Estado de exceção
Autor(es): Eduardo Portella |
O Globo - 27/09/2013 |
A
possível democracia brasileira está experimentando, precocemente, uma
situação de falência múltipla dos seus órgãos. Até onde isto pode
chegar, não sabemos.
Sabemos
que sobre o Legislativo e o Executivo já pesava uma insatisfação
olímpica. Agora a eles se junta o Judiciário, em sua maioria constituído
de bolsistas togados.
Ainda
preferimos supor que, onde se denuncia a má-fé, predomina o despreparo
intelectual. De há muito a ideia de consciência individual, trancada
dentro de suas paredes claustrofo-bas, passou a ser um arcaísmo, ou tão
somente uma relíquia tombada. Este consciencialismo predatório expõe à
visitação pública o injustificável anacronismo hermenêutico, permitindo
que a tecnicidade ociosa, carente de socialibilidade, farta de
burocratização, contamine a instância judiciária. Com o que desmente um
velho ditado. Hoje a justiça tarda, e falha.
A
enfadonha retórica dos tribunais é altamente dissociativa. Devemos,
cada vez mais, desconfiar dos profissionais da última palavra. A norma
não pode subordinar-se à agenda do poder. Caso contrário, a sua
legitimidade ficará comprometida. O mesmo acontece quando cede à pressão
ideológica. Como vem acontecendo com o superior estatuto do asilo
político. A claustrofobia impede a ciência jurídica de respirar.
Ignorando que ela não é uma abstração, dissociada da vida do mundo.
Mas,
porque não estamos no "fim da história" como propalam alguns
pessimistas, cabe-nos recomeçar, propositivamente, longe da queima de
arquivos e do acerto de contas.À consciência solitária, individualista,
fechada no seu palácio de espelhos, convém abrir mão do seu lugar
decrépito em favor da consciência dialógica, compartilhada,
comunicativa.
E
em franco dissídio contra qualquer tipo ou forma de violência.
Lembrando que a corrupção é a mais grave de todas as violências, porque
silenciosamente coletiva.
Inexiste o "eu" sem o "outro" a identidade sem a alteridade.
A
democracia de qualidade, ou seja de educação e cultura, ameaçada pela
falência múltipla dos seus órgãos, caminha a passos largos para o Estado
de exceção.
O
processo de seleção, nomeação e promoção, nesses níveis supremos, exige
uma modificação substancial, visando à legitimidade e à qualificação
rigorosas desses desempenhos.
O Brasil necessita da sempre protelada reforma política. Não é menos urgente a reforma do Judiciário.
Eduardo Portella é escritor e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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