Com ditadura é mais fácil
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José Horta Manzano
Empresário e editor do blog BrasildeLonge.com
“L’important
dans la vie ce n’est point le triomphe, mais le combat. L’essentiel
n’est pas d’avoir vaincu, mais de s’être bien battu.” O importante na
vida não é o triunfo, mas o combate. O essencial não é vencer, mas lutar
bem.
Que
me perdoem a longa citação. É a famosa máxima — geralmente mencionada
truncada — do barão Pierre de Coubertin, aquele que, 120 anos atrás,
ressuscitou os Jogos Olímpicos. Achei importante citá-la na íntegra.
Quando
o barão pronunciou essas palavras, todos fingiram acreditar. Mas elas
seguem um raciocínio contrário à natureza humana. Não tivessem nossos
antepassados vencido, não estaríamos nós aqui. É importante lutar, mas
vencer é o objetivo natural de toda contenda. Ninguém compete pelo
simples prazer de renhir. Dizem alguns biógrafos, aliás, que nem o
próprio barão acreditava na frase que havia pronunciado.
Há
mentiras e meias verdades em que a gente faz que acredita. Nem que seja
só para evitar discussão. Um antigo presidente de nossa República,
quando ainda exercia o cargo, disse certa feita que a Venezuela padecia
de excesso de democracia. Todos fizeram cara de acreditar. Pra que
discutir?
François
Hollande, quando ainda candidato à Presidência da França, garantiu que
consertaria a economia do país já no primeiro ano de mandato. Alguns
eleitores acreditaram, outros só fizeram cara. O homem foi eleito. Um
ano depois, a economia continua a mergulhar num abismo que parece não
ter fim, enquanto a taxa de desemprego sobe à estratosfera. Esses dias,
Monsieur Hollande voltou a prometer que, daqui para o fim do ano, sem
falta, estará tudo dominado e o país terá entrado nos eixos. Agora, vai.
A gente faz que acredita. Pra que discutir?
No
Brasil, ao término de um processo conhecido como mensalão, alguns
figurões de alto coturno foram considerados culpados e, ato contínuo,
condenados por crimes vários. Curiosamente, alguns dos anjos caídos —
justamente os que mais alto se situavam na hierarquia — continuam a
jurar não ter jamais cometido os crimes pelos quais foram sentenciados.
Alegam ter sido vítimas de uma farsa grotesca e garantem que uma corte
internacional de arbitragem reconhecerá a iniquidade da condenação.
Todos fazemos de conta que acreditamos. Pra que discutir?
De
vez em quando, um medalhão nos surpreende com alguma declaração fora de
esquadro. Semana passada, por exemplo, o secretário-geral da Fifa nos
brindou com uma pérola. Em tom de queixa contra a burocracia brasileira,
afirmou que “um nível mais baixo de democracia é preferível para
organizar uma Copa do Mundo”. Trocando em miúdos, o mandarim insinuou
que, na hora de preparar um campeonato mundial, nada se compara a uma
boa ditadura.
O
secretário-geral tem tudo para se sentir blindado. No ano passado,
depois de fazer um de seus desastrados pronunciamentos, foi declarado
persona non grata pelo ministro dos Esportes do Brasil. Sabe-se lá por
que milagre, o incêndio foi apagado rapidinho e o episódio foi
esquecido. Monsieur Valcke voltou a ser persona grata em nossas terras.
De
novo incensado, sentiu-se livre para reclamar da quantidade de
interlocutores com os quais é obrigado a dialogar no Brasil. Gostaria de
ter uma só pessoa com quem conversar. Se essa pessoa for o mandachuva
maior, melhor ainda.
O
secretário-geral mostrou-se nostálgico da Copa de 1978, aquela que
serviu de vitrina para os ditadores argentinos mostrarem ao mundo a
excelência do regime. Na época, naturalmente ninguém mencionou o lado
sombrio e as dezenas de milhares de desaparecidos.
Para
coroar, o figurão não se privou de formular votos para que a Copa
seguinte, a da Rússia, seja mais do seu feitio. Chegou ao despudor de
mencionar o nome de Putin. Mostrou-se seguro de que o czar de todas as
Rússias ainda estará firme no poder, e de que, com ele, o diálogo será
mais fluido. Ninguém duvida.
O
relacionamento entre a Fifa e o governo brasileiro é complicado,
difícil de delinear. O que parece nem sempre é. A riquíssima Fifa é
organização notoriamente corrupta. A elite política brasileira também
está habituada a lidar com muito dinheiro e não costuma mostrar especial
empenho em coibir a corrupção por estas bandas.
Mas
cada turma tem seus métodos, seu jeito de operar. Mal comparando,
costurar um acordo entre a Fifa e os governantes brasileiros é tentar
conciliar, digamos, capos da Máfia siciliana com chefes da Camorra
napolitana. Para chegar lá, precisa ter boa vontade e paciência. Muita
paciência.
Nosso consolo é que, no fim, o esporte vencerá. Afinal, o importante é competir. Pra que discutir?
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sábado, 4 de maio de 2013
Capos da Máfia vs.chefes da Camorra
Correio Braziliense, 4 de maio de 2013.
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