A velha e anacrônica CLT
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"As leis permanecem em vigor não por serem boas, mas por serem leis" Montaigne.Pazzianotto Pinto
A
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) integra "a família de códigos
gerados pelo Estado Novo, entre o final da década de 1930 e o início dos
anos 40.0 Brasil encontrava-se sob a ditadura de Getúlio Vargas,
implantada em 10 de novembro de 1937 com a edição da Carta
Constitucional redigida por Francisco Campos, ministro da Justiça. O
mundo, por sua vez, acompanhava os horrores da 2 a Guerra Mundial,
deflagrada em 1939 pelo Eixo Nazi-Fascista, formado por Alemanha e
Itália. Indeciso entre manter-se neutro ou apoiar os países aliados,
liderados por Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética, Vargas
finalmente se decidiu pela defesa das liberdades democráticas, em
visível paradoxo com o despotismo aqui vigente.
Da
redação da CLT foram encarregados, em fevereiro de 1942, quatro
procuradores da Justiça do Trabalho: Luís Augusto do Rego Monteiro, José
de Segadas Viana, Dorval de Lacerda e Arnaldo Sussekind. A tarefa
estava encerrada no curto período de dez meses. O ministro do Trabalho,
Alexandre Marcondes Filho, recebeu o anteprojeto em 5 de novembro de
1942 e publicou-o em 5 de janeiro de 1943.
Em
1.° de maio daquele ano Vargas celebrou o Dia do Trabalho com a edição
do Decreto-Lei n.° 5.452, que aprovou a CLT. No relatório ao ministro
Marcondes Filho, escreveram os integrantes da comissão, em desnecessária
manifestação de subserviência: "Uma rara glória cabe, todavia, ao
presidente Vargas: nenhum dos grandes codificadores participou do prévio
processo de disseminação das leis, pois viveram apenas o período de
maturidade jurídica; ao contrário, o lúcido e feliz chefe do Estado
criou, ele próprio, todo nosso complexo Direito Social e assiste agora
ao triunfo de sua obra consolidada".
Foi
na Carta dei Lavoro de 1927, em que se fundava o corporativismo
fascista do ditador italiano Benito Mussolini (1883-1945), que Getúlio
Vargas se inspirou para fixar as bases da estrutura sindical vigente no
País. O preâmbulo da Carta refere-se ao "estado de apreensão criado no
país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e
profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente". A esse
pretexto, o ditador interveio nos Estados e lhes impôs interventores,
lacrou o Congresso, liquidou partidos, aniquilou a liberdade de
imprensa, perseguiu adversários e se conservou no poder até 29 de
outubro de 1945, quando foi derrubado pelos comandados.
A
desindustrialização e a informatização exigem novo pacto nas relações
de trabalho do general Eurico Dutra, seu condestável por oito anos.
Novamente
na Presidência da República, agora eleito pelo povo, Vargas tinha o
direito de dizer, em discurso pronunciado no 1.° de Maio de 1952:
"Talvez seja o único país do mundo onde a legislação trabalhista nasceu e
se desenvolveu não por influência direta do operariado organizado, mas
por iniciativa do próprio governo, como realização de um ideal a que
consagrei toda a minha vida pública e que procurei pôr em prática desde o
momento em que a Revolução de 1930 me trouxe à magistratura suprema da
nação".
Se
do ponto de vista jurídico a CLT admite críticas, e exige ampla e
profunda revisão, como obra de engenharia política revelou-se
insuperável. Foi graças a ela que Vargas voltou ao poder como líder das
massas, apelidado "pai dos pobres". Para revê-la e modernizá-la será
indispensável transpor obstáculos políticos, ideológicos, demagógicos e
desfazer mitos, como o de ser a legislação mais perfeita do planeta.
O
primeiro esforço concreto de mudança deu-se em 1974, quando se
instituiu comissão interministerial destinada a empreender estudos de
atualização. Nova comissão, com objetivo idêntico, formou-se em 1975.
Ambas nada realizaram.
Em
1979, o recrudescimento das greves convenceu o governo da inexistência
de instrumentos legais eficazes que lhe permitissem administrar
conflitos que se multiplicavam. Rearticulou-se a comissão
interministerial, que, finalmente, elaborou anteprojeto, entregue à
Câmara dos Deputados em maio de 1979 pelo então ministro do Trabalho,
Murilo Macedo. A extensão do documento, com 922 artigos e 24 anexos,
decretou-lhe o insucesso e remeteu-o ao esquecimento.
A
mais recente tentativa de reforma ocorreu no primeiro mandato do
ex-presidente Lula, que, quando dirigente sindical, nos anos 70,
defendia a redução da legislação trabalhista e se comprometia a
exterminar o peleguismo. O Fórum Nacional do Trabalho, instalado no
Palácio do Planalto em agosto de 2003, após dois anos e dezenas de
reuniões propôs emendas aos artigos 8.°, 11.0, 37.0 e 114.0 da
Constituição federal e preparou um anteprojeto de lei de relações
sindicais. Ambas as iniciativas tiveram destino idêntico ao do projeto
do ministro Murilo Macedo: repudiadas, não mereceram sequer ser
discutidas.
A
septuagenária CLT está esgotada. Alarmantes estatísticas da Justiça do
Trabalho deixam claro que o paternalismo celetista é gerador de
conflitos, responsável pela insegurança que permeia o mercado de
trabalho, e fonte de incalculável passivo trabalhista.
O
fenômeno da desindustrialização, provocado pela concorrência asiática,
aliada ao custo Brasil, e a informatização devastadora de empregos
exigem novo pacto entre governo, patrões e empregados. Para obtê-lo será
obrigatório modernizar as relações de trabalho, tomando como pontos de
partida a democratização da estrutura sindical - na qual perduram raízes
corporativo-fascistas - e a defesa das negociações coletivas, como
instrumentos de flexibilização da legislação rígida e ultrapassada. *
A desindustrialização e a informatização exigem novo pacto nas relações de trabalho.
Advogado, foi Ministro do trabalho e Presidente do tribunal Superior do trabalho.
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quarta-feira, 1 de maio de 2013
Enclave autoritário
O Estado de S. Paulo, 1 de maio de 2013.
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