Despesas com vices superam R$ 63 milhões
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Valor supera orçamento de ministério; no DF, Tadeu Filippelli tem mais servidores do que Michel TemerSilvia Amorim
SÃO PAULO
O cargo costuma ter função figurativa na maioria das gestões públicas,
entretanto, os gastos que envolvem os gabinetes de vice-governadores no
país estão longe de serem desprezíveis. Essas estruturas custarão este
ano mais do que o novo ministério da presidente Dilma Rousseff, o da
Micro e Pequena Empresa, entregue ao vice-governador paulista, Guilherme
Afif Domingos (PSD). A nomeação dele abriu um debate político sobre a
relevância dos vices nos estados, uma vez que Afif assumiu a pasta sem
se licenciar do mandato em São Paulo.
Um
levantamento feito pelo GLOBO nas vice-governadorias na semana passada
mostra um cenário intrigante. Há gabinetes com número de funcionários
maior que o de um ministério ou da Vice-Presidência da República, vices
que ganham quase o mesmo salário do vice-presidente Michel Temer (PMDB),
e Afif não é o único número dois de um estado envolvido em um caso
polêmico de acúmulo de cargos.
No
Piauí, Antonio José de Moraes Souza Filho (PMDB) acumula, desde 2011, o
cargo de vice com um outro numa entidade privada. Ele foi eleito
presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiepi) quando já era
vice-governador. Souza Filho foi procurado pelo GLOBO, mas não se
manifestou sobre o assunto.
Para o advogado constitucionalista Rogério Gandra Martins, o caso configura conflito de interesses.
-
As federações das indústrias são entidades de interesse privado que
estão constantemente pleiteando coisas junto ao governo. Numa discussão
que envolva o governo e a federação, o vice vai ficar do lado de quem? -
pergunta Martins.
O entendimento não é ponto pacífico no Direito, pois a Constituição não trata do assunto com clareza.
No
caso de Afif, a Advocacia Geral da União (AGU) posicionou-se favorável
ao acúmulo dos dois cargos públicos, mas o assunto ainda segue sob
análise da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, que,
em 2007, obrigou o então ministro da Trabalho, Carlos Lupi, a se
licenciar do comando do PDT para permanecer na Esplanada dos
Ministérios. O colegiado alegou conflito de interesses entre as duas
atividades.
Em
relação aos custos dos vice-governadores para o país, o GLOBO obteve
informações sobre esse tipo de gasto em 20 estados. Nesses locais, eles
somarão R$ 63 milhões em 2013, R$ 8 milhões a mais do que o orçamento da
recém-criada Secretaria da Micro e Pequena Empresa - 39ª pasta da
Esplanada dos Ministérios.
Mas
essa conta será ainda maior já que Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul,
Paraná, Rondônia e Tocantins não informaram os orçamentos de suas
vice-governadorias. São Paulo comunicou que a previsão de despesas foi
cancelada com a ida de Afif para Brasília.
No
governo do DF, a vice-governadoria de Tadeu Filippelli (PMDB) tem à
disposição mais servidores do que o gabinete da Vice-Presidência da
República. São 143 funcionários listados na folha de pagamento contra
117 do órgão do governo federal. Isso faz da vice-governadoria do DF a
mais cara do país (R$ 9,2 milhões este ano), superando em R$ 200 mil o
orçamento do gabinete do vice-presidente Michel Temer.
O
governo do DF apenas informou que o quadro de pessoal é composto pelo
"cargo de vice-governador, a Casa Militar e estrutura dos servidores
civis".
Segundo
o Portal da Transparência, está incluído na lista de funcionários da
Vice-Presidência o contingente de militares à disposição de Temer.
Em Goiás, vice tem 90 funcionários
Em
Goiás e no Piauí, os vices José Eliton (sem partido) e Souza Filho
(PMDB) contam com quadros de pessoal maiores do que o da Secretaria da
Micro e Pequena Empresa. Afif terá 68 cargos - em São Paulo, ele tinha
cerca de 20 -, enquanto os vice-governadores citados têm 90 e 89,
respectivamente.
O
governo goiano explicou que, na vice-governadoria, funcionam a
"Superintendência de Gestão, Planejamento e Finanças e 11 gerências dos
diversos setores". O do Piauí não se manifestou.
No
quesito salário, Paraná e Roraima destacam-se pelos subsídios mais
generosos pagos aos vices. Eles ganham R$ 25 mil e R$ 24 mil,
respectivamente, contra R$ 26.723 do vice-presidente da República.
A
historiadora e diretora da editora FGV, Marieta de Moraes Ferreira,
explica que, desde o início da República, a figura do vice existe no
país. Segundo ela, o cargo nasce com a função primordial de substituir o
titular em caso de alguma eventualidade, mas desde sempre foi usado
como instrumento de negociação de alianças políticas.
-
Esse uso não é algo dos dias atuais. Café Filho, por exemplo, foi
escolhido vice de Getulio Vargas num processo de negociação para Adhemar
de Barros apoiar Getulio - lembra ela.
Os
dados obtidos pelo GLOBO nos estados mostram que os vices têm sido
pouco requisitados para cumprir sua função principal. De 17 estados que
responderam a esse questionamento feito pela reportagem, em 12 o vice
assumiu, no máximo, uma vez o governo neste ano.
Marieta
é favorável à existência da figura do vice em qualquer instância de
governo, mas propõe, para moralizar a atividade, o fim da remuneração em
certos casos.
-
Formalmente, o vice não tem um papel de destaque na Constituição. Mas a
prática brasileira mostra que, em vários momentos, eles tiveram um
papel importante. Acho que o vice tem o seu papel. Agora, seria o caso
de pensarmos em algumas mudanças, como, por exemplo, acabar com a
remuneração se ele não estiver substituindo o titular - disse.
Acúmulo de funções em poucos estados
Em
uma minoria dos estados (Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Pará e Bahia), o vice está incumbido de alguma função no
secretariado. Nos demais, eles se dedicam somente à função de número
dois do governo e, em geral, têm uma agenda ocupada por articulações
políticas e compromissos públicos ao lado do governador.
Para o cientista político e historiador Marco Antonio Villa, a experiência brasileira tem mostrado que o cargo é desnecessário.
-
O vice, na maioria dos casos, está preparando um voo político dele. É a
institucionalização do uso da máquina para o interesse partidário ou
pessoal. Já houve um período no Brasil em que vários estados não tinham
vice-governador. Assim como senador não tinha suplente. Hoje são dois. É
absolutamente inútil - afirma ele.
Villa
defende que, diante da impossibilidade de o governador seguir no
governo, seja feita nova eleição ou assuma o presidente do Legislativo
estadual.
- Se faltar mais da metade do mandato, convoca-se eleição. Se restar menos, faça um mandato-tampão com o chefe do Legislativo.
A
escolha de vices pautada por acordos políticos mais do que por
afinidades com o titular do governo não raramente produz situações
constrangedoras. Atualmente há, pelo menos, dois casos de vice e
governador rompidos politicamente. Em São Paulo, a relação entre Afif e o
governador Geraldo Alckmin (PSDB) é protocolar desde 2011, quando o
auxiliar filiou-se ao PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab, adversário
político do tucano.
No
Rio Grande do Norte, há um caso ainda mais escabroso que também tem o
PSD como pivô do rompimento entre a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e
o vice Robinson Faria (PSD). Ambos sequer conversam. Quando se
encontram em eventos públicos, o máximo de contato é um aperto de mãos.
Faria não é convidado para os eventos do governo e, prova da guerra
declarada entre os dois, o vice ficou de fora da distribuição dos carros
oficiais comprados recentemente para todo o primeiro escalão do
governo. Rosalba evita viagens longas para que o vice não assuma o
comando do estado. Em 2012, ela foi a única governadora do Nordeste a
não participar de um evento do Banco Mundial em Washington para não
entregar a cadeira ao substituto.
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Essas relações de intrigas são mais comuns do que imaginamos. Café
Filho, por exemplo, era vice de Getulio, mas nem apareceu no enterro do
presidente - conta Villa.
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domingo, 2 de junho de 2013
A solidez de nossas instituições...
O Globo, 2 de junho de 2013.
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