Comissão vê mentira da
Marinha sob governo civil
Autor(es):
Por Matheus Leitão e João Carlos Magalhães | Folhapress, de Brasília
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Valor
Econômico - 22/05/2013
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A Comissão Nacional da Verdade acusou ontem a
Marinha de mentir para a Presidência da República, para o Ministério da
Justiça e para a Câmara dos Deputados sobre o que aconteceu com desaparecidos
durante o regime, após o fim da ditadura militar (1964-1985). A informação
foi dada no balanço de um ano de trabalho do colegiado.
Questionada em 1993, durante o governo Itamar
Franco, por esses três órgãos sobre o destino de militantes de esquerda
desaparecidos, a Marinha deu versões diferentes das contidas em documentos lá
produzidos. A pesquisadora e assessora da comissão Heloísa Starling, ao
apresentar esta conclusão, afirmou que esses documentos são prontuários
produzidos pelo Cenimar (órgão de espionagem da Marinha).
Na época, Itamar Franco pediu ao então ministro
da Justiça, Maurício Corrêa, que questionasse a Marinha sobre violações. Na
resposta, o órgão omitiu informações sobre 11 nomes detalhados nos
prontuários. A comissão comparou os documentos e chegou a esta conclusão.
A comissão mostrou também documentos que
delineiam a linha de comando da repressão nos DOI-Codis, centros de repressão
aos movimentos contrários à ditadura. Segundo a comissão, os papéis mostram a
cadeia de comando até os ministros militares, o que evidencia a
responsabilidade do Estado brasileiro, e não apenas de indivíduos isolados,
nas violações. Apontar os responsáveis, mesmo nos altos graus da hierarquia,
é uma das funções do colegiado. Durante a apresentação, Starling nomeou parte
desse comando - como o almirante Ivan Serpa.
Heloísa Starling fez uma apresentação
demonstrando como, diferentemente do que a historiografia mostra, as
violações, em especial as torturas, começaram mesmo antes de 1968, quando é
instituído o Ato Institucional 5, medida que endurece ainda mais o regime.
"Ela [tortura] está na origem do golpe de
1964, antes do início da luta armada", disse Starling, contradizendo a
principal argumentação dos militares: a de que eles estavam lutando contra
grupos organizados que queriam instalar uma ditadura comunista no país.
A pesquisadora lembrou que o general Ernesto
Geisel, em 1965, chegou a produzir um relatório sobre as crescentes denúncias
de torturas na imprensa à época. O chamado "relatório Geisel" negou
as denúncias e, assim, disse Starling, "inoculou" a prática de
tortura no sistema. Ao menos 32 centros de tortura foram encontrados pela
comissão em sete Estados só entre 1964 e 1965.
Para demonstrar que o próprio Cenimar reconhecia
práticas de violência contra seus próprios agentes infiltrados em grupos de
esquerda, Starling mostrou um documento produzido pelo órgão. Ela disse que,
nesse papel, a violência aparece como "um dado", não havendo nenhum
pedido de investigação sobre o ocorrido.
Os membros da comissão confirmaram que, em seu
relatório final, devem fazer algum tipo de recomendação para possibilitar que
agentes da repressão sejam judicialmente responsabilizados pelas violações.
Hoje, eles estão livres de qualquer processo graças ao entendimento de que
eles são beneficiados pela Lei da Anistia - corroborado pelo Supremo Tribunal
Federal em 2009.
Não está claro o que será feito. Uma das
possibilidades é que seja recomendado que o STF mande executar decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, de 2010. A Corte determinou que o Estado
brasileiro encontre e puna os responsáveis pelo desaparecimento de 62
guerrilheiros no Araguaia (maior levante armado contra a ditadura, organizado
pelo PCdoB na Amazônia).
Criada para desvendar as milhares de violações
aos direitos humanos ocorridas na ditadura, a comissão não apresentou no
balanço de ontem a resolução de nenhum caso.
O relatório parcial - o prazo de funcionamento do
grupo foi estendido, e agora terminará no fim de 2014 - traz um apanhado
geral do que a comissão fez até agora. Os integrantes do grupo afirmam que só
será apresentado um relato detalhado de todas as violações no relatório
final. Paulo Sérgio Pinheiro, que deixa a coordenação do grupo e dá lugar à
colega Rosa Cardoso, afirmou que é impossível dizer se a solução de cada uma
das violações de fato ocorrerá.
O relatório parcial do grupo lembra que a
comissão tem hoje 13 subgrupos de pesquisa, que se foca na pesquisa
documental e na coleta de depoimentos.
Durante o trabalho, foram localizados mais de 400
rolos de filmes da divisão de informações da Petrobras e identificadas, no
Ministério das Relações Exteriores da Argentina, 66 caixas com informações
sobre o país durante a ditadura, por exemplo.
Sobre os depoimentos, foram feitos 268 deles - 37
de militares envolvidos nas violações, 24 de vítimas militares e 207 de
vítimas civis. Os depoimentos públicos com agentes da repressão, no entanto,
só começaram há duas semanas, com a fala do coronel da reserva Carlos Alberto
Brilhante Ustra.
Rosa
Cardoso afirmou que não está descartada que a comissão peça à Justiça ordens
para entrar em órgãos do Exército, da Aeronáutica e da Marinha em busca de
documentos que as Forças não tenham cedido.
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