Sempre defendi a liberdade de expressão. Não
existe democracia sem pluralismo de ideias, debate livre e discussão
aberta. Mas também não prospera a liberdade no terreno árido da
violência e do vandalismo.
Recentemente experimentei o ferrão da censura. Publico meus textos em
muitos jornais brasileiros. Disponho de plena liberdade, mesmo quando
minha opinião se contrapõe às orientações editoriais dos veículos. A
Gazeta do Povo, um belo jornal do Paraná e responsável por excelentes
matérias investigativas, foi forçada a não publicar meu artigo. Estava
sob censura judicial, providência patrocinada pelo presidente do
Tribunal de Justiça do Estado, Cleyfon Camargo.
Em meu artigo, sereno e respeitoso, apenas repercuti uma reportagem do
jornal paranaense. Nela, sem prejulgamento de nenhum tipo, tratei de um
fato de interesse público, corretamente noticiado pelo jornal. Em abril o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu investigação para apurar a
suspeita de venda de sentença pelo desembargador Cleyton Camargo. A
advogada de uma das partes de ação que ele julgou quando atuava como
magistrado da área de Família o acusou de ter recebido dinheiro para
decidir em favor da outra parte, num processo que envolvia disputa da
guarda de filhos, em 2011. No mês passado a Corregedoria do CNJ abriu
outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton
Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do
filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do
Tribunal de Contas do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho.
A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem
publicadas no jornal foi concedida. O desembargador, no pedido,
sustentou que "os fatos em nofícia (...) vieram impregnados pelo ranço
odioso da mais torpe mentira". Pediu ainda que as reportagens fossem
banidas do portal do jornal na internet. Quer dizer, censura prévia
multiplataforma. Proibiu-se a sociedade de ter acesso a informação de
indiscutível interesse público. Meu artigo, por óbvio, foi parar no
limbo da censura autoritária.
O desembargador agora desistiu da medida cerceadora. Ainda bem. Afinal,
essa providência está na contramão da " Constituição e da jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal Como é longo o caminho que separa a
democracia legal da democracia real!
A democracia aceita que o Judiciário puna quem se excede na manifestação
do pensamento, mas não admite que jornais sejam proibidos previamente
de publicar notícia, informação ou crítica. A censura judicial foi, sem
dúvida, um escárnio, uma bofetada no Estado de Direito.
Mas se a censura desfigura o rosto da democracia, a violência é a
ditadura das minorias para encurralar a sociedade. O vandalismo dos
mascarados, não obstante seu discurso pretensamente libertário e
confrontador do sistema vigente, é tudo menos democrático. Os mascarados
não representam 04 brasileiros indignados que ocuparam praças e
avenidas em junho. É água e vinho. No Rio grupos de encapuzados
queimaram a Bandeira do Brasil, semearam pânico e destruíram
patrimôniopúblico e privado. Eles não têm a cara do nosso país e da
nossa gente. Ao contrário. Com seu radicalismo antissocial alimentam os
delinquentes da política e fortalecem os ímpetos repressivos. Os
caciques de Brasília vibram com a desqualificação das passeatas. E o
coro em defesa da repressão aos baderneiros aumenta a cada nova am raça.
O radicalismo, conscientemente ou não, sempre conspirou contra a
democracia. Tirem a máscara! A defesa das ideias demanda transparência.
Em 1964, sob o pretexto de preservar a democracia ameaçada por um
presidente da República manipulado pelo radicalismo das esquerdas, os
mili- 1 tares tomaram o poder. E o que j se anunciava como intervenção
transitória, com ânimo de devolver o poder aos civis, se transformou no
pesadelo da ditadura. A imprensa foi amordaçada. Lideranças foram
suprimidas. Muitas injustiças foram cometidas em nome da democracia.
Lembro-me da decepção de um primo-irmão da minha mãe, o professor
Antônio Barros de Ulhôa Cintra, ex-reitor da USP e ex-secretário da
Educação do Estado de São Paulo. Seu espírito liberal e independente,
incompatível com a mentalidade de pensamento único que então prevalecia,
provocou a ira dos donos do poder. Como ele, inúmeros brasileiros,
cultos e intelectualmente inquietos, escorregaram para o limbo do
regime, que via comunista em todo canto. Resistiram empunhando as armas
da inteligência e da autoridade moral que não cede à sedução do poder.
O que se vi uno transe da ditadura foi o germinar de duas tendências
opostas: liberdade X autoritarismo. Os democratas partiram para a luta
contra a ditadura, mas sempre apontando para o horizonte de um regime
aberto. Outros partiram para a clandestinidade. Passaram-se muitos anos.
A guerrilha foi substituída pelos ensinamentos de Gramsci, pela força
do marketing político e pela manipulação populista das massas
desvalidas. Mas a alma continua a mesma: autoritária. A hipótese de que
caminhamos para um projeto antidemocrático não se apoia apenas na
intuição e na experiência da História. Ela está gritando na força
inequívoca dos fatos. Censura e violência são a marca registrada cio
autoritarismo. Sempre!
É preocupante o horizonte da democracia brasileira. Um país com imprensa
fustigada, oposição esfaceladae acovardada, percepção crescente de
impunidade é tudo menos uma democracia. Cabe-nos resistir, como no
passado, com as armas do profissionalismo, da ética inegociável e da
defesa da liberdade. A democracia pode cambalear, mas sempre prevalece. * |
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