
monstro. Ou arrosta.
Dragão de biombo
Do prefeito Fernando Haddad, na terça
feira, depois de receber a turma do Passe Livre, coisa que se recusara a
fazer antes de ir para Paris:
"Vou fazer uma reflexão sobre os
números, sobre o que ouvi [na reunião] e vou dar uma resposta para o
movimento e pronto".
Blá-blá-blá de dragão de biombo.
No dia seguinte baixou a tarifa
porque ficou com medo da rua.
queixa
O comissário Gilberto Carvalho, que
desde 2003 gere as relações do governo (e do PT) com os movimentos sociais,
queixou-se de que o ronco das ruas não tinha comando único.
Se tivesse, muita coisa seria
possível. Inclusive a criação de uma discreta Bolsa Comando.
poesia na rua
Aqui vai o agradecimento a uma jovem
que estava na passeata de terça-feira, em São Paulo, com uma blusa branca de
mangas curtas, carregando um poema em forma de cartaz. Dizia só isso:
"Cidade muda não muda".
Ecoou na sua criatividade um cartaz
de 1968, quando um tiro da PM matou Edson Lima Souto:
"Bala mata fome?"
sonho de vanda
Em 1970, quando a Vanda da Vanguarda
Popular Revolucionária estava no presídio Tiradentes, em São Paulo, talvez
sonhasse com um dia em que um milhão de brasileiros fossem para as ruas,
cercando o Palácio do Planalto.
Na
quinta-feira, havia gente querendo fazer isso, mas a doutora só saiu do
Palácio, protegida pela tropa do Exército, às 20h.
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