sábado, 22 de junho de 2013

O risco da desordem geral

O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 2013.

'Se isso desandar, pode dar em desordem muito grande'

Escritor vê com ressalvas questionamento do poder constituído, mas avalia que seus 'donos têm que botar as barbas de molho'

22 de junho de 2013 | 2h 07


ROBERTA PENNAFORT / RIO - O Estado de S.Paulo
Aos 82 anos, o escritor Ferreira Gullar, que participou da organização da Passeata dos Cem Mil, em 1968, e foi às ruas pelas Diretas Já, em 1984, vê as manifestações recentes como resultado de uma mobilização sem precedentes no País.
"Eu nunca vi manifestações de tal proporção, e durante tanto tempo", disse Gullar. "O grande problema é para onde isso vai, pelo fato de não ter organização política por trás."
O escritor diz ser "impossível saber o desdobramento disso", mas avalia que "os donos do poder têm que botar as barbas de molho."
Em sua opinião, em que vão resultar os protestos?

É imprevisível. Falam que é a mesma coisa que está acontecendo na Europa, mas não é. O problema da Grécia, Espanha, Turquia, Síria, não é o nosso. O que é comum é a mobilização das redes sociais, mas não é um fenômeno internacional.

Estávamos subestimando os jovens?

Ver os jovens com aqueles cartazes reivindicando coisas é fundamental. Existe uma juventude disposta a brigar. Isso pode ajudar a mudar a qualidade da política brasileira, mas não é do dia para noite. A maioria é classe média, não é o pobre, porque esse ganhou o Bolsa Família.

O que o sr. acha da pauta de reivindicações?

São questões importantes que estão sendo colocadas e que implicam uma mudança profunda de muitas coisas que estão estabelecidas. Se isso desandar, pode dar em desordem numa escala muito grande. Meu medo não é com relação aos baderneiros, e sim com relação à solução política. Está sendo questionado o poder constituído, é o Congresso, é o Executivo, os governos estaduais, prefeituras, que foram eleitos democraticamente. Acho que devia ser procurado o diálogo.
Como comparar essas manifestações atuais com a Passeata dos Cem mil, as das Diretas Já e as do Fora Collor (em 1992)?
Em 68, a própria ideia de ir para a rua se manifestar era algo muito arriscado, porque a polícia atirava com bala de verdade, não de borracha. Como manifestação de massa, essa é a maior que eu vi. Maior que a de 68 e as outras de depois. É impressionante a quantidade de gente, sem ter partidos organizando. Em 68, a igreja participou, sindicato, entidades participaram, ajudaram a organizar. Agora foi mais espontâneo.

Como vê a recusa dos manifestantes em se vincular a partidos?

O movimento é contra todos os partidos, Dilma, Lula. Eles foram rechaçados. Os manifestantes têm razão de não quererem partidos. Os donos de poder têm que botar as barbas de molho. É o povo desorganizado fazendo reivindicações pertinentes e sérias. No Egito, na Líbia, os grupos se organizaram para disputar o poder. Aqui o poder é eleito. Isso não deve e não pode acontecer.

Não se previu o que viria...

Escrevi um artigo meses atrás dizendo que, como UNE, CUT e os sindicatos foram apropriados pelo governo, o povo não tem representação. A única saída era ir para a rua desorganizados...


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