sábado, 14 de setembro de 2013

Rumo a radicalização?

[A situação de hoje lembra os idos de 1960: a esquerda dizia que a direita era golpista e esta dizia o contrário. Durante certo período os moderados de ambos os lados preservaram o jogo democrático. Depois prevaleceram os radicais e deu no que deu. Uma coisa é certa: é impossível dizer, salvo engano, que uma democracia está consolidada quando todo dia aparece a palavra golpe na mídia]


Folha de S. Paulo, 14 de setembro de 2013.

André Singer
Desenvenenar o ambiente

A decisão que tomará o Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira, sobre se são admissíveis os embargos infringentes, é relevante não só pelas óbvias consequências jurídicas, mas porque vai influenciar o grau de toxicidade do jogo político nos próximos anos.
Não se trata apenas de perdas e ganhos imediatos para os maiores partidos, mas de saber se será viável afastar a sombra de manobras golpistas que, no Brasil, teimam em pairar sobre o legítimo e necessário embate de interesses e posições.
O modo pelo qual foi conduzida a primeira --e talvez única-- fase do julgamento da ação penal 470 terminou deixando dúvidas quanto à isenção dos procedimentos adotados. Sob o comando de Joaquim Barbosa, um relator que criou a imagem de ser um apaixonado pela causa da punição exemplar, as penas pareciam confeccionadas não para fazer justiça, mas para produzir efeito espetacular. Por exemplo, fotos do ex-ministro e ex-presidente do PT José Dirceu sendo levado à prisão onde ficaria um ano e nove meses.
Cabe lembrar as circunstâncias que produziram, quase um ano atrás, a condenação de Dirceu por formação de quadrilha (o que resultaria na reclusão em regime fechado). Em plenário com um membro a menos, quase metade dos ministros votaram contra a medida (Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli). Cármen Lúcia argumentou que não se poderia comparar Lampião e seu grupo, uma típica quadrilha, ao que teria ocorrido no curso do chamado mensalão.
Pode-se dizer que Lewandowski e Toffoli formaram, desde sempre, o núcleo do tribunal que tem simpatia pela tese de que houve atropelos na condução dos trabalhos com vistas a produzir condenações excessivas (assim como, do outro lado, havia uma ala punitiva). Mas Rosa Weber e Cármen Lúcia não se alinharam. O fato de ambas terem compreendido inexistir quadrilha no caso de Dirceu reforça a necessidade de rever a questão.
O STF está dividido, assim como a sociedade brasileira. Pode-se pensar que, em certo modo, a divisão da corte expressa a da sociedade. Há ministros simpáticos ao campo popular e outros que esposam teses caras à oposição. Tal divisão, além de ser inevitável, é benéfica. Na democracia há conflito permanente, e dela nasce a liberdade.
É preciso, porém, cuidar para que a disputa não degenere em luta de vida ou morte, pois aí se envenena o ambiente, abrindo passo à violência. Oxalá Celso de Mello tenha a sabedoria de permitir que as suspeitas sobre o andamento do processo se dissolvam com uma revisão dos pontos duvidosos.
avsinger@usp.br

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