As vésperas da Revolução Francesa, a rainha
Maria Antonieta indagou a um subordinado sobre as razões de uma
manifestação popular e foi informada de que o motivo principal era a
falta de pão. A rainha, surpresa, perguntou: "Por que não comem
brioches?" A frase entrou para a história como símbolo da alienação da
soberana, que desconhecia como viviam os seus súditos, os quais,
paradoxalmente, sustentavam a realeza.
No Brasil, dois séculos depois, o governo do Ceará — do socialista Cid
Gomes — assinou contrato de R$ 3,4 milhões para serviços de buffet e
decoração em eventos do gabinete do governador e na residência oficial,
com cardápio que incluía lagosta, escargot e caviar. O edital de
licitação, explícito e exótico, não deve diferir de outros adotados
Brasil afora. Na verdade, o apreço pela culinária requintada com
recursos públicos é característica de vários governantes.
O ex-presidente Fernando Henrique levou para Brasília a premiada chef
Roberta Sudbrack, que cultivava nos jardins do palácio horta com ervas,
legumes e verduras orgânicas. Lula teve a seu serviço o pernambucano
Caio Henri, que comandou conhecido restaurante em São Paulo. Já a
presidente Dilma contratou a chef Andréa Munhoz, que estagiou na capitai
paulista com o francês Emmanuel Bassoleil e pilotou a cozinha de vários
restaurantes brasilienses. Os salários desses profissionais não
costumam ser divulgados e sabe-se lá como são contratados. Na contramão
da sofisticação, o ex-presidente da França, François Miterrand, levou
para Paris uma chef de cuisine do interior para saborear no dia a dia
uma comida simples como a da avó.
Além dos presidentes e governadores, outros burocratas comem e bebem do
melhor. Na semana passada, por exemplo, o Contas Abertas flagrou o
Ministério das Relações Exteriores adquirindo 500 garrafas de espumante
brut com a exigência de que o produto tivesse "ao menos quatro
premiações internacionais em concursos posteriores a 2008 e fosse
amadurecido em contato com leveduras, por período mínimo de 12 meses" Já
o gabinete do Comandante da Aeronáutica gastou R$ 34,1 mil em tortas,
docinhos, bolos, croissants, rocamboles e minissonhos, entre outras
guloseimas. Tomara que não seja para distribuir como lanche nos aviões
da FAB quando transportam autoridades.
Aliás, a alimentação é apenas um dos marcos do patrimonialismo da
política brasileira. Mal esfriou o caso das iguarias, o mesmo governador
cearense passou a utilizar em suas viagens oficiais um dos três
helicópteros adquiridos por R$ 78 milhões, sem licitação, quando o uso
deveria ser restrito à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação.
Vale lembrar que Cid Gomes foi quem levou a sogra de carona para viagem
oficial de dez dias à Europa em jatinho alugado pelo governo por quase
R$ 400 mil durante o carnaval No Rio de Janeiro, o uso que o governador
Sérgio Cabral e familiares faziam dos helicópteros do Estado faria corar
Santos Dumont.
A vocação de ícaro, às custas da FAB, já deslumbrou várias autoridades
""sem noção". O cearense Paes de Andrade, assim que substituiu Sarney em
breve interinidade na Presidência da República, voou orgulhosamente com
amigos para Mombaça, a sua cidade natal Na gestão tucana, a moda dos
ministros era viajar com a família a Fernando de Noronha. Um dos filhos
de Lula, na companhia de diversos amigos, excursionou a Brasília e as
fotos da folia foram parar na internet.
Recentemente, como se sabe, familiares do presidente da Câmara, Henrique
Alves, e do ministro da Previdência, Garibaldi Alves, usaram jatinhos
da Aeronáutica para torcer pela seleção, enquanto o presidente do
Senado, Renan Calheiros, requisitava avião para comparecer ao casamento
da filha de um colega. Para não falar da comitiva de Dilma, que
atravessou o Atlântico e gastou mais de R$ 100 mil por noite para
assistir à posse do Papa Francisco. Com a turbulência das denúncias, a
FAB passou a informar quem requisita os aviões, mas não divulga os
caronas.
A discussão sobre os gastos governamentais, principalmente os das
autoridades, é absolutamente legítima. O limite entre o necessário e o
supérfluo é tênue, e a austeridade tem que ser a regra. O bom senso
recomenda que os governantes façam com os recursos públicos o que fariam
com o próprio dinheiro. No entanto, pelo que temos visto, a célebre
frase do Aparícío Torelli, o Barão de Itararé, continua atual; "Certos
políticos brasileiros confundem a vida pública com a privada."
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização
não-governamental Associação Contas Abertas |
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