Marcelo Itagiba
A contrainteligência que falta ao Brasil
Enquanto a NSA investe bilhões em tecnologia de espionagem, no Brasil
não há nem sequer preocupação em proteger dados estratégicos
Essa é a regra que sempre dominou as relações internacionais, apesar da criação, historicamente recente, de um órgão regulador, a Organização das Nações Unidas (ONU).
Os Estados usam a espionagem para angariar conhecimentos que embasem decisões vantajosas. Todos os países possuem agências de espionagem, conhecidas eufemisticamente como de inteligência.
Existem cinco formas principais para obtenção de dados. Humint (Human Intelligence), que busca informações por meio de espiões. Osint (Open Source Intelligence) são as fontes abertas (jornais, revistas, internet e trabalhos científicos). Imint (Image Intelligence), coletada por meio de imagens obtidas por fotos e filmes provenientes de aviões e satélites. Masint (Measurement and Signature Intelligence), obtida por meio de eventos sísmicos provocados pela explosão de um artefato nuclear. E Sigint (Signal Intelligence), que é a interceptação de sinais de comunicação.
As denúncias de Edward Snowden desnudaram a Agência de Segurança Nacional (NSA), o mais intrusivo órgão da espionagem americana, que trabalha com o Sigint, decifrando uma rede de comunicações transmitidas, em âmbito mundial, por satélites, ondas telefônicas e cabos marítimos e terrestres. Estima-se em 320 milhões o total de ligações interceptadas e processadas diariamente pela NSA.
Um software criado pela Narus, empresa que hoje pertence à Boeing, controlado remotamente pela NSA em Fort Meade, varre espectros de comunicação na busca de endereços, números de telefones, sistemas em rede, capturando palavras-chave e frases. Qualquer comunicação que levante suspeita é imediatamente separada, processada, copiada e gravada para análise.
Uma vez que alguém se torna alvo, todas as suas comunicações passam a ser avaliadas, bem como as de qualquer um de seus contatos. Por um processo chamado data-mining, as informações são organizadas em gráficos, o que permite um verdadeiro raio-x de suas atividades.
A agência está investindo mais de US$ 2 bilhões em um novo centro, na cidade Bluffdale, em Utah. Computadores que rodam em espantosas velocidades medidas por yottabites (um bilhão de quatrilhões) vão decifrar os dados interceptados, inclusive transações bancárias e de cartões de crédito.
Tais ações atentam contra o direito à privacidade e às liberdades civis, de expressão e da imprensa. É uma ameaça às democracias representativas cometida sob o paradoxal argumento de que visa garanti-las.
As ações de espionagem contra o Brasil são repulsivas, aéticas e imorais, mas fazem parte do arsenal das grandes potências, que pinçam o que querem dessa teia tecnológica global. O Brasil precisa urgentemente investir em tecnologias que o habilitem a desenvolver mecanismos de defesa para os nossos sistemas e criptografia que impeçam, dificultem ou retardem a rápida decodificação de dados estratégicos.
Não há verdadeira preocupação no setor público e estratégico brasileiro em proteger dados, atributo da chamada atividade de contrainteligência. A Agência Brasileira de Inteligência e a Polícia Federal devem se articular com órgãos militares e estratégicos para a criação de uma cultura de proteção de dados.
O Brasil possui protocolos de cooperação com agências de inteligência estrangeiras e, inclusive, programas em andamento com a espionagem americana. A pergunta que se faz à presidenta é se ela adotou alguma medida para paralisar ou cancelar essas atividades, ou se tudo não passa de mera retórica.
MARCELO ITAGIBA, 57, foi diretor de Inteligência da Polícia Federal (1995-1999), secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro (2004-2006) e deputado federal (PSDB-RJ) de 2007 a 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário