Em defesa do Congresso
por Fernando Limongi , 30/04/2012
A
confusão está armada. Supremo e Congresso entraram em rota de colisão.
Gilmar Mendes, em curta declaração, apontou o culpado: o Poder
Executivo. O Supremo se exime de culpa e responsabiliza os demais
Poderes. Suas repetidas intervenções teriam um único motivo: pôr ordem
no coreto. A omissão do Congresso, sua incapacidade de promover reformas
institucionais teria forçado as repetidas investidas do Judiciário na
seara alheia.
Rápida
revisão das decisões recentes permite concluir o contrário. Da
imposição da verticalização das coligações à intervenção do ministro
Gilmar Mendes na semana passada, o Supremo tem contribuído mais para
confundir do que para esclarecer, para lembrar o refrão do saudoso
Chacrinha.
As
decisões emanadas do Poder Judiciário têm sido tão ou mais
“casuísticas” do que as do Congresso Nacional; todas, sem exceção,
prenhes de efeitos imediatos para a disputa político- partidária. Não há
isenção possível neste tipo de questão. Tampouco é possível argumentar
em nome do fortalecimento da democracia ou coisa do gênero. Qualquer
decisão tomada favorecerá alguns partidos e prejudicará outros.
Segundo
o noticiário da imprensa, o ministro Gilmar Mendes teria identificado
vícios formais na tramitação da proposta apresentada pelo deputado
Edinho Araújo (PMDB-SP). O Congresso teria agido de forma rápida demais.
Não deixa de ser irônico. O Congresso é sempre atacado por sua omissão
ou morosidade. Quando é ágil, levanta suspeição. Tamanha celeridade só
se justificaria por razões escusas.
O
fato é que o Congresso pode agir rapidamente e o faz com frequência. O
ritmo da tramitação das matérias é ditado pela maioria, respeitada as
normas regimentais. A intervenção do ministro se justificaria se estas
normas e ritos tivessem sido violados. Foram? Se sim, quais? A opinião
pública não foi informada dos vícios formais identificados pelo ministro
Gilmar Mendes. Pelo que se depreende do que publicado na imprensa, a
celeridade em si foi questionada. A suspeição motivou a intervenção.
Muitos
analistas comungam da desconfiança que motivou a medida cautelar. O
Congresso só se moveria com esta presteza para defender interesses
particulares e imediatos. Por isto, mesmo, a medida foi comparada ao
Pacote de Abril.
O
governo estaria alterando a legislação em causa própria. No entanto, é
preciso ter claro que o Congresso estava apenas restaurando o status quo vigente
antes da surpreendente intervenção do Supremo, concedendo tempo de TV
ao partido criado por Kassab. Note-se: a emenda mais polêmica foi
proposta pelo DEM e não por um partido da coalizão que apoia a
presidente Dilma.
O
tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HPGE) conferido a
cada partido é proporcional à sua bancada na Câmara dos Deputados.
Partidos ganhavam tempo na TV na medida em que conseguiam aumentar suas
bancadas. O Congresso Nacional, tempos atrás, barrou esse incentivo à
migração partidária, impondo como referência a bancada eleita, isto é, a
vontade do eleitor expressa nas urnas nas últimas eleições.
Com
esta decisão, um dos principais estímulos à migração partidária foi
neutralizado. Foi esta decisão do Congresso Nacional – e não a imposição
da fidelidade partidária pelo STF – a maior responsável pela diminuição
das dança das cadeiras. Aliciar parlamentares para ganhar tempo na TV
deixou de figurar entre as estratégias dos pré-candidatos à Presidência.
O
STF, ao decidir que o PSD tinha direito a tempo na TV proporcional à
sua bancada, reintroduziu, pela porta dos fundos, a motivação para a
migração partidária. A estratégia teve que ser devidamente adaptada. Em
lugar de atrair deputados, cria-se um novo partido. As restrições
impostas pelo CN podem, agora, ser contornadas. A oportunidade foi
prontamente percebida e alguns partidos, não necessariamente os mais
fisiológicos, logo viram como tirar proveito das novas oportunidades.
Repentinamente,
após anos de convivência, PPS e PMN descobriram suas afinidades
ideológicas. Note-se o que está em jogo. Não se trata apenas de somar os
tempos de TV que PPS e PMN têm direito em função da bancada que
elegeram em 2010. Se fosse isto, a fusão teria o mesmo efeito que uma
coligação. A fusão soma tempo de TV desde que seja capaz de atrair novos
parlamentares, por exemplo, do DEM e do PMDB. Estes, ao se juntarem ao
novo partido, carregam consigo seu tempo de TV. E é assim por força da
decisão tomada pelo Supremo quando da criação do PSD.
A
contradição entre esta decisão do Supremo e a que impôs a fidelidade
partidária é patente. Afinal, a quem pertence o mandato parlamentar? Na
realidade, ao assegurar tempo na TV ao PSD, o Supremo contradisse
decisão tomada pouco antes, quando a bancada do PSD teve negada sua
participação na distribuição de cargos no interior do Poder Legislativo.
Depois desta decisão, ninguém mais, nem mesmo o PSD e seus aliados
esperavam que o partido ganhasse tempo na TV.
Nestes
termos, a proposta do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) e a emenda do
DEM são reações a um “casuísmo”. O Supremo alterou as regras do jogo.
Difícil sustentar que a intervenção do Judiciário tenha contribuído para
fortalecer os partidos e aperfeiçoar a democracia. Basicamente, a
proposta, que o ministro Gilmar barrou antes que sua tramitação chegasse
a termo, simplesmente restaurava o status quo.
As
intervenções do Supremo no terreno da legislação eleitoral e partidária
– é tempo de afirmá-lo com todas as letras – carecem de coerência. O
Supremo, por paradoxal que possa parecer, tem sido fonte de
instabilidade.
Fernando Limongi é professor-titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP)
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