Polícia apreende livro e mostra visão retrógrada
Com
um mandado de busca e apreensão, a Polícia Civil do Rio de Janeiro foi à
casa de um dos suspeitos de terem tentado invadir a Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) durante a manifestação que tomou
as ruas da capital fluminense no último dia 17. Entre os objetos
apreendidos estavam facas, martelos, um soco inglês, um nunchaku — arma
branca de origem japonesa — e um livro. A apreensão da obra Mate-me por favor, da
editora L&PM, mostra, segundo advogados, que, 28 anos depois do fim
da ditadura militar, a Polícia ainda não se coaduna com o Estado
Democrático de Direito.
O delegado responsável pela investigação disse à imprensa que o livro foi apreendido “para demonstrar a ideologia (do acusado) perante a nação brasileira, de defesa da anarquia”. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Marcelo Chalréo, afirma que o modo como a Polícia interpretou o material apreendido mostra uma visão "proto-fascista" da instituição, que criminaliza ideologias. “As interpretações são fascistoides, pois não há qualquer problema em seguir ou flertar com outras ideologias. Isso mostra como a Polícia criminaliza movimentos sociais”, diz.
Seu colega Martins de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, afirma que a apreensão de livros é uma prática da ditadura militar. Segundo ele, o delegado jamais poderia apreender um livro, bem como não há qualquer justificativa para justificar isso com a “acusação” de que o rapaz é anarquista, uma vez que a Constituição garante a liberdade de expressão e de crença. Reter um livro como uma arma, diz ele, “é temer ideias”.
O erro não parece ser somente ideológico, mas também técnico. Isso porque toda e qualquer busca e apreensão só pode se dar com decisão judicial e com objeto definido, explica o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. No caso, o mandado deferido pelo juiz deveria ter sido feito apenas para apreender o que tivesse relação com a depredação ou tentativa de invasão da Alerj. “Considerar que um livro tenha relação com a ação tida como ilegal é um abuso. Se o mandado não era especifico, errou o juiz. Se era específico e o policial extrapolou, errou a Polícia”, pontua.
Tecnicamente, há de se pensar também no uso do livro como prova processual, o que, para o criminalista Roberto Podval, está completamente descartado. Segundo ele, um livro não incrimina ninguém, “pois a autoridade partiria do pressuposto de que se eu tenho um livro, eu concordo com o que ele diz e vou seguir sua ideologia”, explica. Se fosse dessa forma, o Estado estaria ditando o que se pode e o que não se pode ler.
A própria apreensão do livro enseja ação por danos morais contra o Estado, tendo o acusado tentado invadir ou não a Alerj, explica o criminalista Alberto Zacharias Toron. Para ele, há também de se apurar o crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898/1965 que, em seu artigo 4º, letra 'h': “o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”.
A análise não é feita apenas com base no ato da Polícia, mas é preciso observar também o momento em que a apreensão foi feita. O país tem vivenciado manifestações em diversas cidades, reunindo centenas de milhares de pessoas, e a repressão estatal aos protestos mereceu manchetes. “Esse momento em que a massa se junta para protestar dá azo a ideias repressivas”, lembra o criminalista Antonio Moraes Pitombo. O advogado cita o italiano Scipio Sighele, que estudou o comportamento das massas e mostrou que a união das pessoas em si mesmo já representaria um perigo para o status quo. Esse “germe repressivo” deu base à criação do crime de quadrilha e estimulou as teorias atuais sobre organização criminosa. Com as recentes mobilizações, diz Pitombo, pode-se esperar a elaboração de tipos penais exacerbados e atuação radical da Polícia Judiciária. “Vamos ver. O equilíbrio de juízes e promotores vai preponderar”, aposta.
O delegado responsável pela investigação disse à imprensa que o livro foi apreendido “para demonstrar a ideologia (do acusado) perante a nação brasileira, de defesa da anarquia”. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Marcelo Chalréo, afirma que o modo como a Polícia interpretou o material apreendido mostra uma visão "proto-fascista" da instituição, que criminaliza ideologias. “As interpretações são fascistoides, pois não há qualquer problema em seguir ou flertar com outras ideologias. Isso mostra como a Polícia criminaliza movimentos sociais”, diz.
Seu colega Martins de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo, afirma que a apreensão de livros é uma prática da ditadura militar. Segundo ele, o delegado jamais poderia apreender um livro, bem como não há qualquer justificativa para justificar isso com a “acusação” de que o rapaz é anarquista, uma vez que a Constituição garante a liberdade de expressão e de crença. Reter um livro como uma arma, diz ele, “é temer ideias”.
O erro não parece ser somente ideológico, mas também técnico. Isso porque toda e qualquer busca e apreensão só pode se dar com decisão judicial e com objeto definido, explica o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. No caso, o mandado deferido pelo juiz deveria ter sido feito apenas para apreender o que tivesse relação com a depredação ou tentativa de invasão da Alerj. “Considerar que um livro tenha relação com a ação tida como ilegal é um abuso. Se o mandado não era especifico, errou o juiz. Se era específico e o policial extrapolou, errou a Polícia”, pontua.
Tecnicamente, há de se pensar também no uso do livro como prova processual, o que, para o criminalista Roberto Podval, está completamente descartado. Segundo ele, um livro não incrimina ninguém, “pois a autoridade partiria do pressuposto de que se eu tenho um livro, eu concordo com o que ele diz e vou seguir sua ideologia”, explica. Se fosse dessa forma, o Estado estaria ditando o que se pode e o que não se pode ler.
A própria apreensão do livro enseja ação por danos morais contra o Estado, tendo o acusado tentado invadir ou não a Alerj, explica o criminalista Alberto Zacharias Toron. Para ele, há também de se apurar o crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898/1965 que, em seu artigo 4º, letra 'h': “o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”.
A análise não é feita apenas com base no ato da Polícia, mas é preciso observar também o momento em que a apreensão foi feita. O país tem vivenciado manifestações em diversas cidades, reunindo centenas de milhares de pessoas, e a repressão estatal aos protestos mereceu manchetes. “Esse momento em que a massa se junta para protestar dá azo a ideias repressivas”, lembra o criminalista Antonio Moraes Pitombo. O advogado cita o italiano Scipio Sighele, que estudou o comportamento das massas e mostrou que a união das pessoas em si mesmo já representaria um perigo para o status quo. Esse “germe repressivo” deu base à criação do crime de quadrilha e estimulou as teorias atuais sobre organização criminosa. Com as recentes mobilizações, diz Pitombo, pode-se esperar a elaboração de tipos penais exacerbados e atuação radical da Polícia Judiciária. “Vamos ver. O equilíbrio de juízes e promotores vai preponderar”, aposta.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de junho de 2013
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