"Office boy" do despotismo
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Marcelo Coutinho
Toda
vez que o governo comete uma grande incongruência em matéria de
política externa envolvendo seu apoio, direto ou indireto, a regimes
autoritários, alega puro pragmatismo. "Nosso ponto de vista é comercial,
não político", dizem os diplomatas. Mas a verdade é outra.
Uma
nova embaixada brasileira aberta em 2009 no regime mais fechado do
mundo e que quase desencadeou uma guerra nuclear, na Coreia do Norte,
rendeu muito pouco em termos reais. O comércio anual entre os dois
países é ínfimo, em torno de US$ 350 milhões (com a Coreia do Sul é de
US$ 15 bi).
O
estreitamento de laços com o Irã acompanhou o aumento das exportações
para US$ 2,5 bi. No entanto, há maneiras menos perigosas de se
estimulá-las. Países como China e Alemanha, que não tentaram nenhuma
aventura, como subscrever o programa nuclear iraniano que pode
desencadear uma guerra de grandes proporções, conseguiram melhores
relações comerciais na terra dos aiatolás. Isso sem falar na Síria.
Com
a África, nossas relações comerciais cresceram 85% em seis anos,
atingindo 26 bi de dólares em 2012, mas não foi por causa de ditaduras
como na Guiné Equatorial. A demora em se posicionar na queda de Kadafi
na Líbia não salvou o investimento de uma construtora brasileira, ao
contrário. Para obter vantagens econômicas, não é necessário que
Brasília envie uma carta ao Comitê dos Direitos Humanos na ONU, como foi
feito em 2010, pedindo para pararem de censurar as violações dessas
ditaduras. O Brasil não pode fazer papel de "office boy" do despotismo
mundial.
A
cobertura que o governo brasileiro dá aos irmãos Castro em Cuba e aos
chavistas na Venezuela se deve à lógica "longe dos EUA, perto do
Brasil". O comércio com a ilha caribenha é irrisório e os investimentos
brasileiros por lá beneficiam mais Havana. Já na Venezuela, justamente
porque o vizinho se tornou um bom mercado para o Brasil é que não
deveriam nos interessar instabilidades provocadas pelo labirinto
autoritário.
A
verdade é que essa política torta do Brasil em questões de direitos
humanos e democracia foi acompanhada por um inédito processo de
desindustrialização. Além de já termos perdido quase 1/3 dos nossos
mercados externos potenciais em manufaturas desde 2008, as exportações
brasileiras totais, incluindo alimentos e bens primários, caíram 5,3% só
em 2012.
Apoiar
ditaduras não está gerando mais empregos no Brasil e nem ajudando o
país a crescer. Outra prova de que a perda comercial coincide com o
recrudescimento da política externa é que a diferença entre importados e
exportados de produtos industriais aumentou 11 vezes desde 2007.
A
eleição na OMC não altera em nada o incrível déficit de US$ 100 bi
previsto para este ano. O próprio Roberto Azevedo disse ao Congresso que
temos que ter orgulho da condição primário-exportadora do Brasil,
inaugurando, assim, a "política externa da soja". Portanto, inventem
outra desculpa para os seus erros nesse inútil sacrifício de valores.
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sábado, 25 de maio de 2013
Direção da causalidade: política externa e interna
O Globo, 25 de maio de 2013.
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