Folha de S. Paulo, 2 de setembro de 2013.
Em 76% das UPPs no Rio há denúncia contra algum policial
Levantamento da Folha mostra que casos ocorrem em 25 das 33 unidades
Apesar de avanços como a queda de 68% nos homicídios de 18 áreas pacificadas, nº de desaparecidos sobe 56%
MARCO ANTÔNIO MARTINS
DO RIO
Todos os dias, ao acordar, o primeiro pensamento da dona de casa Edleide Lessa, 52, é: "Por que um policial matou meu filho?".
Apesar de avanços como a queda de 68% nos homicídios de 18 áreas pacificadas, nº de desaparecidos sobe 56%
O ajudante de pedreiro Jackson Lessa dos Santos, 19, foi baleado na cabeça, em junho do ano passado, quando ia comprar biscoito, no morro do Fogueteiro, centro do Rio. Segundo os policiais, houve um confronto. A mãe nega e argumenta que o filho caminhava pelas vielas acompanhado de uma criança.
"Meu filho foi enterrado como bandido. Por quê? Bandido que trabalha todos os dias? Moramos no morro, mas não somos criminosos."
O tiro de fuzil foi disparado por um soldado com um ano de polícia. Ele integrava a UPP instalada em 2011.
O principal programa da Secretaria de Segurança Pública do Rio já foi implantado em 33 favelas da capital.
Não há dúvidas de que as UPPs trouxeram progressos. Moradores readquiriram o direito de ir e vir pelas ruas de suas comunidades; o tráfico ostensivo desapareceu, assim como a exibição de armamentos pesados --eles ainda existem, mas de forma discreta.
Mas passados cinco anos do início do projeto, crescem denúncias de que policiais militares lotados nas UPPs se voltaram às práticas da chamada "velha polícia": são suspeitos de agressões, mortes e desaparecimentos.
Levantamento feito pela Folha a partir de relatos de moradores e documentos das polícias Civil e Militar mostra que há denúncias contra a atuação dos agentes em 25 das 33 UPPs (76% delas).
"Há necessidade de rever algumas práticas talvez ainda contaminadas por uma cultura antiga", afirmou o coronel Frederico Caldas, coordenador das UPPs.
A análise de dados de 18 das UPPs mostra que o número de homicídios caiu 68%, mas o de desaparecidos subiu 56% --nas demais, inauguradas há menos tempo, ainda não há dados suficientes para comparação.
São casos como o do pedreiro Amarildo de Souza, 43, desaparecido desde 14 de julho da favela da Rocinha.
"Antes os desaparecimentos não eram relatados porque havia o tráfico de drogas nessas comunidades. E não dá para associar o desaparecimento à morte e nem à polícia", afirma Caldas.
Um ano antes da inauguração da UPP, a Cidade de Deus registrou 18 desaparecidos; um ano depois, em 2010, o total subiu para 49. Em 2011 sumiram 22 pessoas.
Especialistas dizem que o problema não são as UPPs, mas a atuação de alguns PMs.
"Os policiais parecem estar substituindo os autos de resistência [mortes que ocorrem durante confronto com a polícia] pelo desaparecimento de pessoas", afirma Margarida Pressburger, representante brasileira na Comissão Contra a Tortura da ONU.
"O que não pode é o comandante da UPP regular os conflitos no morro como se fosse dono do lugar", diz Jaílson de Souza, do Observatório de Favelas. "Não queremos voltar ao período pré-UPP. Mas é preciso cuidar do treinamento desses policiais", diz Felipe Santa Cruz, presidente da OAB-RJ.
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