Em noite reles, Câmara vive a Ópera dos Porcos
Josias de Souza
Deputado
desde 1971, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, poucas
vezes testemunhara semelhante espetáculo. “Foi uma das mais
constrangedoras sessões que já presenciei” em 42 anos de mandato, disse.
Referia-se à malograda tentativa de votar, na noite passada, a MP dos
Portos. Como numa ópera bufa, a coisa começou em confusão e terminou em
tragicomédia.
Tudo se passou diante das lentes da TV Câmara. O
enredo era confuso. Mas terminou como terminam todas as boas óperas –
com o canto da gorda. O deputado Antony Garotinho (PR-RJ) escalou a
tribuna. Estufando o peito como uma segunda barriga, soou dramático, à
moda de uma mãe opulenta de tenor: “Isso não pode ser transformado em
show do milhão, para tudo na vida tem limites.”
Por mais
incompreensível que fosse o desenrolar da sessão, a audiência suspeitava
desde o início que aquilo não terminaria bem. Os governistas eram os
principais opositores de Dilma Rousseff. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), líder
do partido do vice Michel Temer, comandava a turma dos que tramavam
virar do avesso a medida provisória do Planalto.
Faltava um fato
que resumisse tudo e conduzisse a encenação para aquela fase em que a
platéia balbucia “não é possível!” e a gorda entra em cena para preparar
o epílogo. “Não votarei essa emenda aglutinativa”, relampejou
Garotinho, referindo-se a uma coletânea de nove emendas à MP dos Portos
que Eduardo Cunha tivera a iniciativa de reunir e levar à mesa presidida
por Henrique Alves.
“Essa emenda aglutinativa deveria ter outro
nome”, Garotinho trovejou. “Essa, senhor presidente, não é a MP dos
Portos. Vou dizer e assumo: essa é a MP dos Porcos. Alguém disse aqui
que essa MP está cheirando mal. Não está cheirando mal, não. É podre.”
Líder do governista PR, o orador chamou os colegas de porcos e insinuou
que o plenário convertera-se numa pocilga malcheirosa. Não havia mais
dúvidas. A gorda, definitivamente, cantou.
Abespinhado, Eduardo
Cunha inflamou o plenário ao recordar que se limitara a reunir no seu
emendão nove propostas de ajustes apresentadas por outros parlamentares:
três de Márcio França (PSB-SP), duas de Luiz Sérgio (PT-RJ), uma de
Romero Jucá (PMDB-RR), uma de Paulinho da Força Sindical (PDT-SP), uma
de Leonardo Quintão (PMDB-MG) e até uma de Cidinho Santos, um suplente
do senador matogrossense Blairo Maggi, filiado ao PR de Garotinho.
O
líder do PMDB levou a mão ao fogo pelos signatários das emendas: “São
parlamentares sérios.” Recolheu os dedos ao falar de Garotinho, de quem
já foi aliado na política fluminense. “Está condenado no primeiro grau
da Justiça do Rio a dois anos e meio de cadeia, por ser chefe de
quadrilha.” Eduardo Cunha anunciou que seu partido levará Garotinho ao
Conselho de Ética. E informou que, diante do ocorrido, o PMDB não
votaria mais a MP dos Portos. Foi ecoado por pela maioria dos líderes
presentes.
Garotinho voltou à tribuna. Parte do plenário chegou a
imaginar que ele se retrataria. Deu-se o oposto. Repisou a acusação de
que a MP dos Portos virou balcão de “negociações escusas”. Voltou a
mirar na mega-emenda organizada por Eduardo Cunha: “É a emenda Tio
Patinhas”, espicaçou. “É a emenda da esperteza, do negócio”, declarou,
antes de renunciar temporariamente à liderança, passando o comando de
sua bancada ao vice-líder do PR, deputado Milton Monti (SP). O plenário
pegou fogo.
Líder do PSB, Beto Albuquerque (RS) recordou a
Garotinho que os deputados não compõem uma “tropa de guris.” Verbo em
riste, Beto esqueceu o ‘Vossa Excelência’ e cobrou em gauchês:
“Que negócio tu acha que tem aqui? Diga! Fale!”. E Garotinho: “Veste a
carapuça quem quer.” Mendonça Filho (DEM-PE) ecoou Beto: “Se tem
corrupção ou comportamento desonesto, quem acusa tem a obrigação de
apontar quais são os porcos desta Casa.”
Sem vocação para suíno,
Miro Teixeira (PDT-RJ) lamuriou-se: “Hoje, nós temos uma noite para
esquecer. Penso que não há o menor ambiente para nos prosseguirmos nessa
votação. O PDT vai entrar em obstrução. Não entendemos que se olhe com
naturalidade o que aqui se passou. É muito grave.”
Suprema ironia:
até Milton Monti, o vice-líder a quem Garotinho acabara de delegar a
condução da bancada do PR, acusou o incômodo. Ele participara da
negociação da MP dos Portos na fase anterior à votação em plenário.
Achara engenhosa a iniciciativa de Eduardo Cunha de reunir nove das 28
emendas que aguardavam na fila de votação.
Atarantado, Monti
expressou seu desconforto num linguajar confuso: “Por questão óbvia, se
eu falar ‘A’ é porque eu disse ‘A’, se eu disser ‘B’ é porque tenho
interesse em dizer ‘B’. Eu não posso conduzir mais essa questão. O
segundo vice-líder, Bernardo [Santana, PR-MG) vai conduzir pelo
partido.” Os deputados faziam fila defronte do microfone de apartes
quando Henrique Alves achou melhor atalhar o vexame: “Não quero que essa
Casa se exponha mais. Está encerrada a sessão.”
Pouco antes da
meia-noite, alcançado pelo blog no celular, Henrique explicou: “Tenho
compromisso com a imagem desta Casa. Não é razoável chamar todos de
porcos. Houve uma justa reação. O plenário se indignou. E eu tive que
encerrar. Assumi o ônus, mesmo sabendo que pode não haver mais tempo
para votar a MP dos Portos, importantíssima para o Brasil.”
A MP
que Dilma classificara como “indispensável” expira na quinta-feira (16)
da semana que vem. Além de ser votada na Câmara, teria de passar pelo
Senado. A essa altura, só por um milagre. Porém, salvaram-se quatro
empreendimentos portuários. São terminais privados que, erigidos à
margem da lei, correram para se “legalizar” antes que a gorda ameaçasse a
tramitação da MP. Chamam-se Embraport (Santos-SP), Portonave (SC),
Itapoá (SC) e Cotegipe (BA).
“Nós poderíamos chamar essa medida
provisória de MP do Eike Batista”, disse o deputado Rodrigo Maia
(DEM-RJ), mencionando um dos beneficiários escondidos atrás das
logomarcas. “Imaginem vocês a quantidade de intresses que tem numa
medida provisória dessas”, declarou o líder do PT, José Guimarães (CE),
no debate que precedeu a exibição de Garotinho. “Imaginem a quantidade
de pressão que nós sofremos. Eu digo para vocês, meus companheiros, eu
não negociei essa medida provisória para atender esse ou aquele
empresário, esse ou aquele grupo econômico.”
Dilma fez o oposto de
Guimarães. Negociou apenas com os empresários. Com o Congresso, manteve
um tipo de diálogo em que o interlocutor é convidado a calar a boca e
obedecer. Deu chabu. Na outra ponta estavam os empresários que operam
portos públicos em regime de concessão. Julgando-se prejudicados pela
concorrência dos novos portos, materializaram suas demandas na “emenda
aglutinativa” organizada por Eduardo Cunha.
Não fosse pela
apoteose ao contrário de Garotinho, a chance de aprovação dos ajustes
seria grande. A gorda transferiu a derrota de Dilma para o Legislativo. O
episódio vai ficar, no resumo da ópera, como mais uma evidência da
inapetência da sucessora de Lula para fazer política. Considerando-se as
derrotas anteriores, do Código Florestal à indicação de diretores para
agências reguladoras, o Planalto já coleciona um coro de gordas. À
medida que 2014 vai despontando no horizonte, tudo no Congresso ganha a
aparência de epílogo.
Ver o discurso do Garotinho em
http://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/2013/05/08/garotinho-e-a-mp-dos-porcos/
Ver o discurso do Garotinho em
http://www.conversaafiada.com.br/tv-afiada/2013/05/08/garotinho-e-a-mp-dos-porcos/
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