sábado, 1 de junho de 2013

Insegurança jurídica

Correio Braziliense, 1 de junho de 2013.

Atraso matou índio terena

Visão do Correio


A morte do índio terena, anteontem, em Sidrolândia (Mato Grosso do Sul), não pode ser investigada apenas a partir do momento em que alguém apertou o gatilho, disparando o projétil que o atingiu de forma fatal. Desde a Constituição de 1934, é responsabilidade do Estado proteger os direitos dos povos indígenas, incluindo a posse de territórios. Oziel Gabriel, 35 anos, morreu defendendo terras disputadas com fazendeiros há mais de uma década e declaradas indígenas pelo governo em 2010. Sem que houvesse a providência de demarcá-las, foram devolvidas aos produtores, pela Justiça, em 2012. A insegurança jurídica, portanto, tem boa parte de culpa na questão.
Mais: se a definição da propriedade da área anda a passos de tartaruga, a ordem para a expulsão dos indígenas saiu em velocidade de jato. Mandado de reintegração de posse foi expedido já no dia seguinte à invasão, sendo suspenso na sequência, para que se abrisse caminho à negociação. Como não houvesse acordo, anunciou-se, de imediato, nova ordem judicial para a desocupação, na véspera do feriado de Corpus Christi, com o agravante de que o desrespeito à decisão implicaria multa diária de R$ 10 mil. Nem se esperou passar a celebração do Corpo de Cristo para que policiais federais e militares fossem encarregados de tirar os índios das terras.
Deu no que deu: um terena morto e 13 feridos — entre os quais, três em estado grave, embora sem risco de morte —, além de ferimentos em três agentes. A operação, que durou das 6h às 15h, também resultou na retirada de cerca de mil índios da propriedade, sendo 17 deles levados para a Superintendência da Polícia Federal em Campo Grande, capital do estado. No mais, teriam sido apreendidos três armas de fogo, arcos e flechas. Por fim, o governo determinou a abertura de inquérito para apurar se houve abuso de autoridade. Como primeira providência, é mais do que necessária. Mas não suficiente.
Mais de cinco séculos, uma década e três anos depois do descobrimento, o Brasil ainda precisa aprender a respeitar os direitos e, sobretudo, a cultura dos índios. É básico entender, por exemplo, que dar e receber ordens não faz parte da vida deles, que a terra é seu único meio de subsistência e que cercá-los com tropas armadas não é forma de convencimento. Desastrada em si, a ação passou ao largo de resolver o problema. Ainda por cima, acirra os ânimos em uma região em que 45 mil caiovás-guaranis estão em situação de conflito iminente.
Ontem, as lideranças indígenas que ocupam o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, aceitaram convite do governo para virem a Brasília negociar, enquanto um grupo se mantém no local. É com diálogo que os conflitos devem ser resolvidos. Preferencialmente com a intermediação do Ministério Público, ao qual cabe, conforme o artigo 129 da Constituição de 1988, “defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas”. Mas o Congresso Nacional não tem responsabilidade menor. E preocupa a tramitação de emenda constitucional que passa para o Legislativo federal a função, hoje da Fundação Nacional do Índio (Funai), de demarcar as terras indígenas. Retrocessos apenas levarão a mais mortes.

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