Odor fétido
20/06/2013 – 12:27 pm
O Cafezinho
Coluna semanal Um Cafezinho com Wanderley
Contrabandos autoritários em boa fé alheia
Por Wanderley
Guilherme dos Santos
É frenética a
competição pela atribuição de sentido a manifestações deste junho que já não
possuem sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação pela mídia
conservadora, que obteve sucesso em pautar as demandas e insinuar o roteiro das
caminhadas, às solenes reflexões sobre o aprofundamento da participação popular
e o esgotamento da democracia representativa, nada faltou para obscurecer o já
espinhoso desafio de compreender o sucesso e eventuais explosões de coletividades.
Até mesmo a subserviente beatificação da juventude pelos velhotes assustados
com o estigma de superados, caso não adotem o corte de cabelo à moicano,
compareceu. Mas em seu tempo, a bem da verdade, nenhum deles foi preservado de
cometer sandices pela juventude de que desfrutavam.
É razoável atribuir
ao aumento nas tarifas dos transportes coletivos a força causal que pôs em
movimento as primeiras manifestações. A repressão bruta, na cidade de São
Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de junho, forneceu uma razão suficiente
para a velocidade inédita com que manifestações semelhantes se disseminassem
horizontalmente em várias capitais. Ao saírem às ruas, na segunda-feira, dia
17, o que as marchas conquistaram em adesão extensa perderam em unidade reivindicatória.
Do mesmo modo, a causalidade que mobilizava o povaréu tornou-se múltipla e não
automaticamente coerente. A lista de reivindicações avolumou-se, fragmentando
os grupos de interesse e anunciando o óbvio: é impossível atender completa e
instantaneamente a todas as deficiências do país. Insistir nisso é torcer por
um impasse sem negociação crível. O clima ficou grávido de sinais disparatados,
com a ausência de coordenação de legitimidade reconhecida. Paraíso para todos
os oportunismos, charlatanices, além dos equívocos de boa fé.
Nada a ver com os
“cara pintadas” do “Fora Collor”. À época, todos foram às ruas com o mesmo e
único propósito: o impedimento do presidente . Princípio causal único do
movimento, indicava o que era apropriado e o que não era apropriado fazer. Não
havia sentido, para o objetivo comum, promover depredações, alienar aliados ou
desrespeitar adversários. Muito menos aproveitar a audiência para fazer
propaganda de algum interesse faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo,
nas manifestações sobre aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um
aprofundamento do processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e por
conta disso lá virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não
parem, apenas substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas licitações
ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou, ainda
melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de
participação da Petrobrás? As
suaves apresentadoras do sistema golpista de comunicação passaram a perguntar
ao repórter que cobria manifestação na cidade de Niterói se os protestos não
iriam se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo depois dos prefeitos do Rio e de
Niterói revogarem o aumento nos transportes. Em qualquer democracia que se
preze essa incitação à desordem não ficaria sem conseqüência.
Ao contrário de ser
uma beleza de movimento sem líderes, o espontaneísmo infantil se revela um
desastre na confissão de alguns de que não conseguem impedir a violência de sub-grupos.
Nem por isso deixam de ser responsáveis por ela na medida em que continuarem
recusando a adesão cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento
reconhecido, instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das
manifestações. É politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a
associação de movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde
que submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé
democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão sub-repticiamente
provocando o descrédito de legítimas instituições democráticas a pretexto de
alargar a esfera de liberdade do espaço público?
Não são só os de boa fé e bem intencionados que se
manifestam e pautam o “espontâneo” alheio. Reconheço o odor fétido dessa teoria
de longe.
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