Risco de letargia, por Cristovam Buarque
Um
país pode dormir em berço esplêndido, mas seu povo e suas lideranças
não têm o direito de ficarem letárgicos quando seu futuro está ameaçado. Mas estamos sofrendo de letargia diante do esgotamento de um ciclo histórico que exige mudança de rumo.
É
visível que nossa democracia está fragilizada por causa da corrupção,
da desmoralização dos partidos tradicionais, do uso de “pacotes”
elaborado conforme os interesses do momento, do elevado custo de
campanhas, transformadas em batalhas de marqueteiros e advogados, e do
financiamento corruptor destas campanhas milionárias.
Outro
fato que demonstra esta fragilidade é o controle do Legislativo pelo
Executivo e a insólita disputa entre Legislativo e Judiciário.
É
visível o risco da perda do controle da inflação. Uma das conquistas da
democracia foi o Plano Real, adotado por unanimidade pelas lideranças
políticas nacionais e todos os governos dede 1994.
Agora, elas
parecem abandonar esta grande conquista. E o povo parece manter-se
letárgico, sem despertar para o risco do monstro da inflação e suas
consequências desestabilizadoras de todas as políticas, especialmente as
sociais e econômicas.
Também estamos letárgicos diante da
desmoralização de outra grande conquista da democracia: a transferência
de renda. Estamos letárgicos também diante do risco do aumento real do
salário mínimo, agora ameaçados pela volta da inflação e pelo risco de
que sirva como indutor de mais inflação.
Estamos letárgicos
diante da aceitação de bolsas como instrumentos permanentes sem
compromisso com a abolição da pobreza. Os brasileiros, especialmente os
beneficiários das bolsas, ainda não se despertaram para um tempo em que
se livrarão delas.
E as lideranças políticas, especialmente as
que se consideram de esquerda, parecem considerar que o Brasil já fez
sua revolução, ao distribuir um mínimo de sua imensa renda para os
pobres, mesmo mantendo o modelo social e econômico concentrador.
É preciso despertar para a necessidade de que qualquer brasileiro e sua família estejam independentes da necessidade de bolsa.
Nosso
povo e líderes também estão letárgicos diante do claro atraso da nossa
economia que, mesmo quando cresce, faz como há cinco séculos, por meio
da exportação de commodities, e há 60 anos por intermédio da produção
industrial de bens sem conteúdo cientifico e tecnológico. É preciso
despertar para o fato de estarmos aceitando no século XXI uma economia
de meados do século XX.
A letargia fica mais grave porque as
eleições presidenciais são o momento de despertar, mas até agora não se
vê qualquer dos candidatos com propostas que permitam reorientar o país.
Nenhum
deles parece estar interessado em despertar o povo da letargia diante
de uma sexta economia baseada em commodities, de uma sociedade não
emancipadora, de volta da inflação e de uma democracia acanhada e
instável, que parece ser de brincadeira.
É muito arriscado ficar dormindo enquanto o mundo inteiro se mexe, mesmo quando em crise de crescimento na produção.
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