Míriam Leitão,
O Globo
Reforma política, como a reforma tributária, é aquilo que todo
mundo é a favor, mas cada pessoa tem uma proposta diferente. Um plebiscito para
decidir se deve haver uma constituinte exclusiva para isso pode ser uma boa
ideia.
O que não é bom é chamar os governadores para dizer que “antes o
país era governado apenas para um terço dos brasileiros”. Isso ofende a
oposição e os fatos.
A presidente herdou do seu antecessor a convicção equivocada de
que o Brasil começou em 2003. Houve avanços importantes na inclusão de
brasileiros nos governos petistas. Mas qualquer pessoa que acompanhou os fatos
recentes sabe que o processo de inclusão no mercado de consumo foi iniciado, e
se tornou possível, a partir da estabilização da economia em 1994/1995.
Pacto se faz costurando coincidências de pensamentos e propostas
comuns, e não lembrando mais uma vez o que separa. Isso é que dá submeter todos
os pronunciamentos que faz ao marqueteiro. Este não é momento de campanha.
A população está nas ruas num momento difícil da economia. Não
por culpa das manifestações. A economia está complicada por fatores externos e
os erros cometidos na condução da política econômica. O dólar ontem caiu pelo
segundo dia seguido, mas ainda acumula um ganho de 10% em um mês.
A bolsa continuou caindo ontem e fechou com –2,3%, na casa dos
45 mil pontos. O nível mais baixo desde abril de 2009. A desaceleração da China
atinge a Vale que, como exportadora, poderia até se beneficiar da alta do
dólar; a disparada da moeda americana atinge todas as empresas endividadas em
dólar, mas mais ainda a Petrobras, que tem o ônus de pagar pela gasolina
importada um preço cada vez maior.
O dólar subiu diante da maioria das moedas. Subiu mais no Brasil
por dificuldades econômicas, como o déficit em conta corrente de 3,2% do PIB. A
presidente Dilma falou em pacto pela estabilidade fiscal.
Primeiro, será necessário desmontar a alquimia que faz com que
números não correspondam aos fatos. Os indicadores de dívida pública e
superávit primário perderam consistência. A estabilidade fiscal precisa, antes
de tudo, de números compreensíveis e verificáveis.
Tornar a corrupção dolosa um crime hediondo é um gesto forte,
mas o combate a esse mal tem que ser diário, e a maior arma contra ele sempre
será a transparência. Nesse ponto, a pauta das ruas coincide com o programa de
governo, se ele for implementado.
Ninguém sabe ao certo como são calculadas as tarifas públicas.
Elas são uma caixa preta deliberada ou se tornaram tão complexas que é difícil
entender os valores arbitrados pelo poder concedente. Portanto, essa é uma
tarefa de todas as instâncias governamentais, porque há serviços concedidos
pelo governo federal e pelos estados e municípios.
A defesa da presidente da Lei de Acesso à Informação é outra boa
notícia. Pena que o BNDES não se submeta a ela. Com a alegação universal de que
é detentor de sigilo bancário, o banco não presta nem ao Ministério Público as
informações que deveriam estar oferecendo espontaneamente ao distinto público.
Como o BNDES é uma máquina de usar dinheiro caro captado pelo
Tesouro e oferecer dinheiro barato às empresas, ele é o centro da distribuição
de renda para a elite do empresariado brasileiro. É ele que financia os gastos
da Copa. É o banco que garante a construção das hidrelétricas, principalmente a
mais polêmica delas, Belo Monte.
A constituinte exclusiva para a reforma política já foi
defendida por outros, como o deputado Miro Teixeira. Ela tem chances de desatar
o nó na qual se perdem todas as propostas de reformas. Melhor ainda se for
precedida de uma consulta popular para ver se é ou não o caso de fazê-la.
Na economia, no entanto, as propostas da presidente ficaram
aquém do esperado e desejável.
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