segunda-feira, 10 de junho de 2013

O BC dos EUA e o do Brasil: accountability postergada

Os documentos secretos do BC
10 Jun 2013

Alex Ribeiro


O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, classificou como secretos os documentos e informações que são apresentados no segundo dia das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) e que servem como subsídio para as decisões sobre juros.
Isso significa que eles só vão se tornar públicos dentro de 15 anos. É o triplo do prazo adotado pelo banco central americano, o Federal Reserve (Fed), que libera documentos e informações semelhantes depois de cinco anos.
Na prática, o trabalho do presidente do Banco Central e demais diretores da instituição será examinado, à luz dessa documentação, basicamente por historiadores. As decisões do presidente do Fed e dos demais membros do seu comitê de política monetária são julgadas pela opinião pública enquanto muitas dessas autoridades ainda permanecem no cargo.

BC leva 15 anos para divulgar papéis que Fed libera em 5 anos

Neste ano, está sendo divulgada a documentação que subsidiou as decisões de política monetária tomadas em 2008 pelo presidente do Fed, Ben Bernanke, sob o calor da crise financeira. O atual presidente do BC, Alexandre Tombini, era um membro do Copom naquela época, quando foi forte a cobrança para uma baixa de juros mais rápida.
Em 2011, foi aprovada a Lei de Acesso à Informação, que estabelece o direito de acesso pelo cidadão a informações e documentos que estão na posse do governo. A regra geral é ampla publicidade, mas a lei admite exceções. O material pode ser retido pelo governo, se, entre outras coisas, põe em risco a defesa e a soberania nacionais, a condução de negociações ou as relações internacionais ou a estabilidade financeira, econômica ou monetária. Nesses casos, cada órgão público deve classificar as informações. As ultrassecretas ficam guardadas por até 25 anos; as secretas, por até 15 anos; e as reservadas, por até 5 anos.
Tombini classificou as informações apresentadas no primeiro dia da reunião do Copom como reservadas, pelo prazo de quatro anos. Há muita coisa publicada na página do BC na internet, mas seu valor para entender o significado das decisões do Copom é limitado.
Já as informações e documentos apresentados no segundo dia de reunião do Copom, que de fato subsidiam as decisões, foram classificados como secretos. Entre eles, estão as apresentações feitas pelo Departamento de Pesquisa Econômica (Depep) com projeções sobre os efeitos de decisões sobre juros diante de diferentes cenários.
Documentos como esse poderiam ajudar a esclarecer, por exemplo, o que foi, exatamente, a tal da "contribuição do setor externo para a consolidação de um cenário benigno para a inflação" que permitiu um corte de 0,5 ponto percentual nos juros em junho de 2007. Essa decisão, que teve a oposição de dois diretores do BC, é uma das mais controversas da história recente do Copom. Para alguns, foi um movimento equivocado, que levou o BC a voltar a subir os juros no começo de 2008. Quais dados embasaram a tese?
No despacho que classificou documentos como secretos, Tombini sustenta que eles "veiculam informações de caráter extremamente sensível, cuja divulgação descontextualizada implicaria elevado risco de influenciar negativamente a coordenação das expectativa dos agentes econômicos". E segue: "Eventual comunicação de tais apresentações ao público envolveria ingente [grande] grau de complexidade, pois, até o entendimento completo do material subjacente, haveria substancial risco de geração de ruídos cognitivos no âmbito do sistema econômico."
Uma questão que se coloca é se, de fato, uma informação avaliada pelo Copom cinco anos atrás vai ter alguma relevância hoje sobre as expectativas dos agentes econômicos. O Fed acha que não, e divulga logo. Os dados utilizados pelo Copom são muito perecíveis - tanto que a quarentena de seus ex-membros, que migram para o mercado financeiro, é de apenas quatro meses.
Se a intenção do BC for deixar essas informações apenas para a história, é bom registrar que uma parte já está perdida. Até pouco depois de janeiro de 1999, as reuniões do Copom eram gravadas, segundo informou numa entrevista o ex-presidente do BC Francisco Lopes. O Valor pediu as fitas gravadas, com base na Lei de Acesso à Informação. "O Banco Central não possui a informação solicitada, haja vista que esta autarquia não realizou gravação das reuniões do Copom", disse a resposta. Uma fonte diretamente envolvida nas gravações informou, de forma reservada, que o BC realmente gravou as reuniões do Copom, mas as fitas foram reutilizadas.
"O detalhamento dos votos dos membros do Copom, até a 166ª reunião, de 17 de abril de 2012, se resume aos registros realizados nas atas publicadas a cada reunião, sem a identificação nominal desses votos", disse o BC, na resposta ao mesmo pedido. Ou seja, não se sabe mais quem votou para subir ou para baixar os juros.
Mundo afora, há uma discussão sobre a conveniência de gravar reuniões de comitês de política monetária. O Fed grava e divulga, mas o Banco Central Europeu (BCE), não. Um argumento para não gravar é que, com o registro, as discussões ficam mais burocráticas e formais.
A Lei de Acesso à Informação ainda está na primeira infância, e o Banco Central vem procurando encontrar o equilíbrio exato entre transparência e a preservação da estabilidade.
O Valor pediu, com base na lei, dados que deram origem a um gráfico, apresentado no relatório de inflação de março, sobre o resultado fiscal estrutural do governo. O BC não havia publicado a escala do eixo vertical, justamente a informação que permitiria checar se a gastança do governo estava alimentando a inflação. O material foi classificado como reservado pelo BC.
Num outro pedido, o Valor solicitou quanto a autoridade monetária pagou a cada um dos administradores externos das reservas internacionais, que incluem gigantes como BlackRock, Pimco e Deutsche. A informação, respondeu o BC, está protegida pela mesma lei do sigilo bancário - e, portanto, nunca virá a publico.

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