Tema em discussão: A proposta da revisão da Lei da Anistia
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27 Mai 2013
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Nossa Opinião - Sem sentido
A
proposta de alteração da Lei da Anistia não é nova. Com a chegada ao
poder de ex-perseguidos pela ditadura militar, no Executivo federal e
Legislativo, o tema passou a ser tratado com maior frequência. Até que,
no final da gestão Lula, o assunto foi contrabandeado para a terceira
versão do Programa de Defesa dos Direitos Humanos. Houve um início de
crise no Ministério da Defesa, contornado pelo então ministro Nelson
Jobim, com a ajuda de Lula e o providencial recuo do governo.
O
assunto retorna, agora, por meio da Comissão da Verdade, criada em 2010
e empossada há um ano pela presidente Dilma Rousseff, para apurar o
paradeiro dos desaparecidos e fatos ocorridos nos porões da repressão
política na ditadura militar.
Embora
não seja incumbência da comissão propor alterações na lei, alguns de
seus representantes têm dado declarações favoráveis a mudanças para que
agentes públicos envolvidos naquela “guerra suja” possam ser
processados, julgados e condenados.
Um
avanço de sinal. Os ministros da Defesa, Celso Amorim, e da Justiça,
José Eduardo Cardozo, se apressaram, em boa hora, a afastar a
possibilidade de o governo encaminhar qualquer proposta ao Congresso
neste sentido.
Entre
outras consequências negativas, a medida iria contra um veredicto do
Supremo Tribunal Federal, de 2010, segundo o qual improcedia o
entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de que a lei não
poderia beneficiar torturadores. A Ordem foi derrotada por sete votos a
dois.
Se
tentasse rever a lei, o Executivo cometeria uma ilegalidade, pois foi
referendado pela mais alta Corte do país o caráter amplo, geral e
recíproco da anistia, enviada ao Congresso pelo último governo de
generais, o de João Baptista Figueiredo, e aprovada em 1979.
Mesmo
elaborada, encaminhada e aprovada ainda na ditadura, a Lei da Anistia
foi fruto de intensa negociação entre os militares e a oposição. Tem,
portanto, uma legitimidade não existente em leis semelhantes de países
vizinhos, também ex-ditaduras. Nestes, o alcance da anistia foi
calibrado a favor dos militares. Houve contestações, mudanças, e agentes
públicos puderam ser processados e condenados. Caso diferente do
brasileiro.
Quando
a proposta da lei foi redigida, o Brasil já se encontrava na última
etapa do processo de redemocratização, formulado e executado na sua
parte mais difícil, o início, pelo antecessor de Figueiredo, Ernesto
Geisel e Golbery do Couto e Silva, seu chefe da Casa Civil. Os “porões”
em que se abrigava a “tigrada” da repressão foram vencidos no governo
Geisel, responsável pela escolha de Figueiredo.
Houve,
então, espaço de negociação sobre a Lei da Anistia, como parte do
processo mais amplo de redemocratização, a base do atual período de 28
anos de regime estável, de liberdades garantidas pela Constituição, a
fase mais longa ininterrupta de estado de direito democrático na
República. Se juridicamente já é impossível, do ponto de vista político e
histórico não faria qualquer sentido reabrir a questão.
Outra opinião - Questão de justiçaDomingos Dutra
A
verdade do que ocorreu durante a ditadura militar tem que ser plena e
total. O estágio atual da nossa democracia não admite o “jeitinho
brasileiro” para “absolver” aqueles que ativa ou passivamente
participaram das barbáries executadas durante o regime militar. Ao longo
de muitos anos, a história narra e traz, à luz do conhecimento, atos
bárbaros e covardes, ilícitos penais que não podem ser anistiados, pois
são crimes contra a humanidade e imprescritíveis.
No
Brasil a ditadura militar durou 21 anos, vitimando intelectuais,
profissionais da imprensa, artistas, empresários, militantes políticos,
sindicalistas, quilombolas, camponeses e indígenas. Diferentemente dos
nossos vizinhos, o Brasil, por meio de um parlamento dominado pela Arena
(partido que sustentou o regime militar), aprovou a Lei da Anistia e
colocou no mesmo balaio torturadores e suas vítimas.
Não
bastasse isso, com a Constituição cidadã a lentidão da abertura
política continuou nos governos tucanos, por meio de conta-gotas como a
Lei de Mortos e Desaparecidos, que é importante, mas não o suficiente
para incomodar os agentes envolvidos em violações graves dos direitos
humanos.
Nos
governos petistas manteve-se a mesma lógica de abertura lenta e
gradual, mas finalmente avançaram o Plano Nacional de Direitos Humanos e
a Comissão da Verdade. Apesar de limitada, a Comissão tem produzido
resultados parciais reveladores dos horrores ocorridos durante a
ditadura, descobertas suficientes para que se defenda a revisão da Lei
da Anistia, ou uma nova interpretação desse dispositivo.
Deve-se
ressaltar que a Lei da Anistia não é cláusula pétrea. Sua revisão, ou
nova interpretação, não é vingança. É, na verdade, justiça aos atingidos
e para as famílias das vítimas. É justiça para se alcançar a
reconciliação nacional de fato e de direito. Não é olhar pelo
retrovisor, é enxergar pelo para-brisa para que as atuais e futuras
gerações não sejam vítimas da barbárie de ditaduras. Nem tenham de
cruzar com novos Fleurys, Curiós e Ulstras.
A
revisão ou nova interpretação da Lei da Anistia será feita no marco da
democracia brasileira e pelas instâncias de deliberação institucional. O
Congresso devolveu simbolicamente os mandatos de todos os parlamentares
vitimados pela ditadura. Este mesmo Congresso anulou as cassações dos
mandatos dos comunistas Marighella, Jorge Amado, Maurício Grabois, João
Amazonas e Luiz Carlos Prestes — passos que podem avançar para aprovar o
PL 573/2011, da deputada Luiza Erundina (PSB/SP).
A
Comissão da Verdade tem o apoio de todos para cumprir a sua histórica
missão. Com sua prorrogação até 2014, coincidente com o pleito
eleitoral, sonhamos que a cidadania brasileira se expresse, elegendo um
congresso capaz de fazer avançar a agenda dos direitos humanos,
inclusive quanto à adequação da Lei da Anistia, para que possamos
acelerar esta já longa transição política e consolidar a democracia no
país.
Domingos Dutra é deputado federal (PT.MA) |
terça-feira, 28 de maio de 2013
Transição brasileira: todos com todos (II)
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