Uma noite inesquecível
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Merval Pereira
Foi
uma noite para ser esquecida, segundo a definição de alguns. Ou para
nunca mais ser esquecida. O nível dos debates ficou tão baixo que o
presidente da Câmara, Henrique Alves, disse que, em 40 anos de vida
parlamentar, jamais vira espetáculo tão degradante. Não se poderia
esperar outra coisa dos principais combatentes da noite, os deputados
Eduardo Cunha, do PMDB, e Anthony Garotinho, do PR, ambos do Rio,
antigos aliados, hoje grandes desafetos.
Garotinho
acusou a emenda aglutinativa patrocinada por Cunha de cheirar mal, de
ter motivações escusas e, nos bastidores, falava abertamente em milhões
de reais por baixo da mesa para favorecer interesses de empresários.
Cunha referiu-se a Garotinho como o batedor de carteira que sai gritando
"pega ladrão" para distrair a atenção.
A
baixaria foi tão grande que a piada no plenário era que, em vez de
citar Tio Patinhas, referindo-se ao autor da emenda, Garotinho deveria
falar nos Irmãos Metralha. E a consequência lógica era que os dois
tinham razão. Com a acusação genérica de Garotinho, aconteceu o
imprevisível: todos os líderes que se preparavam para aprovar a votação
retiraram o apoio, com receio de serem apontados como corruptos. Não se
sabe se a atitude de Garotinho foi apenas contra o adversário Eduardo
Cunha ou se tinha um alcance mais amplo que o de impedir que a emenda
aglutinativa fosse votada. Nesse caso, estaria fazendo um trabalho para a
presidente Dilma, que quer aprovar a medida provisória que enviou ao
Congresso com as mudanças negociadas com a base.
Ainda
há grande perplexidade no Congresso, e ninguém sabe se haverá condições
de aprovar a medida provisória antes que caduque, no dia 16. Como a
nova Lei dos Portos foi encaminhada sem uma negociação prévia no
Congresso, agora os empresários de várias correntes procuram seus
deputados e senadores defendendo seus interesses.
Mesmo
que o objetivo seja modernizar os portos, imprescindível para destravar
a economia, muitos detalhes encontram objeções entre os setores
envolvidos. O fato de o texto da MP ter recebido nada menos que 645
emendas, sendo que 150 foram aceitas pelo relator, mostra o grau de
desentendimento que existe sobre a matéria. Além do mais, a presidente
deixou vazar que não honraria as emendas acatadas pelo relator, o que
deixou os interlocutores do Planalto sem voz ativa no Congresso,
provocando críticas especialmente às ministras Ideli Salvatti e Gleisi
Hoffmann.
As
principais críticas à MP são sobre a ação dos sindicatos na contratação
de pessoa. E também à ingerência governamental, que mais ou menos
recria a Portobras, pois eleva o poder dos burocratas federais,
impedindo que um porto estadual, como Suape, continue na boa trilha e
acaba com a participação direta de trabalhadores e empresários no
Conselho de Autoridade Portuária (CAP).
Pela
MP, o CAP passaria de deliberativo a consultivo, sem poder decisório
algum. No plenário, os deputados lembravam que a Lei dos Portos de
Itamar Franco tramitou como projeto de lei, de forma democrática, ao
contrário da de Dilma, que tentou fazer o mesmo por MP, por si só
impositiva, cheia de erros e geradora de conflitos. Mesmo os partidos de
oposição, que pretendiam votar com o governo porque consideram que é
importante modernizar os portos, encontraram dificuldades para defender
suas posições diante dos desentendimentos da própria base governista.
Mais
importante que o resultado desse embate é a constatação de que a
maioria parlamentar do governo na verdade não existe. Cada partido, ou
grupo de parlamentares, defende seus interesses e não está alinhado a um
projeto de governo. Mesmo porque não existe uma atuação parlamentar do
governo em sintonia dentro do Congresso, pois as discussões ocorridas na
noite de quarta-feira aconteceram basicamente entre lideranças de
partidos da base aliada, que se encontram cada dia mais estressadas
diante da incerteza de um poder futuro.
Com
a economia em situação preocupante, a descoordenação da atividade
parlamentar e a inaptidão da presidente Dilma para a negociação
política, cada um tenta entender onde está a expectativa de poder futuro
para se posicionar corretamente na disputa presidencial. O favoritismo
de Dilma vai dando lugar a uma incerteza que coloca sua base partidária
em polvorosa.
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sexta-feira, 10 de maio de 2013
Uma noite inesquecível
O Globo, 10 de maio de 2013.
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