sexta-feira, 17 de maio de 2013

Kurlantzick: "a democracia está em retrocesso"

"A democracia está em retrocesso"

Autor(es): Por Vitor Paolozzi | De São Paulo
Valor Econômico - 17/05/2013
 

A democracia está em retrocesso no mundo e as grandes potências cometem um erro se acham que se trata apenas de um ciclo temporário e que o avanço global das eleições e das liberdades é um processo natural e inexorável. Esse é o alerta do recém-lançado livro "Democracy in Retreat: The Revolt of the Middle Class and the Worldwide Decline of Representative Government" (o recuo da democracia: a revolta da classe média e o declínio mundial do governo representativo; Yale University Press), do americano Joshua Kurlantzick, pesquisador do Council on Foreign Relations, um dos mais importantes centros de estudos de política externa e relações internacionais dos Estados Unidos.
A partir de pesquisas de três renomadas instituições - Freedom House, Bertelsmann Foundation e Economist Intelligence Unit -, que detectam a expansão dos regimes repressivos, Kurlantzick afirma que o declínio democrático não se concentra em uma região ou continente específicos e escreve que "diferentemente das ondas de retrocesso dos anos 1960 e início dos 1970, as democracias nascentes hoje têm novos modelos de desenvolvimento que fundem capitalismo bem-sucedido com governo não democrático" - a maior dessas fontes de inspiração seria o Consenso de Pequim, termo criado pelo jornalista americano Joshua Cooper Ramo para definir o capitalismo autoritário chinês. Em entrevista ao Valor, Kurlantzick discorre sobre este e outros temas econômicos mundiais da atualidade.
Valor: O senhor diria que o FMI, o Banco Mundial e as grandes potências que defenderam o Consenso de Washington podem ser responsabilizados pelo atual declínio da democracia, na medida em que todas as promessas neoliberais vendidas por ele mostraram-se irrealistas?
Joshua Kurlantzick: Creio que apenas de forma tangencial, pois, antes de mais nada, os problemas estão em países em desenvolvimento, e têm que ser resolvidos por esses países. Mas atores externos realmente tiveram um papel ao vincular crescimento e democracia, ao passo que tais vínculos não existem nos estágios iniciais da democracia.
Valor: Com a China ganhando cada vez mais proeminência, é aposta segura acreditar que o Consenso de Pequim terá mais seguidores? Por outro lado, a demanda por democracia não vai crescer dentro da China, como sugerem experimentos com eleições diretas em algumas cidades?
Kurlantzick: Não houve eleições de verdade em cidades grandes na China. É possível que a China mude, mas na verdade eu diria que o país se tornou menos livre, entre as classes médias e elites, do que nos anos 1980 - elas estão mais cooptadas. Penso que, se a China continuar tendo um forte crescimento, o Consenso de Pequim terá, sim, ressonância.
Valor: O senhor mencionou o México como exemplo de país no qual a democracia está em risco, com os militares ganhando mais poder. Mas o presidente Enrique Peña Nieto parece estar acelerando reformas profundas no país. Isso não é prova da resistência da democracia mexicana?
Kurlantzick: Acho que isso dependerá do papel de longo prazo das forças de segurança, da relação delas com o governo e do nível de controle que o presidente tem sobre elas.
Valor: O senhor diz que as potências emergentes não estão defendendo a democracia com a ênfase que deveriam, e cita o Brasil como exemplo. Mas não concorda que, nos dois casos recentes em que o Brasil poderia de fato exercer influência, nos golpes em Honduras e no Paraguai, o país foi firme na defesa da democracia?
Kurlantzick: Creio que o Brasil tem sido melhor do que, por exemplo, a África do Sul, mas ele adotou uma posição de fechar os olhos para o Irã, a Venezuela e outras regiões. Além disso, como eu menciono no livro, o Brasil geralmente não vota nas Nações Unidas para criticar o histórico de outros países quanto aos direitos humanos.
Valor: O senhor considera crucial para as novas democracias a obtenção do apoio das classes médias. Para evitar que elas se rebelem contra a democracia, novos governos deveriam colocá-las na frente das classes pobres em suas prioridades?
Kurlantzick: Não necessariamente, não creio que as duas classes sejam hostis entre si. Há líderes, como Lula, que ajudaram imensamente os pobres sem destruir os direitos constitucionais, ao contrário do que fizeram outros líderes que enfureceram as classes médias. Não se trata de um equilíbrio impossível.
Valor: A maioria dos marqueteiros diria que para vencer eleições é necessário vender sonhos. É viável para um político em campanha administrar as grandes expectativas e, ao mesmo tempo, ganhar a eleição?
Kurlantzick: Acredito que é possível para a primeira geração de líderes eleitos, os Nelson Mandelas, as Cory Aquinos etc., já que gozam de enorme autoridade moral. Essa autoridade não é tão grande no caso dos líderes posteriores.
Valor: Com a atual crise econômica global, o senhor vê alguma grande democracia em risco?
Kurlantzick: Sim, Itália e Grécia.
Valor: O senhor terminou de escrever o livro no fim de 2011. Há alguma coisa que tenha ocorrido desde então que acrescentaria à sua obra?
Kurlantzick: Haveria um pequeno adendo sobre o Egito, que eu imagino que ainda esteja numa situação indefinida. As classes médias e superiores egípcias parecem estar reagindo de uma maneira similar a de outros países que eu estudei. Mas ainda é muito cedo para dizer algo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário