Atraso matou índio terena
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Visão do Correio
A
morte do índio terena, anteontem, em Sidrolândia (Mato Grosso do Sul),
não pode ser investigada apenas a partir do momento em que alguém
apertou o gatilho, disparando o projétil que o atingiu de forma fatal.
Desde a Constituição de 1934, é responsabilidade do Estado proteger os
direitos dos povos indígenas, incluindo a posse de territórios. Oziel
Gabriel, 35 anos, morreu defendendo terras disputadas com fazendeiros há
mais de uma década e declaradas indígenas pelo governo em 2010. Sem que
houvesse a providência de demarcá-las, foram devolvidas aos produtores,
pela Justiça, em 2012. A insegurança jurídica, portanto, tem boa parte
de culpa na questão.
Mais:
se a definição da propriedade da área anda a passos de tartaruga, a
ordem para a expulsão dos indígenas saiu em velocidade de jato. Mandado
de reintegração de posse foi expedido já no dia seguinte à invasão,
sendo suspenso na sequência, para que se abrisse caminho à negociação.
Como não houvesse acordo, anunciou-se, de imediato, nova ordem judicial
para a desocupação, na véspera do feriado de Corpus Christi, com o
agravante de que o desrespeito à decisão implicaria multa diária de R$
10 mil. Nem se esperou passar a celebração do Corpo de Cristo para que
policiais federais e militares fossem encarregados de tirar os índios
das terras.
Deu
no que deu: um terena morto e 13 feridos — entre os quais, três em
estado grave, embora sem risco de morte —, além de ferimentos em três
agentes. A operação, que durou das 6h às 15h, também resultou na
retirada de cerca de mil índios da propriedade, sendo 17 deles levados
para a Superintendência da Polícia Federal em Campo Grande, capital do
estado. No mais, teriam sido apreendidos três armas de fogo, arcos e
flechas. Por fim, o governo determinou a abertura de inquérito para
apurar se houve abuso de autoridade. Como primeira providência, é mais
do que necessária. Mas não suficiente.
Mais
de cinco séculos, uma década e três anos depois do descobrimento, o
Brasil ainda precisa aprender a respeitar os direitos e, sobretudo, a
cultura dos índios. É básico entender, por exemplo, que dar e receber
ordens não faz parte da vida deles, que a terra é seu único meio de
subsistência e que cercá-los com tropas armadas não é forma de
convencimento. Desastrada em si, a ação passou ao largo de resolver o
problema. Ainda por cima, acirra os ânimos em uma região em que 45 mil
caiovás-guaranis estão em situação de conflito iminente.
Ontem,
as lideranças indígenas que ocupam o canteiro de obras da Usina
Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, aceitaram convite do
governo para virem a Brasília negociar, enquanto um grupo se mantém no
local. É com diálogo que os conflitos devem ser resolvidos.
Preferencialmente com a intermediação do Ministério Público, ao qual
cabe, conforme o artigo 129 da Constituição de 1988, “defender
judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas”. Mas o
Congresso Nacional não tem responsabilidade menor. E preocupa a
tramitação de emenda constitucional que passa para o Legislativo federal
a função, hoje da Fundação Nacional do Índio (Funai), de demarcar as
terras indígenas. Retrocessos apenas levarão a mais mortes.
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sábado, 1 de junho de 2013
Insegurança jurídica
Correio Braziliense, 1 de junho de 2013.
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